A CANETA MÁGICA – Catarse ou catar-se (2) – por Carlos Loures

Nova versão de um texto que foi publicado no Estrolabio.    

Catarse, substantivo feminino, é a expulsão daquilo que, sendo estranho à essência ou à natureza de um ser, o corrompe. É um processo de purificação. Embora não pareça, catar, o verbo transitivo, na sua forma reflexiva catar-se, tem um significado muito semelhante, embora mais popular. Enquanto catarse nos remete para o classicismo grego, para o orfismo, o pitagorismo, o platonismo ou para acepções mais técnicas, do foro da psiquiatria, o verbo catar, menos clássico, mais democrático, lembra-nos mães, às portas de suas casas em bairros pobres espiolhando os filhos ou, numa versão mais National Geographic, chimpanzés catando-se mutuamente (porque os sais que extraem das pelagens fazem falta à sua dieta – não sei se isto é verdade.

A Dra. Jane Goodall, grande especialista no estudo da espécie, não o confirma.

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Catarse tem sido uma palavra muito usada a propósito do mais recente escândalo que eclodiu no seio da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) – ensombrando a visita do Papa Francisco à República da  Irlanda do Norte. No entanto, não me parece que faça muito sentido a indignação que percorre o mundo – e não é por considerar a pedofilia  um crime menor, mas sim porque este, sendo sem dúvida um crime hediondo, é praticado desde sempre pelo baixo clero (por uma parte dele, entenda-se)  e dá oportunidade à alta clerezia, cardeais e bispos, de se mostrar horrorizada e de se multiplicar em declarações de repúdio – como se dois milénios de crimes (entre os quais Inquisição é apenas um deles) não a tivessem transformado na maior e na mais antiga organização criminosa do mundo, que faz dos mafiosos uma espécie de meninos  maus que roubam rebuçados  às meninas  no recreio do jardim escola…

A lista de crimes cometidos à sombra da Igreja de Roma não cabe nos limites de um post.  A redenção não vai lá com catarses – a extinção pura e simples da ICAR  seria uma pena leve.   As outras igrejas não estarão isentas de culpas, mas sendo de dimensões mais reduzidas …

Os inocentes chimpanzés da fotografia acima catam insectos ou sais minerais. Nas aldeias e bairros pobres das cidades, mães zelosas espiolham os filhos, catando os incómodos parasitas. Durante séculos,em concílios. através de concílios e de  encíclicas. a superstrutura vaticana ajustou a  realidade do mundo às conveniências da Igreja e agora, com um sistema tentacular e poderoso governando todo o planeta, se vêem obrigados a prestar vassalagem a esse sistema e a dar satisfações. a prestar contas.

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Os tempos mudaram e a Igreja Católica joga em vários tabuleiros – o Arcebispo de Dublin numa homilia recente diz o que é óbvio – não basta pedir desculpa – é preciso punir, com mão firme, não só os prevaricadores, como aqueles que, para se proteger, os protegeram. E, digo eu, mesmo assim não seria feita justiça – punir um bando por um dado crime, não o impede de continuar a cometer crimes – é preciso destruir o bando.

Desde o Primeiro Concílio de Niceia (em 325), muita coisa aconteceu, muitos crimes foram cometidos. O sangue que correu é muito, não se estanca com um penso rápido, nem com catarses. Lembro que a catarse consiste numa purificação, na expulsão do que é alheio à natureza de um corpo.  O crime faz parte integrante da ICAR.

E se tentassem um exorcismo?

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