CARTA DE BRAGA – “desconchavos” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

 

Há uns poucos de dias, fui alertado por dois títulos, no mesmo dia e no mesmo jornal, que me levaram a escrever esta Carta.

* «Marcelfie – uma app para poder tirar selfies com Marcelo sem estar ao lado dele»

O conteúdo fala de uma aplicação grátis para telemóveis, destinada a quem ainda não tirou uma selfie com o dos afectos!

 

* «Spike Lee não será presidente do Sporting»

Este é o título de uma crónica de João Lopes – ‘O novo e admirável filme de Spike Lee está quase a chegar às salas. Mas são as eleições do Sporting que dominam a actualidade mediática – o que é que isso diz sobre a nossa vida cultural?’

 

Foi David Le Breton a explicar que a modernidade também trouxe consigo o ruído, como se pode ver na quantidade de objectos e gadgets com que nos equipam para nunca interromper a intensa correnteza de comunicação em que até estamos voluntariamente mergulhados.

Obviamente que o ruído não é o do barulho dos tais objectos a trabalhar, mas sim o das ligações cuja ausência nos acerca daquele vazio a que alguns chamam soledade, a solidão com que os outros conseguem isolar cada utente se um desses objectos deixa de funcionar.

 

E que tem isto a ver com os dois títulos acima?

 

Foucault definiu bem a importância da comunicação mediática ao afirmar ‘o discurso está na ordem das leis, e se lhe acontece ter algum poder, é de nós, só de nós, que ele o obtém’

O mediático, a comunicação permanente e a ausência do silêncio, são assim transformados e usados numa prática objectiva e marcadamente social, destinada a manter o poder que, na realidade, já assumem e ostentam sem quaisquer pruridos.

 

Le Breton afirma ainda que o fluxo contínuo da comunicação se baseia mais nos conteúdos cujo interesse nada tem a ver ou a contribuir para o melhoramento da sociedade e do mundo.

O silêncio, afirma ainda Le Breton, não passa ali de uma falha aberrante e ameaçadora do sistema, onde máquinas esquecidas teimam em trabalhar, sempre com ecrãs como fundo e mãos nos telemóveis, a simbolizar o amparo utópico e sacralizado da app de um qualquer Prometeu, talvez vestido com uma camisola verde às riscas, à espera de clientes para tirarem selfies.

 

Tempos desconchavados que, creio, se podem resumir numa citação de Manuel António Pina

quem já tenha visto um porco andar de bicicleta talvez não se surpreenda, mas eu, que já vi uma bicicleta andar de porco, ainda não caí em mim’

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

1 Comment

  1. Oh, meu amiigo ao fazer férias, arredetei de mim, tudo , e deixei.me ficar no silêcio real a ouvir água e passaros..Precisava de despoluir….Regresso agora, porque reinicio o programa na próxima 4ª feira…
    Nada mais a propósito : a tua catta vem falar do “silêncio”e do “ruído”…Andamos empanturrados de RUIDO, mesmo no silêncio a que nos impomos, porque, à nossa volta, tudo nos pretende preencher a mente com “ruidos” , cada vez maiores e de toda a espécie….Vale-me o meu cantinho!!!!
    Abraço grande!!!! Obrigada por nos obrigares a pensar ou a dar conta do que não víamos… 🙂

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