UM RAPAZ DE ALFAMA – por CARLOS LOURES

Santo António de Pádua, por Alvise Vivarini (século XV)

Fernando Pessoa escreveu em 13 de Junho de 1935 (morreria em Novembro desse ano) um “tríptico” sobre os santos populares – Santo António, São João e São Pedro, verberando a apropriação que o Estado Novo fez destas figuras da Igreja. Praça da Figueira, foi o título que deu a este texto, onde condenava “a mobilização e apropriação dos ‘santos populares’ lisboetas pelo Estado Novo e pela Igreja Católica”. António Ferro e o seu Secretariado da Propaganda Nacional afadigavam-se a substituir as celebrações tradicionais por actos propagandísticos do salazarismo. Já nos anos 60, outro Fernando, Fernando Lopes Graça,  numa entrevista concedida a um suplemento regional, considerou os ranchos folclóricos como uma «contrafacção».

Antes, muito antes, de Fernando Pessoa, Amália Rodrigues. Eusébio, José Saramago, Cristiano Ronaldo… antes destes, e de outros, portugueses serem gente famosa em todo o mundo, mais precisamente em 1191 ou 1102, em Lisboa, no bairro de Alfama, perto da Sé-Catedral, a 13 de Agosto, nasceu aquele que iria ser uma das figuras mais relevantes da cultura europeia da sua época – um Fernando, como Pessoa, Fernando de Bulhões, mas só com um «heterónimo» – António, o nome que recebeu ao ser acolhido na Ordem de São Francisco ~ Frei António, Santo António de Lisboa ou Santo António de Pádua. Pádua foi a cidade em que morreu num dia 13 de Junho.

Era Portugal uma jovem nação com cerca de meio século de existência, reinava o filho de Afonso, Sancho I, e parte substancial do território estava ainda em poder dos Mouros, pois só em 1249 – com a tomada de Faro -, a Reconquista seria completada e adquirida a dimensão territorial próxima dos actuais contornos geográficos. Num país de fracos recursos e em guerra permanente, não só com os Muçulmanos, mas também com Leoneses e Castelhanos, este rapaz de Alfama estudou Direito em Coimbra e, sem recorrer ao programa Erasmus, viajou por França e Itália, partilhando o que sabia por essa Europa fora. Distinguindo-se como teólogo, místico, asceta e sobretudo como notável orador e grande taumaturgo, morreu com menos de 40 anos, mas ganhou o que equivalia na sua época ao prémio Nobel – foi canonizado pela Igreja Católica pouco depois de falecer.

Hoje festeja-se com um feriado o dia deste santo que (antes de ser canonizado) foi um jovem dotado e um caso de emigração de sucesso há mais de 800 anos. Sobretudo nas ruas do seu bairro, a «véspera do dia de Santo António» foi ontem celebrada com sardinhas assadas e com caldo verde, broa, vinho tinto… Na Avenida da Liberdade desfilaram as marchas populares e a Marcha de Alfama saiu vitoriosa.

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