MAIS UM TEXTO SOBRE O PAÍS QUE TEMOS – por ANTÓNIO GOMES MARQUES

 

I

 

A propósito do meu último texto aqui publicado, “Portugal e a Democracia”, perguntou-me um amigo e camarada de longas lutas: «Quais são os países que, no teu exigente critério, estão à frente de Portugal, além dos que no ranking têm já esse lugar?»

Quando me preparava para responder ao meu amigo e camarada, resolvi fazê-lo de forma indirecta, ou seja, escrevo mais um texto por pensar que o importante não é saber se há mais países não classificados à frente de Portugal e que eu julgue mais democráticos, mas sim saber se Portugal é realmente um país democrático.

Suponhamos até que Portugal vinha em primeiro lugar no «ranking», no meu exigente critério — como o classifica o meu amigo e camarada—, isso não me levaria a deixar de dizer o que disse se as condições fossem as mesmas que hoje vivemos e que me levaram a escrever o texto.

Confesso também que, neste momento, a minha reflexão se vira para a Europa e, naturalmente, para a «nossa» União Europeia (não estranhem o uso das aspas, de que, provavelmente, vou abusar), cuja morte se começa a vislumbrar, para o que os políticos no poder, o que inclui os que estão comodamente sentados nos lugares para que foram «eleitos» e nomeados, se parecem estar a marimbar. Mas voltemos à Ocidental Praia Lusitana.

Naquele meu texto, “Portugal e a Democracia”, escrevi, a dado passo, “Qualquer país que quer construir uma sociedade sã, ou seja, uma sociedade de liberdade, de justiça igual para todos, solidária, de respeito pelas diferenças não pode dispensar algumas instituições fundamentais para que tal sociedade seja possível, o que significa que essas instituições têm de ser fortes e respeitadoras das normas que definem uma sociedade democrática, sendo uma destas, verdadeiramente fundamental, o respeito pelas pessoas, a começar pelos seus trabalhadores …” e, mais à frente, já na parte relativa à Justiça, escrevi: “Com António Costa, a táctica sobrepõe-se sempre à estratégia”, declarando agora que tal afirmação foi produzida a pensar não apenas no caso concreto da Senhora Procuradora-Geral da República, mas também numa outra instituição fundamental para o país e de que os órgãos de comunicação e alguns livros recentemente publicados se têm ocupado não pelas melhores razões. Refiro-me à Caixa Geral de Depósitos e à nomeação do actual Conselho de Administração, especialmente à nomeação do actual Presidente da Comissão Executiva.

António Costa, no seguimento do penoso projecto que envolveu a nomeação do Dr. António Domingues —o qual, em 4 meses ao serviço da instituição, recebeu mais de 120 mil euros, é bom não esquecer!—, estava a ser atacado pela oposição PSD/CDS, tendo-os praticamente calado com o «golpe» da nomeação do Dr. Paulo Macedo, ministro do governo anterior, ou seja, mais uma acção do mestre em táctica que é o meu camarada António Costa, habilidade esta que não posso deixar de registar. É também possuidor de boas qualidades o nosso primeiro-ministro, mas este seu tacticismo irrita-me.

Ao fazer tal nomeação não cuidou de saber se era o Dr. Paulo Macedo a pessoa certa para presidir à Comissão Executiva (CE) da CGD e, na modesta opinião de quem como eu ali trabalhou, não era. Claro, não ponho em causa a competência técnica do nomeado.

Hoje, naquela centenária instituição, vive-se num clima de cortar à faca, por ausência de confiança e pelo medo instalado no seio dos trabalhadores. São as pressões sobre os quadros directivos e sobre os administrativos para optarem pela aposentação, parecendo haver o cuidado de acabar de vez com aquilo que, na gíria do banco público, se chama a cultura CGD, tentativa esta que já vem de anos atrás, cultura essa que deu milhões à instituição e, consequentemente, aos cofres do Estado. Depois, substituem-se os quadros que vão saindo por pessoas que ninguém conhece, tirando um ou dois exemplos que a imprensa referiu, e de quem não se espera qualquer valor acrescentado para a CGD. Oxalá me engane, para bem do banco público! Sei de um caso em que a pessoa recusou a passagem à aposentação ou à situação de “a aguardar aposentação” e o resultado foi a Direcção de Pessoal —quase desconhecida dos trabalhadores e nada prestigiada, identificada apenas como caixa de ressonância da Administração— a informar de que deveria manter-se em casa à espera de colocação, retirando-lhe o subsídio de almoço. Não está ferida de ilegalidade tal «solução»?

São as exigências da Comissão Europeia na diminuição do número de empregados, dizem, a qual parece ter as costas largas neste e noutros casos. É a democracia que temos. Mas Portugal não é um Estado autónomo?

Mesmo nos tempos recentes, o dos escandalosos prejuízos do banco, o trabalho desenvolvido pelos empregados gerou sempre bons resultados para a instituição, sendo os prejuízos consequência de actos de gestão da Administração ou de alguns dos seus membros, apelando a quem tem dúvidas em relação ao que acabo de escrever que leia o recente livro de Helena Garrido, «Quem Meteu a Mão na Caixa – A História que Envergonha o País» (1).

Hoje, na CGD os seus trabalhadores sentem não ser respeitados, considerando-se tratados como números, baseando-me, para tal afirmação, no sentimento de muitos com quem tenho falado. A atestar esta situação estão as queixas apresentadas às autoridades competentes por um ou outro trabalhador por assédio moral, sendo de realçar a sua coragem. Também o recente conflito entre os representantes dos trabalhadores e a Comissão Executiva, que levou a uma greve, me parece prova clara do que digo aqui.

Os órgãos de comunicação têm dado notícias deste conflito, mas raramente com o rigor que se exige. Por exemplo, aquando da greve, surgiu a notícia na imprensa de que a Comissão Executiva, depois de pedida autorização a Bruxelas (assim manda a democracia que vivemos), iria distribuir um prémio aos trabalhadores tendo em conta os lucros obtidos, presumindo eu que se trata dos lucros conseguidos no exercício de 2017, de baixo montante e que, portanto, não poderá tal prémio ser muito elevado, notícia esta que poderá levar, neste período de conflito, os leitores desconhecedores da Lei Orgânica da CGD a pensar que, afinal, a Comissão Executiva é generosa, não se entendendo a posição dos trabalhadores, particularmente do seu sindicato mais representativo. A estes leitores lembro que, entre a legislação que preside à CGD, há a Lei de 26 de Setembro de 1909 e o Regulamento de 9 de Dezembro do mesmo ano que, para além de outras disposições, estabeleceram o regime de participação do pessoal nos lucros da Caixa, disposição esta que nenhuma das reformas que levaram o banco público ao que é hoje alterou, nem no tempo do Dr. Oliveira Salazar. Será que é agora intenção do Dr. Paulo Macedo aproveitar a negociação de novo Acordo de Empresa, que terá de acontecer após a denúncia que fez do que está em vigor, para também mexer nesta disposição? Provavelmente não, dado que a participação de lucros, sobretudo a partir de determinada data, passou a ser altamente choruda para os membros dos órgãos de gestão da CGD. Irá continuar a ser assim, agora que se anuncia o prémio para os trabalhadores?

Não estarão os senhores jornalistas interessados em aprofundar os critérios que terão presidido à distribuição dos prémios —ou a ausência deles, consubstanciada na opacidade das decisões, na ausência de regras ou na existência de regras lesivas dos critérios de uma sã gestão, como a consideração cega das faltas ao serviço, ainda que justificadas, para a não atribuição do prémio— e compará-los com os critérios que, provavelmente, presidirão aos prémios a atribuir aos senhores administradores ou a directores (felizmente poucos) que são os eternos subservientes ou “yes man” da Administração?

Provavelmente, encontrarão razões para falar da democracia que temos neste país à beira mar plantado, incluindo as regiões autónomas, estas rodeadas de mar por todos os lados.

A presidir ao CA está o Dr. Rui Vilar (não executivo), que já havia sido Presidente do mesmo órgão, como executivo, no anterior modelo de gestão que tão bons resultados deu à instituição ao longo da sua centenária existência, não entendendo, muitos daqueles que naquele período —Outubro de 1989 a Novembro de 1995— trabalharam na instituição, o que leva uma pessoa, que teve um saldo positivo na sua acção como representante máximo da CGD, a aceitar este papel de não executivo, podendo correr o risco de perder junto dos trabalhadores da CGD, no activo e já aposentados, todo o prestígio que granjeou no citado período, sendo considerado, até ao presente, o grande reformador da Caixa.

Numa entrevista ainda recente (2), o meu camarada António Costa, na sua qualidade de primeiro-ministro, em resposta à pergunta «Como convencer os jovens que emigraram a voltar?», diz: «Além de todos os incentivos que o Estado possa dar, é fundamental as empresas alterarem radicalmente as suas políticas salariais. Se não pagarem adequadamente o trabalho qualificado, é impossível recuperar esta geração. E a política salarial das empresas hoje não é aceitável. …»

Faz depois várias comparações entre salários de topo no Estado e o salário mínimo nacional (SMN) e os salários de topo de algumas empresas e o mesmo SMN. Curiosamente, ao considerar como salário topo do Estado o do Presidente da República (PR), não está a considerar a CGD como sendo Estado, mas seria interessante que dissesse quantas vezes é o salário do actual Presidente da Comissão Executiva (CE) superior ao SMN ou mesmo ao salário do PR, o qual, pelas minhas contas, não deverá ser menos do que o dobro do salário do antigo Presidente da CE da CGD, Dr. José de Matos, que nunca teve as condições de que desfruta o actual.

Não seria interessante que o primeiro-ministro desse o exemplo começando pelos salários de topo das empresas públicas sem excepção, a começar pela CGD?

É assim que deve funcionar uma grande instituição numa democracia que não seja meramente formal?

 

II

 

Passemos a outro conflito que perturba a Caixa Geral de Depósitos.

Dos vários diplomas que levaram a ajustamentos na estrutura da CGD, destaco o Dec-Lei n.º 46305, de 27 de Abril de 1965, que instituiu o serviço de operações de compensação e criou, com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, os Serviços Sociais da Caixa. Esta estrutura —SSCGD— é uma pessoa colectiva reconhecida no artº 54º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969, mantido em vigor pelo nº 2 do artº 9º do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto.

Estes SSCGD são geridos por uma direcção eleita pelos seus sócios, os quais são todos trabalhadores da CGD sem excepção, no activo ou aposentados, e os membros da Administração, enquanto no exercício de funções neste órgão. Há uma única excepção à obrigatoriedade de ser sócio dos SSCGD que abrange um grupo de antigos empregados do Banco Nacional Ultramarino, grupo esse que, na altura da integração na CGD, conseguiu legislação que lhe permitiu manter-se apenas nos SAMS. Posteriormente, houve elementos deste grupo que tentaram tornar-se sócios dos SSCGD, o que essa legislação não permite.

Em determinado momento, tive a percepção de que a actual Direcção não estava a ter a gestão adequada e entrei numa troca de «e-mails» com o seu Presidente, que me foi respondendo. Naturalmente, não obtive o seu acordo, acabando a troca de correspondência «online» com cada qual a manter a sua opinião.

Desta troca de «e-mails» foi sempre dado conhecimento ao Dr. Rui Vilar, então representante máximo da CGD no período que mediou entre a saída do Dr. António Domingues e a entrada do Dr. Paulo Macedo. Após este ter tomado posse como Presidente da CE, enviei-lhe um «e-mail» (2017-03-16), a que anexei os «e-mails» que tinha escrito ao Presidente da Direcção dos SSCGD, informando-o de que as respostas que tinha obtido eram do conhecimento do Dr. Rui Vilar, dado que o meu interlocutor delas lhe tinha dado conhecimento quando me respondeu, dizendo eu ainda ao Dr. Paulo de Macedo que, ao abrigo dos artºs 56º e 57º do Decreto-Lei n.º 48953, mantidos em vigor pelo artº 9º do Decreto-Lei nº 287/93, já atrás neste texto citados, me parecia ser chegado o momento de outro tipo de intervenção, ou seja, era (é) meu entendimento que, ao abrigo desta legislação, a Administração da CGD tem todo o poder de intervenção, sobretudo quando algo vai mal nos SSCGD.

A Administração da CGD não me parece que tenha feito seja o que for para prevenir o que na altura —e ao que me dizem também agora—, me parecia ir mal na gestão dos SSCGD, mas aqueles senhores responsáveis dos órgãos de topo da CGD poderiam ter-me respondido dizendo que para eles tudo estava bem com os SSCGD e que eu estava a delirar, o que não fizeram.

Entretanto, os sócios dos SSCGD começaram a sentir no bolso a má gestão da actual Direcção, começando a gerar-se um movimento não organizado de contestação aos órgãos sociais dos SSCGD, correndo mesmo um abaixo-assinado a recolher assinaturas para convocação de uma Assembleia-Geral, visando a sua destituição, facto nunca antes visto na vida da CGD, e que parece constituir um verdadeiro grito de revolta contra a negação da defesa dos interesses e valores dos SSCGD levada a cabo por tal direção.

Mais grave ainda, começaram a correr na CGD cartas anónimas —li duas—, relatando actos de gestão da actual Direcção dos SSCGD que justificariam que se apurasse se tais acusações correspondem à verdade, o que poderia ser mandado fazer pela Administração da CGD, nomeadamente pela Comissão Executiva. Não se fazendo tal diligência, corre-se o risco de os órgãos sociais dos SSCGD estarem a ser injustamente difamados ou o seu contrário. Uma coisa são erros de gestão, outra coisa são actos como os referidos nas cartas anónimas, os quais poderão mesmo originar a intervenção do Ministério Público, a que eu, que trabalhei quase 43 anos naquela instituição e que dela me aposentei na categoria e função de Director, não gostaria de assistir.

III

 

E o Governo, dito de esquerda, que faz? Refugia-se, provavelmente, no compromisso de não ingerência na gestão do banco público, o que é o mesmo que misturar o dito cujo com as calças?

E os partidos que apoiam o Governo, BE e PCP especialmente, sempre afirmando que aquilo que os move é a defesa dos trabalhadores e do país, continuam a ignorar o que se passa na instituição financeira mais importante do país?

Termino com uma última questão: É esta a forma de uma instituição fundamental para o país desempenhar as suas importantes funções numa democracia plena?

Portela (de Sacavém), 2018-09-29

 

NOTAS

1) Edição da Editora Contraponto, Lisboa, 1.ª edição Maio de 2018, reimpressa em Junho de 2018. Há outras obras que poderão ser lidas, mas esta é bastante esclarecedora e de fácil leitura;

2) Semanário Expresso n.º 2389, de 2018/08/11;

7 Comments

  1. Obrigado pelo texto. Vivemos uma época de grandes mudanças assistidas, muitas das vezes, pela total hipocrisia, incompetência e impunidade de muitos dos seus actores

  2. O tal Macedo subiu na carreira de bancário mercê – afirmação do seu patrão – da sua “total ausência de sensibilidade social”. Tudo quanto de mal possa assacar-se-lhe será, sempre, pouco.CLV

  3. Caro Luís Botelho
    Os meus pais ensinaram-me a responder quando nos escrevem; eu escrevi aos Srs. Presidentes do Conselho de Administração, Dr. Rui Vilar, e da Comissão Executiva, Dr. Paulo Macedo, que ficaram em silêncio e nada fizeram. Por que razão deveria eu agora tê-los em consideração? Tivemos educações diferentes…
    Abraço
    António

    PS – Desculpa a demora na resposta.

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