Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Sinais de graves problemas para o Deutsche Bank. Por Jacob L. Shapiro e Lili Bayer

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Sinais de graves problemas para o Deutsche Bank

Por Jacob L. Shapiro jacob shapiro e Lili Bayer lili bayer

Publicado por friedman logo em 12 de julho de 2017

 

6 graves problemas Deutsche Bank 1

Uma crise no maior banco da Alemanha seria sentida pelos mercados financeiros em todo o mundo.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) emitiu ontem um maldito relatório de 63 páginas sobre o setor bancário e dos seguros na Alemanha. É um relatório longo e exaustivo, com o ponto-chave enfiado na página 42: “o Deutsche Bank parece ser o contribuinte líquido mais importante para os riscos sistémicos no sistema bancário global.”

Depois, o Federal Reserve dos EUA diz que a filial americana do Deutsche Bank foi um dos dois bancos (o outro era o Santander), que falhou um teste anual de esforço. O Deutsche Bank falhou o mesmo teste no ano passado, e embora o FED tenha observado que a subsidiária dos EUA tinha fortalecido a sua posição de capital desde o seu fracasso anterior, ele disse que ainda havia muito mais trabalho a ser feito. Os mercados puniram o Deutsche Bank, já a recuperarem do Brexit, forçando as suas ações a descerem até ao seu mais baixonível desde há 30 anos.

Com todas as notícias em torno da volatilidade nos mercados devido ao Brexit, há uma tentativa de descartar esta situação como sendo mais do mesmo. Mas, na realidade, estes dois desenvolvimentos, em particular o relatório do FMI, são de uma importância muito maior. Se o Deutsche Bank realmente está à beira de uma crise – e acreditamos que está – as implicações serão sentidas em todo o mundo e o sistema financeiro global vai estremecer. Em primeiro lugar, no entanto, os efeitos serão sentidos pela Alemanha, e antes de podermos explicar porquê, o papel único e importante do Deutsche Bank na história e no desenvolvimento da Alemanha deve ser colocado no seu contexto.

O Deutsche Bank não é apenas o maior banco da Alemanha. O papel político que desempenha na Alemanha é único quando comparado com outros países. Não há nenhum bom antecedente histórico com o qual compará-lo nos EUA; a importância do Deutsche Bank para a Alemanha é muitas vezes maior do que a de um banco de investimento como o Lehman Brothers para os EUA em 2008. O Deutsche Bank é tecnicamente um banco privado, mas está vinculado ao governo informalmente e à maioria das principais grandes empresas alemãs formalmente. O seu destino será partilhado por toda a Alemanha.

Deutsche Bank é tecnicamente um ano mais velho do que a própria Alemanha, tendo sido fundado em 1870, um ano antes da Prússia declarar que o Reich alemão tinha sucedido ao Sacro Império Romano-Germânico. É um dos três grandes bancos alemães – os outros são o Commerzbank (também fundado em 1870) e o Dresdner Bank (fundado em 1872 e comprado pelo Commerzbank em 2009) – que desempenharam o papel quer de provedores de capital quer de mestre das marionetes no desenvolvimento da máquina industrial alemã durante o último século e meio.

Após a sua fundação, como nação, a Alemanha era extremamente pobre. O Deutsche Bank forneceu empréstimos de curto prazo e, em contrapartida, recebia ações de capital das empresas que financiava. Em meados da década de 1980, de acordo com um estudo do governo alemão, estimava-se que os três grandes controlavam o poder de voto de mais de três quartos das ações da maioria das grandes empresas alemãs. Um relatório de 1995 do Departamento de Investigação do Congresso dos EUA estimou que os três grandes por si mesmos, sem contar as ações que detinham em nome dos seus clientes, detinham 30 por cento dos assentos nos conselhos consultivos de todas as empresas alemãs. Separar o Deutsche Bank dos objectivos políticos do governo alemão ou da estrutura das empresas alemãs é impossível. Estão todos indissociavelmente ligados.

Nos anos 1990 e início da década de 2000, o Deutsche Bank tentou manter o seu papel único, aproveitando ao mesmo tempo a globalização financeira. Isso significava operar cada vez mais como um banco de investimento típico. O Deutsche Bank começou a dar a prioridade a ganhos de curto prazo e a investir em ativos de risco, incluindo títulos apoiados por hipotecas subprime no mercado imobiliário americano. Na Alemanha, a importância da crise financeira de 2008 não foi apenas a perda de dinheiro, mas o facto de o Deutsche Bank, durante tanto tempo um símbolo da economia alemã, ter sido deslegitimado e implicado em comportamentos de alto risco. Além dos problemas com os seus resultados líquidos este banco ainda enfrenta uma bateria de investigações, de problemas legais, escândalos e multas potenciais a serem pagas nos próximos anos. O banco afundou-se completamente face ao que era quando foi criado.

Muito rapidamente até hoje o Deutsche Bank, o Commerzbank e na verdade a maioria dos bancos alemães têm sido capazes de estancar a sangria de 2008, mas não têm sido capazes de curar a ferida. Estes bancos estão a debater-se com dificuldades em grande parte devido à política monetária ultra flexível praticada pelo Banco Central Europeu (BCE) para tentar estimular a economia europeia. O BCE reduziu fortemente as taxas de juros, colocou as taxas dos depósitos em território negativo e iniciou um programa ambicioso de compra de ativos numa tentativa de impulsionar a inflação e estimular o crescimento económico em todo o bloco europeu.

As baixas taxas de juros, no entanto, reduziram fortemente as margens de lucro dos bancos alemães e já forçaram alguns bancos, entre os quais o mais importante deles, o Deutsche Bank, a introduzirem novas taxas de honorários e a implementarem cortes de pessoal. Na verdade, o supervisor financeiro da Alemanha, BAFin, estima que cerca de metade dos bancos da Alemanha têm uma exposição elevada às mudanças de taxa de juros e, como consequência, podem ter necessidade de mais capitais próprios. Outro efeito colateral de baixas taxas de juro foi que, segundo o FMI, alguns bancos alemães se voltaram para o mais arriscado papel soberano espanhol e italiano. Com o sul da Europa a enfrentar os seus próprios problemas bancários, o aumento do investimento em Itália e Espanha está a obscurecer ainda mais as perspetivas para os bancos alemães.

Em maio, publicámos um estudo da economia alemã intitulado “A crise invisível da Alemanha“. Assinalámos a dependência da Alemanha em relação às suas exportações, e como não é simplesmente viável para a Alemanha manter os seus atuais níveis de exportações numa economia global que, no melhor dos casos, está estagnada, e em muitos lugares ao redor do mundo está em diferentes graus de crise. Se os EUA entram numa recessão cíclica, o que resta da procura que sustenta a economia alemã entrará em colapso, e o que antes era invisível tornar-se-á tão claro como o dia.

No nosso relatório, constatámos também que o problema mais parecido com a situação atual da Alemanha é o Japão no final dos anos 1980 e do início dos anos 1990. O primeiro aviso do colapso do milagre japonês foi o aviso do Banco dos Pagamentos Internacionais de que os bancos japoneses seriam suspendidos das transações internacionais por causa do baixo nível das suas reservas. Não podemos deixar de olhar para os acontecimentos de ontem, e particularmente a publicação do estudo do FMI, como uma idêntica bandeira vermelha.

A analogia não é total porque as reservas de capitais não parecem (ainda) ser um problema para o Deutsche Bank e para os bancos alemães em geral. O relatório do FMI deixa claro que existem “amortecedores substanciais em termos de capitais ” de todos os bancos alemães, incluindo o Deutsche Bank (embora seja de notar que o rácio do Deutsche Bank em capital de nível 1 relativamente aos ativos caiu precipitadamente em resposta à crise financeira de 2008). Uma coisa que nos chamou a atenção, porém, foi o facto de que, em comparação com os bancos seus parceiros, o rácio dos bancos alemães em ativos ponderados pelo risco relativamente ao valor dos ativos totais foi de apenas 22,3 por cento – apenas um terço do rácio dos bancos americanos, e 25 por cento menos do que outros pares da zona euro.  Assim, no seu conjunto, os bancos alemães estão a minimizar as perdas, evitando empresas mais arriscadas. Isto trai o fato de que deve haver uma fraqueza no sistema que está a forçar os bancos alemães a serem extremamente avarentos.

O Deutsche Bank mostra sinais dessa fraqueza mais do que qualquer outra instituição alemã neste momento. No ano passado, o Deutsche Bank publicou uma perda líquida de cerca de 6.7 mil milhões de euros. O diretor financeiro do Deutsche Bank disse à CNBC que não esperava que o Deutsche Bank encontrasse o seu caminho de volta face à situação negra de agora senão a partir de 2018, no mínimo. O relatório do primeiro trimestre de 2016 do Deutsche Bank disse que a receita estava abaixo de 22 por cento relativamente ao mesmo período do ano anterior – e isso é comparado a um ano em que o banco teve uma perda de 10 dígitos.

Somente no decorrer do ano passado, o Deutsche Bank despediu dezenas de milhares de trabalhadores e viu descer a sua notação pelas agências Fitch e Moody’s no que diz respeito à sua dívida de longo prazo e à classificação dos seus depósitos. O Deutsche Bank também está sentado em cima de $41,9 milhões de milhões (não é um erro tipográfico) de produtos derivados, uma herança, sem dúvida, das suas atividades de antes de 2008, e talvez até mesmo das suas atividades pós-2008. A crise deixou já de ser invisível. Para o FMI, a Alemanha e para os mercados igualmente, para todos eles ela está bem á vista.

Esta é uma daquelas situações em que não nos traz nenhum prazer dizer que ontem foi um bom dia para a nossa previsão. Também foi um mau dia para o Deutsche Bank e, por extensão, para a economia global. Se os desenvolvimentos continuarem a desenrolar-se como esperamos, este dia não será o último

 

Texto original em https://geopoliticalfutures.com/signs-of-trouble-for-deutsche-bank/

Os autores:

Jacob L. Shapiro: analista geopolítico, diretor de análise em Geopolitical Futures desde a sua fundação em 2015.

Lili Bayer: repórter de Politico, ex-correspondente em Budapeste, mestrado de Ciência pela universidade de Oxford.

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