Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Gritos de que a crise terá passado, mas os grandes problemas estão para chegar. Por Heiner Flassbeck

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Seleção de Júlio Marques Mota e tradução de Francisco Tavares

Obrigado ao prof. Heiner Flassbeck e a IDEAS.

Gritos de que a crise terá passado, mas os grandes problemas estão para chegar

Heiner-Flassbeck Por Heiner Flassbeck

Publicado por IDEAS, em 12 de março de 2010

Os défices orçamentais podem ser um grande problema, mas é o desequilíbrio externo que pode levar a uma dissolução da UEM se não forem adotadas rapidamente medidas corretivas.

É triste e surpreendente que no meio do dilúvio de comentários e artigos europeus sobre a Grécia nas últimas semanas, nem um tocou no ponto fundamental da crise. A maioria dos comentadores trata os problemas internos da Grécia e os de outros países do sul membros da União Económica e Monetária (UEM) como se não tivessem qualquer relação com o comércio externo dentro e fora da UEM. Mas mesmo aqueles poucos que mencionaram os enormes desequilíbrios dentro da UEM e o seu contributo para a criação de uma insustentável situação orçamental não apresentaram a base para uma avaliação adequada sobre os erros e os malfeitores. Os défices orçamentais podem ser um grande problema, mas é o desequilíbrio externo que pode levar a uma dissolução da UEM se não forem adotadas rapidamente medidas corretivas. Enquanto importantes malfeitores puderem esconder-se atrás da errada teoria dominante dos mercados de trabalho flexíveis, uma forte ação política corretiva não estará na ordem do dia.

O atual défice de conta corrente da Grécia já quase atingiu 15% do PIB em 2007 e desceu ligeiramente devido à quebra das importações resultante da recessão. O que correu mal? Entre 2000 e 2010, as exportações líquidas da Grécia foram fracas, mas a procura interna cresceu a uns saudáveis 2,3 % segundo as estimativas da Comissão Europeia. A recompensação real do trabalho aumentou 1,9% ao ano por trabalhador, um pouco menos que a produtividade. Os custos unitários do trabalho, a mais importante medida da competitividade internacional entre os membros de uma união monetária, progrediu a uma taxa de 2,8% ao ano e atingiu o nível 130 em 2010 sendo 2000 o nível 100.

Por outro lado, o maior país da União, a Alemanha, acumulou um enorme excedente da conta corrente no mesmo período, culminando em 8% em 2007. O que correu bem? Entre 2000 e 2010, as exportações líquidas da Alemanha dispararam mas a procura interna estagnou com um insignificante crescimento anual de 0.2%. Uma compensação real estagnada – em 4%, o seu crescimento ficou muito atrás do crescimento da produtividade – explica a fraca procura interna uma vez que a esperada criação de emprego não acompanhou a restrição salarial. Durante a década, os custos unitários do trabalho na Alemanha subiram apenas marginalmente, atingindo o nível 105 em 2010.

Isto significa simplesmente que a produção de um bem ou serviço comparável que era produzido ao mesmo custo em todos os estados-membros da UEM e podia ser vendido ao mesmo preço, custa agora 25% mais se vier da Grécia em vez de ser produzido na Alemanha. A diferença é similar para a Espanha, Portugal e Itália, 13% se for a França e 23% se for a Irlanda. Agora, alguns gostam da posição do Presidente e do economista chefe do Banco Central Europeu de que a diferença não é relevante porque a Alemanha tinha uma desvantagem absoluta antes do início da UEM, principalmente devido ao peso da unificação alemã. Contudo, a lógica diz uma coisa diferente. Se o apertar do cinto apenas representa desvantagens absolutas, não se acabará com vantagens absolutas. Mas isto é precisamente o caso alemão. A Alemanha é o único grande país na Europa que conseguiu estabilizar a sua quota no mercado mundial na primeira década deste século, enquanto que todos os outros perderam drasticamente.

Isto conduz-nos à última milha da defesa alemã, nomeadamente que o elevado desemprego justificou, e ainda justifica, o dumping salarial alemão. Errado mais uma vez, o desemprego na Alemanha caiu, mas continua tão elevado como noutros países uma vez que a diferença da procura interna compensou o excesso de procura externa. Além disso, os países que procurem reprimir os salários por razões internas não deviam aderir a uniões monetárias se não são capazes ou estiverem dispostos a convencerem todos os outros a fazerem o mesmo. Pior ainda, a Alemanha concordou em entrar na união monetária com um objetivo de inflação perto de 2% e não até 2%. Dado este objetivo e a elevada correlação entre os custos unitários do trabalho e a inflação, foi uma clara violação do objetivo comum de inflação da UEM pelo governo alemão a de colocar sob enorme pressão as negociações salariais, que resultaram num crescimento dos custos unitários do trabalho perto de zero.

Os responsáveis gregos estão enganados se pensam que haverá uma solução grega dentro da UEM e fora da recessão. Se a Alemanha continuar com o apertar do cinto, e tudo indica que sim, a Grécia necessitará absolutamente cortar salários muito para além do setor público como se discute agora. O resultado será deflação e depressão para o conjunto da Europa e nenhum renascer das cinzas qual fénix já que a correção da sobrevalorização pela desvalorização é impossível. Mas isto não é somente uma tragédia grega. Se a Europa não se puser de acordo quanto a uma ação concertada com decisões explícitas sobre os passos de ajustamento dos salários para muitos anos, na verdade para décadas, para reequilibrar o seu comércio, todos os chamados países PIIGS acima mencionados terão de considerar a sua saída da UEM. Nenhum país pode sobreviver economicamente com todas as suas empresas enfrentando enormes desvantagens absolutas contra os seus mais importantes parceiros comerciais.

 

Texto original em http://www.networkideas.org/news/mar2010/news12_Tigers.htm

Republicado em http://www.insightweb.it/web/content/cry-wolf-do-not-ignore-tomorrows-tigers

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