FRATERNIZAR – A força libertadora e reveladora de 1 twitter – QUE DIRÁ JERÓNIMO DE SOUSA, MEU AMIGO E IRMÃO? – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

Depois do rasgado elogio ao “humanismo” do PCP que o novo cardeal, D. António Marto, faz na entrevista ao Expresso, por o Partido ter votado NÃO ao lado do CDS aos projectos-Lei de despenalização da eutanásia, quando, há anos, votou SIM à Lei de despenalização do aborto, hoje pacificamente em vigor no nosso país, achei por bem referir o facto ao meu jeito, sempre com Humor e Amor, no twitter que escrevo cada manhã. Saiu-me assim: “Quando até o banqueiro de FÁTIMA $.A. e agora cardeal D. António Marto elogia o PCP pelo seu NÃO à Lei de despenalização da eutanásia, deveria tocar a rebate no partido de Jerónimo de Sousa. Aparentemente opostos são afinal irmãos. A Cúria romana de um é o Comité central do outro.”

Imaginava que poderia surpreender, despertar até um complacente sorriso nos lábios de muitos, mas nunca que um tão simples twitter desencadearia uma chuva de comentários, insultos e enorme debandada de “amigos” Fb, definitivamente decepcionados comigo. Aqui d’el rei – salvo seja! – que eu não podia comparar o Comité Central do PCP à Cúria romana que manda no cardeal banqueiro da diocese de Leiria-Fátima. Não podia? Mas então não é público e notório que, desde 1962, quando sou ordenado presbítero da igreja ao serviço da Humanidade, sempre tenho praticado o meu direito à liberdade de expressão, inclusive nos tenebrosos tempos da ditadura salazarista e sua censura e do Index da igreja católica romana? Pago caro, mas jamais abdico de praticar a liberdade, também a de expressão, sob pena de deixar de ser Eu-sou para ser coisa, pau-mandado.

Esta facto fez-me viajar até aos anos 1970-71 e 1973-74, quando, como pároco de Macieira da Lixa, sou preso político duas vezes em Caxias. Depois de um tempo de isolamento, sou finalmente colocado numa cela com mais 7 ou 8 companheiros e digo-lhes à entrada que sou o padre Mário. Constato que todos me olham de soslaio e quase não me falam. São comunistas ou dissidentes ainda mais à esquerda do PCP, então na clandestinidade. Aos olhos ideológicos deles, eu, como padre, só podia ser um “infiltrado” ao serviço da Pide. Foram momentos tensos de solidão e de ostracismo até à hora das visitas, no dia seguinte, quando eles regressam eufóricos e me abraçam efusivamente, ao mesmo tempo que me pedem desculpa pelo ostracismo a que me votaram. Os familiares sossegaram-nos, ao dizer-lhes que eu, padre e pároco de Macieira da Lixa, era politicamente mais perigoso para o regime fascista do que qualquer um deles. Porque padre pobre por opção, por isso, livre, pároco por nomeação episcopal, mas com um viver todo de anti-pároco, incondicionalmente ao serviço da Humanidade, a partir dos mais pobres, das vítimas, dos Ninguém. No sistema, mas sem ser do sistema. Por isso muito mais radical do que eles. E tudo, não em nome de uma Ideologia, como a maior parte deles, mas por fidelidade ao Evangelho-Projecto político de Jesus que pratico-anuncio.

Semanas depois, num dos muitos debates políticos que fazíamos na cela, deparo com espanto no sistemático dogmatismo ideológico de uns contra outros que chega quase a vias de facto. Na minha simplicidade de presbítero menino digo-lhes que essa postura deles me fazia lembrar o dogmatismo dos clérigos católicos fiéis à Cúria romana e ao Código de Direito Canónico. O que eu fui dizer! A cela quase vinha abaixo com o trovejar das palavras de todos contra mim. Embora só, não retirei o que disse e são eles que acabam por reconhecer que tenho razão. Nunca lhes tinha passado pela cabeça, mas na verdade o dogmatismo partidário é em tudo igual ao dos clérigos de topo, porque todo o Poder ou candidato ao Poder é dogmático e unívoco. Quem dissente é excluído. A paz volta então a reinar na cela. E, poucos dias depois do 25 de Abril 74, é uma parte do PCP ainda clandestino que chega a sondar-me para o integrar, o que recuso em nome da universalidade do meu ministério presbiteral. Compreenderam. E passam até a olhar-me como um ”amigo do Partido”. Tanto que, por várias vezes tive entrada gratuita em Festas do Avante, para participar com livros meus em sessões de autógrafos na respectiva Feira do Livro. E numa dessas vezes, vi-me ao lado de José Saramago, já Nobel da Literatura, e do meu amigo Urbano Tavares Rodrigues.

Mas só agora me dei conta da Força libertadora e reveladora que pode ter 1 simples twitter. Como um sinal vivo de contradição que procuro ser, o que faço, digo, escrevo, revela os pensamentos escondidos de muitos. E, por vezes, é muito feio, até inumano, o que revela. Pergunto: Que dirá a tudo isto Jerónimo de Sousa, meu amigo e irmão?!

P.S.

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1 Comment

  1. Não sou nem nunca fui membro do PCP. Não só nem nunca fui praticante de qualquer culto religioso . Despenalizar o abortamento (é assim que deve dizer-se) era justíssimo pois se a Humanidade existe e tem à sua vista as manifestações do mais verdadeiro amor isso só é devido às Mulheres. Se algumas, por tremenda infelicidade – e contranatura – precisavam dum interrupção da gravidez bem mereciam mais perdão e total compreensão que condenação.
    O oposto, apoiar e acelerar a morte de quem quer que seja – sejam quais forem as circunstância – é um crime. Sou médico e jamais aceitarei outra coisa mais que não seja fazer viver e nunca outra coisa mais que não seja renovar – renovar constantemente – a esperança. O Senhor Cura já os vê mortos. porém, quem, ainda pode vê-los com vida – uma réstia que seja – jamais – insisto no jamais – aceitará facilitar a destruição dessa obra transcendente que é a Vida.CLV

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