A crítica demolidora de Michael Pettis à teoria e à política económica neoliberal – 2. Relatório sobre a indústria transformadora (extratos – 1ª parte). Por Alexander Hamilton

egoista

Seleção de Júlio Marques Mota e tradução de Francisco Tavares

2. Relatório sobre a indústria transformadora (extratos, publicado por ConText.montpelier.org[1]) – 1ª parte

Alexander Hamilton Por Alexander Hamilton, em 5 de dezembro de 1791

O programa económico de Hamilton culminou no grande relatório sobre a Indústria Transformadora, que foi descrito, e com razão, como a sua resposta ao programa de discriminação comercial apresentado pelo Estado da Virgínia. A maioria das recomendações do relatório nunca foram promulgadas pelo Congresso, mas as hipóteses constitucionais em que assentava e a visão do futuro americano que ele avançou tornaram-se depois temas importantes nos debates sobre o futuro dos Estados Unidos.

O Secretário do Tesouro, em obediência à ordem da Câmara dos Representantes do dia 15 de janeiro de 1790, concentrou a sua atenção, tão cedo quanto as suas outras ocupações o permitiram, sobre o tema das manufaturas; e particularmente quanto aos meios de promover aquelas que tenderiam a tornar os Estados Unidos independentes das nações estrangeiras no que diz respeito ao fornecimento de material militar e de bens essenciais. E nesse sentido apresenta respeitosamente o seguinte relatório.

A conveniência de apoiar e incentivar a indústria manufatureira nos Estados Unidos, o que não era considerado discutível desde há muito tempo, parece ser nesta altura um tema consideravelmente admitido. Os constrangimentos que obstruíram o progresso do nosso comércio externo levaram a sérias reflexões sobre a necessidade de ampliar a esfera do nosso comércio interno: os regulamentos restritivos que nos mercados externos reduzem a ventilação do excedente crescente dos nossos produtos agrícolas serve para gerar um desejo sincero de que uma procura mais extensa para esse excedente possa ser criada internamente; e o sucesso total que tem recompensado a indústria transformadora em alguns ramos muito importantes , em conjunto com os sintomas promissores que acompanham alguns ensaios menos maduros noutros ramos, justificam a esperança de que os obstáculos para o crescimento deste tipo de indústrias venham a ser menos relevantes do que parecem ter sido; e não é difícil encontrar, na sua ulterior extensão, uma compensação total por todas e quaisquer desvantagens externas que sejam ou possam vir a ser sentidas, bem como uma adequação nos recursos favoráveis à independência e à segurança nacionais.

Ainda há, no entanto, patronos respeitáveis de opiniões hostis aos incentivos à indústria transformadora. Os argumentos com que se defendem estas opiniões são, substancialmente, os seguintes:

“Em cada país (isto é, dizem aqueles que as defendem) a agricultura é o ramo ou setor mais benéfico e produtivo da atividade produtiva do homem. Esta posição, geralmente se não é universalmente verdadeira, aplica-se com ênfase peculiar aos Estados Unidos por causa das suas imensas extensões de terras férteis, pouco habitadas e passíveis de muitas melhorias. Nada permite um emprego tão vantajoso para o capital ou para o trabalho como a conversão deste extenso deserto em propriedades agrícolas cultivadas. Nada há que seja igual ao que estes terrenos tratados possam contribuir para a população, para a sustentabilidade e para a riqueza real do país. “

“Envidar esforços por um enorme patrocínio governamental para acelerar o crescimento da indústria transformadora é, na verdade, esforçarmo-nos pela força e pela arte para transferir a corrente natural da indústria de uma via mais benéfica para uma outra menos benéfica. Qualquer coisa que tenha tal tendência deve necessariamente ser imprudente. Na verdade, dificilmente pode ser sensato que um governo esteja tentado a dar um rumo à capacidade criativa dos seus cidadãos. Dito de outra forma, sob a orientação perspicaz do interesse privado ir-se-á, se este é deixado entregue a si-próprio, infalivelmente encontra o seu próprio caminho para o emprego mais rentável dos seus recursos; e é por este tipo de caminho que a prosperidade pública será mais eficazmente promovida. Deixar a indústria transformadora entregue a si-mesma é, portanto, em quase todos os casos, a política mais simples e mais sólida que pode ser praticada.”

“Esta política não é apenas recomendada para os Estados Unidos por considerações que afetam todas as outras nações, é-nos, de certa forma, ditada pela força imperiosa de uma situação muito peculiar. A pequena dimensão da sua população quando relacionada com o seu território — os atrativos constantes para a emigração se estabelecer das partes habitadas do país para as não habitadas — a facilidade com que a situação menos independente de um artesão pode ser trocada por uma situação de mais independência de um agricultor, estas e causas semelhantes levam a que se produza, e por um período de tempo que se deve prolongar conforme a ocasião, uma penúria de mão-de-obra para trabalhar na indústria transformadora e, em geral, se gere uma escassez em todo o país. A somar a estas desvantagens para a prossecução da indústria transformadora, encontramos também uma escassez de capital monetário, e a perspetiva de uma concorrência bem sucedida com os produtos manufaturados de Europa deve ser considerada muito pouco menos que desesperada. As indústrias de produção extensiva só podem resultar de uma população redundante, ou pelo menos muito abundante. Até esta última situação caracterizar a situação deste país, não vale a pena esperar que se verifique a primeira destas situações.”

“Se, contrariamente ao decorrer natural das coisas, se se verificar um prematuro tempo de Primavera com o recurso a pesados impostos, proibições, subsídios ou com outros expedientes forçados, e isto terá apenas como efeito sacrificar os interesses da comunidade a favor dos interesses de alguns grupos sociais bem particulares. Para além da má orientação a ser dada à força laboral, um monopólio virtual será dado às pessoas empregadas em tais manufaturas; e um aumento do preço, a consequência inevitável de todos os monopólios, deverá ser suportado à custa de outras partes da sociedade. É, de longe, bem preferível que essas pessoas estejam a ser empregadas no cultivo da terra e que devemos adquirir, em troca das suas produções, os produtos manufaturados que os estrangeiros são capazes de nos fornecer numa maior perfeição e em melhores condições. “

Este modo de raciocínio é fundamentado em factos e princípios que certamente têm respeitáveis pretensões. Se ele tivesse governado a conduta das nações de forma mais geral do que o que tem sido feito, teria sentido admitir que poderia ter levado essas nações a atingir a prosperidade e a grandeza mais rapidamente que a que alcançaram pela aplicação de máximas tão fortemente opostas. A maioria das teorias gerais, no entanto, admitem inúmeras exceções, e há poucas, se as houver, do tipo político que não misturem uma parcela considerável de erro com as verdades que inculcam.

A fim de analisar com precisão em que medida é que o que acaba de ser dito deve ser considerado passível de uma imputação similar, é necessário chamar a atenção sobre as considerações que funcionam a favor da indústria transformadora, e que parecem recomendar que lhe seja dado um especial e forte apoio governamental, em certos casos, e sob certos e razoáveis condicionamentos.

Deve-se prontamente admitir que o cultivo da terra,

– enquanto fonte primária e mais certa da oferta a nível nacional

– enquanto fonte imediata e principal de subsistência do homem

– enquanto principal fonte dos produtos que constituem os materiais necessários à produção de outros bens,

– compreendendo também um estado mais favorável à liberdade e à independência do espírito humano, talvez mais conducente à multiplicação da espécie humana,

tem, intrinsecamente, uma forte reivindicação de ser mais importante que qualquer tipo de indústria.

Mas, que se queira assumir que o cultivo da terra seja visto como uma preferência exclusiva, em todo e qualquer país, deve ser admitido com muita cautela. Que seja considerado ainda mais produtivo do que qualquer outro ramo da indústria exige mais provas do que as que até agora têm sido apresentadas em defesa de uma tal hipótese. Que os seus verdadeiros interesses, preciosos e importantes, e isto sem qualquer exagero, sejam verdadeiramente defendidos em vez de prejudicados pelos incentivos concedidos à indústria transformadora, isso pode, acredite-se, ser demonstrado satisfatoriamente. E acredita-se também que a conveniência de tais incentivos no quadro de uma visão mais geral pode ser demonstrada ser recomendável pelos mais convincentes e persuasivos motivos da política nacional.

(…)

É agora adequado avançar e ir um pouco mais longe para enumerar as principais circunstâncias, a partir das quais se pode deduzir – que os estabelecimentos fabris não só dão origem um aumento positivo da produção e dos rendimentos da sociedade, como também eles contribuem essencialmente para tornar esses rendimentos maiores do que poderiam ser sem tais estabelecimentos fabris. Estas circunstâncias são:

  1. A divisão do trabalho.
  2. 2. A extensão da utilização das máquinas.
  3. Emprego adicional para grupos da sociedade não habitualmente ligados ao mundo empresarial
  4. O fomento da emigração vinda de outros países.
  5. Proporcionar um leque mais vasto de atividades no sentido de melhor aproveitar uma maior diversidade de talentos e de características que diferenciam os homens uns dos outros.
  6. Proporcionar um espaço mais amplo e variado para as empresas
  7. A criação em alguns casos, e a garantia em todos, de uma nova e sustentada procura dos excedentes da produção dos solos.
  8. Cada uma destas circunstâncias tem uma influência considerável sobre a massa total do esforço realizado numa comunidade. Juntas, acrescentam à sociedade um grau de energia e de eficácia que não são facilmente concebíveis. Alguns comentários sobre cada uma delas, na ordem em que foram indicadas, pode servir para explicar a sua importância.

(continua)

 

Texto disponível em https://context.montpelier.org/document/860#passage-65

Notas

[1] Relatório completo em https://founders.archives.gov/documents/Hamilton/01-10-02-0001-0007

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