CARTA DE BRAGA – “de Dostoievski e com Diógenes” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

Já lá vão alguns dias, mas uma frase que apontei, continua a dar-me volta à cabeça – ‘caçar um rinoceronte preto em perigo de extinção custa 150.000 dólares, o ventre de uma mulher indiana, 6.250 e lançar uma tonelada de C02 para a atmosfera, apenas 13 euros

A frase consta do livro ‘O que o dinheiro não pode comprar’ de filósofo americano Michael Sandel, professor em Harvard e último prémio Princesa das Astúrias em Ciências Sociais.

Mas são ali apontados mais exemplos como, ‘alugar uma parte do corpo para exibir publicidade comercial, 777 dólares; comprar o seguro de vida de uma pessoa doente ou idosa, pagar os prémios devidos enquanto estiver viva, para receber o valor da apólice quando ela morrer, transformou-se numa indústria que movimenta 30.000 milhões de dólares

Pode verificar-se nestes poucos exemplos, como o negócio da compra a venda já não se aplica só a bem materiais, chega mesmo a outras áreas, mais do domínio do espírito e das emoções.

Basta ver como se aceita, quase sem contestação, a entrega à utilização mercantil, de instituições das áreas da educação, saúde, segurança pública e mesmo nacionais, meio ambiente e outras, coisa que ninguém se atreveria a imaginar há umas poucas dezenas de anos atrás.

O grande problema desta distribuição é o da desigualdade criada a todos os níveis, decorrente na verdade (todos os dias vemos, ouvimos ou lemos notícias que o atestam) daquele perverso e amoral propósito dos mercados – o lucro puro e duro.

E até só por isso se pode compreender a notícia que, também há poucos dias, teve lugar de destaque nos media, ‘um pendente de diamantes com uma pérola natural do século XVIII usado por Maria Antonieta, vendido pelo valor recorde de 32 milhões de euros, pela casa de leilões Sotheby’s

Não tenho qualquer dúvida em considerar os mercados eficientes no incentivo e na organização de produção de bens e mesmo na melhoria de serviços, mas a questão, a ver pelo que apontei e para a qual não tenho respostas, apenas incertezas e insegurança, é a de tentar saber qual a importância dos mercados, na determinação e futuro das relações interpessoais e intersociais.

Incertezas e insegurança por me lembrar muitas vezes da afirmação que retirei das ‘Recordações da casa dos mortos’ do sempiterno Dostoievski, ‘Quando é preciso, afogamos até o nosso senso moral, a liberdade, a tranquilidade, a consciência, até tudo, tudo vendemos por qualquer preço!

Uma possível resposta talvez esteja nesta estória que se conta do corifeu do cinismo, Diógenes, ao ouvir Platão qualificar o homem como um bípede implume.

Diógenes depenou um frango, soltou-o em plena Academia dizendo ‘aí têm o homem de Platão!’ pois a melhor maneira de responder a um argumento de Platão, nunca seria um discurso profundo e convincente. Bastou um frango sem penas!

O cinismo como alternativa? A quê e a quem? Aos mercados?

 

António M. Oliveira

 Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

2 Comments

  1. Compreendo a necessidade das suas três últimas interrogações mas, pelo certo, terá uma outra forma – contundente, digo eu – para encerrar este seu texto. CLV

    1. Propositadamente, só deixei as três interrogações.
      Pretendi com isso levar as pessoas a pensar, pois uma obra tem sempre
      dois autores pelo menos, o que a faz e o que a ouve, ou vê ou lê!
      Não sou mágico nem fazedor de milagres, sou só o escrevinhador e não
      tenho soluções para as questões que apresento, limito-mo apenas a
      mostrar o que me vai preocupando.
      Esta poderá ser a resposta para o professor Carlos Leça da Veiga que,
      vejo com muito gosto, ser frequentador habitual dos meus textos!
      Obrigado a ti pelo envio e a ele pelo assertivo do comentário

      António

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