A CANETA MÁGICA – Catarse ou catar-se? (1) – por Carlos Loures

Este texto é uma nova versão do que,

com título e conteúdo semelhantes,

foi publicado no Estrolabio.

 

O blogue é uma forma moderna de catarse. Moderna e barata, pois os psiquiatras não cobram pouco… É também uma forma de cada bloguista se catar, limpando-se de obsessões, ou de os bloguistas se catarem mutuamente, extraindo uns dos outros os sais necessários ao seu equilíbrio emocional. Catarse = catar-se. Ao contrário do que um dito gracioso de um humorista televisivo transformou em aforismo, o «português não é uma língua traiçoeira» – é como um cão fiel e bonacheirão – desde que tratada com respeito, não nos morde. Se é negligenciado, se formas tradicionais são substituídas por modismos alienígenas, morde e rosna (ou vice-versa).

Mas voltemos aos blogues, esquecendo a sua função catártica e voltando-nos agora para a sua vocação comunicacional.

Numa entrevista dada no Brasil, em 2009, o jornalista perguntou a José Saramago se acreditava que a organização das pessoas em rede, permitida pela explosão dos blogues, poderia ser um motor para a mudança social no futuro. Ao que o escritor respondeu: «Eu tenho umas quantas dúvidas. Quando aparece um caso como o da Internet, com a potencialidade que apresenta de comunicação, de troca de ideias, as pessoas falam de revolução pela Internet, mas no fundo somos ingénuos e vamos continuar a ser, aconteça o que acontecer. Não sei como essa revolução se poderia dar». No próximo ano passam dez anos sobre a entrevista ao nosso Prémio Nobel. A Internet talvez não seja o que era uma década atrás. «Nós estamos livremente na rede, não sei se em dez anos essa liberdade será permitida»- E Saramago dizia, rematando a sua entrevista: – «Há uma questão central: quem é que está no poder? Estamos nas mãos do poder e, portanto, é-nos praticamente impossível propor uma alternativa económica, sem uma alternativa política e social. Podemos organizar-nos em rede e fazer uma manifestação nas ruas, mas no dia seguinte acaba. Porque os meios de comunicação podem simplesmente decidir não falar dela. E se não falam dela, a manifestação não existiu e acabou». Grande verdade – hoje em dia, o que não é relatado pela comunicação social, é como se não existisse.

Bem, a liberdade da blogosfera ameaçada pelo poder, é um cenário verosímil. Mas há outras ameaças. Quando se abriram as primeiras estradas, depressa nelas apareceram salteadores. Quando se iniciaram as rotas marítimas, a pirataria não se fez esperar. As rotas aéreas também não são imunes à pirataria. A blogosfera, rede de caminhos entre milhões de pessoas, é também apetecível para flibusteiros especializados. Quem é que vai impedir a catarse? Quem é que vai impedir os bloguistas de catar-se mutuamente? O poder? Os piratas? Há um terceiro cenário plausível – a ilimitada liberdade da blogosfera pode transformar-se num elemento de auto dissolvência, desencadeando uma implosão.

O mais provável ainda é uma catadupa de novas tecnologias tornar esta obsoleta e daqui por umas dezenas de anos esta catarse, terapia ocupacional, actividade dos tempos livres, ou qualquer outro significante em que a criatividade dos vindouros possa embrulhar este meio comunicação, expondo-o à ironia dos nossos sucessores. Porque, mudam os tempos, mas a natureza humana não muda, a tontice que hoje nos faz rir das modas de há cem ou cinquenta anos, levará daqui a cem anos qualquer idiota  a ridicularizar os blogues, com a mesma desfaçatez com que hoje nos rimos quando vemos dançar o charleston.

 

 

1 Comment

  1. Sempre, como sempre, continuas a ser um escritor da craveira alta. A natureza humana, dizes bem, não muda; por isso tantas repetições na História ; o que tem mudado são, apenas, os eletrodomésticos!!!Com a amizade do CLV

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