A minha neta e a crise no Serviço Nacional de Saúde. Ainda algumas reflexões mais sobre a democracia, em Portugal e na União Europeia – Anexo 4 : A política económica e o custo de nada fazer – Parte D: Perito da ONU para as questões da pobreza, Professor Philip Alston, diz que as políticas do Reino Unido causaram uma miséria desnecessária

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Anexo 4 : A política económica e o custo de nada fazer – Parte D: Perito da ONU para as questões da pobreza, Professor Philip Alston, diz que as políticas do Reino Unido causaram uma miséria desnecessária

Texto composto a partir de:

  1. UN poverty expert says UK policies inflict unnecessary misery
  2.  Excertos de Statement on Visit to the United Kingdom, by Professor Philip Alston, United Nations Special Rapporteur on extreme poverty and human rights.

 

Londres (16 de novembro de 2018) – As políticas do governo do Reino Unido e os cortes drásticos nos apoios sociais estão a criar e de forma duradoura altos níveis de pobreza e a gerar uma miséria desnecessária num dos países mais ricos do mundo, disse hoje um dos peritos em direitos humanos da ONU.

“A saída iminente do Reino Unido da União Europeia coloca riscos particulares para as pessoas em situação de pobreza, mas o governo parece estar a considerar a situação como um problema a resolver depois”, disse Philip Alston, relator especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, no final de uma visita de 12 dias ao país.

Quase todos os estudos têm mostrado que a economia do Reino Unido ficará em pior situação após o Brexit. As consequências sobre a inflação, os salários reais e os preços ao consumidor conduzirão mais pessoas à pobreza, a menos que o governo tome medidas para proteger os mais vulneráveis e substitua o atual financiamento da UE para combater a pobreza, afirmou.

No Reino Unido, 14 milhões de pessoas, um quinto da população, vivem na pobreza. 4 milhões destas pessoas estão em mais de 50 por cento abaixo da linha da pobreza, e 1,5 milhões são indigentes, não têm meios para poderem pagar bens e serviços básicos. Após anos de progresso, a pobreza está a aumentar outra vez, sendo estimado que a pobreza infantil irá aumentar 7 por cento entre 2015 e 2022, os sem-abrigo aumentaram mais de 60 por cento desde 2010, e os bancos alimentares multiplicaram-se rapidamente. “No quinto país mais rico do mundo, isto não é apenas uma desgraça, mas sim uma calamidade social e um desastre económico, no seu conjunto”, disse Alston.

“Durante a minha visita falei com pessoas que dependem de bancos alimentares e de instituições de caridade para a sua próxima refeição, que estão a dormir em sofás na casa de amigos porque não têm abrigo e não têm um lugar seguro para os seus filhos dormirem, que venderam sexo por necessidade de dinheiro ou de abrigo, crianças que estão a crescer na pobreza em situação de pobreza e sem nenhuma segurança quanto ao seu futuro”, disse Alston. “Também conheci jovens que sentem que os gangues são a única maneira de sair da miséria, e pessoas com incapacidades que estão a ser informadas de que precisam de voltar a trabalhar ou, caso contrário, perdem os seus subsídios, e isto contra as ordens dos seus médicos”, disse Alston.

Sucessivos governos têm presidido ao desmantelamento sistemático da rede de Segurança Social no Reino Unido. A introdução do crédito universal e reduções significativas no montante e na elegibilidade quanto a diversos mecanismos importantes de apoio económico e social têm minado a capacidade dos benefícios aliviarem a pressão da pobreza. “A compaixão britânica por aqueles que sofrem foi substituída por uma abordagem punitiva, mesquinha e, muitas vezes, empedernida”, disse Alston.

“Como um subsídio “digital por omissão”, o programa Crédito Universal estabeleceu uma barreira online entre as pessoas com pobre literacia digital e os seus direitos legais”, disse Alston. “E a generalização da abordagem “teste e aprenda” trata os requerentes de apoios como cobaias e pode de facto causar estragos na vida das pessoas.”

As administrações locais na Inglaterra têm vindo a sofrer uma redução de 49 por cento em termos reais no financiamento do governo desde 2010, com centenas de bibliotecas, de centros comunitários e de centros de juventude a serem fechadas e os outros que ficam abertos a serem subfinanciados e com espaços públicos e edifícios, incluindo parques e centros recreativos, a serem vendidos ao desbarato.

“Falaram-me repetidas vezes da redução de serviços públicos importantes, da perda de instituições que anteriormente teriam protegido pessoas vulneráveis, de serviços de cuidados de saúde em situação de rutura, e com Administrações locais e administrações descentralizadas esticadas ao máximo dada a escassez de meios “, disse Alston. “O setor de voluntariado tem feito um trabalho admirável no desempenho dessas funções governamentais, mas este trabalho não isenta o governo das suas obrigações.”

“O governo permaneceu num estado de negação, e os ministros insistiram que tudo está a correr bem e de acordo com o planeado.,” disse Alston. “Apesar de ter havido alguns relutantes retoques à política de base, tem havido uma firme resistência à mudança em resposta aos muitos problemas que tantas pessoas e a todos os níveis me chamaram à atenção.”

Durante a sua visita, o relator especial viajou por nove cidades na Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales, e reuniu-se com pessoas afetadas pela pobreza, sociedade civil, trabalhadores da linha de frente e com representantes dos diversos partidos políticos dos governos locais, descentralizadas e do Reino Unido.

“As políticas governamentais têm infligido desnecessariamente uma grande miséria, especialmente sobre os trabalhadores pobres, sobre as mães solteiras que lutam contra ventos e marés, sobre as pessoas com incapacidades que já estão marginalizadas e sobre milhões de crianças que estão encerradas num ciclo de pobreza do qual muitos terão grande dificuldade em escapar “, disse Alston.

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Excertos de “Declaração sobre a visita ao Reino Unido, do Professor Philip Alston, relator especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos”

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Crédito Universal

Não há nenhum programa que integre melhor a combinação de subsídios e a promoção de programas de austeridade do que o Crédito Universal. Embora na sua conceção inicial represente uma grande melhoria no sistema, caiu rapidamente no que pode ser chamado de Descrédito Universal.

O apoio social devia ser um caminho para se sair da pobreza e o programa Crédito Universal devia fazer parte central desse processo. Consolidar seis subsídios diferentes num só faz sentido, em princípio. Mas numerosos aspetos da sua conceção e aplicação sugerem que o Ministério do Trabalho e Pensões (DWP) está mais preocupado em fazer poupanças económicas e enviar mensagens sobre estilos de vida do que responder às múltiplas necessidades das pessoas que vivem com incapacidades, perda de emprego, insegurança habitacional, doença e com as exigências de família monoparental. Embora alguns inquéritos sugiram que certos requerentes têm experiências positivas com o crédito universal, um corpo crescente de estudos deixa claro que existem demasiados casos em que o crédito universal está a ser aplicado de formas que têm um impacto negativo sobre a saúde mental, as finanças e as perspetivas de trabalho de muitos requerentes.

Além de toda a publicidade negativa sobre o crédito universal nos meios de comunicação do Reino Unido e entre os políticos de todas os partidos, ouvi inúmeras histórias de pessoas que me contaram sobre as duras dificuldades que sofreram com o crédito universal. Quando questionados sobre estas dificuldades, os ministros do governo desdenharam quase totalmente as questões postas, acusando os adversários políticos de estarem a querer sabotar o seu trabalho, ou sugerindo que na verdade eram os media a não entenderem nada do sistema e que o crédito Universal estava a ser injustamente culpado por problemas que vinham do antigo sistema de benefícios.

O sistema de crédito universal está projetado com um intervalo de cinco semanas entre o momento em que as pessoas preenchem com sucesso o pedido de elegibilidade e o momento em que recebem os subsídios. Os estudos feitos sugerem que este “período de espera”, que na verdade muitas vezes chega a ser de 12 semanas, empurra muitos que podem estar já em crise a ficarem endividados, a terem rendas em atraso e outras sérias dificuldades, obrigando-os a abdicarem de comida ou de aquecimento. Dado o atraso, que só será parcialmente mitigado por uma concessão recente, não é nenhuma surpresa que a maioria dos requerentes procurem “adiantamentos”, que por sua vez devem ser reembolsados ao Ministério do Trabalho e das Pensões (DWP) num tempo relativamente curto. Adicionalmente, as dívidas ao DWP e a terceiros podem ser deduzidas dos já escassos pagamentos de crédito universal e a uma taxa muito mais elevada do que era o caso com o antigo sistema de subsídios. Embora supostamente as deduções sejam limitadas a uma taxa máxima de 40% do montante de subsídio de referência pago (que vai mudar para 30% daqui a um ano), o governo diz-me que, de facto, podem ocorrer recuperações adicionais. Estas recuperações chamadas “deduções de último recurso” são para matérias tais como o aluguer, o gás, e os atrasos na conta da eletricidade, se isso for considerado ser no melhor interesse de um beneficiário ou do seu agregado familiar.

As razões invocadas para o atraso são inteiramente ilusórias, e a motivação parece-me ser uma combinação de economia de custos, de reforçar os fluxos de caixa e de querer deixar claro que estar a receber subsídios deve envolver dificuldades. Em vez disso, os destinatários são imediatamente envolvidos em mais dívidas e, inevitavelmente, lutam fortemente para sobreviver.

Há, sem dúvida, muitas pessoas que têm beneficiado do sistema de crédito universal, e muitos dos funcionários do Centro de Desemprego desempenham papéis importantes no apoio e incentivo aos utilizadores dos seus serviços. Mas muitos requerentes também sentem que são forçados a ficar de pés e mãos atadas por causa deste sistema, a terem de preencher pedidos de empregos inúteis e para posições que não correspondem às suas qualificações, e terem que aceitar um emprego temporário mal remunerado, simplesmente para evitar sanções debilitantes. Um membro do Parlamento do Partido Conservador com quem falei criticou o DWP por adotar um estilo de comando e de controlo militar em vez de procurar aumentar o nível de autoestima dos seus requerentes e de lhes incutir confiança.

A característica digital-por omissão do crédito universal é altamente controversa e uma avaliação detalhada deste aspeto é explicada mais abaixo.

Quando os requerentes contestam as avaliações que consideram estar erradas, há um claro sentido de que o anónimo Orwelliano chamado “tomador de decisão” raramente muda a posição que foi contestada. De forma similar, muitos observadores consideram que o requisito de que antes de recorrer de uma avaliação considerada deficiente a um tribunal deve haver uma fase de reconsideração obrigatória, é pouco mais do que uma tática dilatória.

Uma das principais características do crédito universal envolve a imposição de sanções draconianas, mesmo para as infrações que possam ser consideradas insignificantes. Inúmeros casos anedóticos foram apresentados ao relator especial para ilustrar a natureza dura e arbitrária de algumas das sanções, bem como os efeitos devastadores que resultaram de serem completamente excluídos do sistema de subsídios por períodos que vão de semanas a meses. À medida que o sistema vai crescendo e envelhecendo algumas penalizações em breve serão medidas à escala de anos.

Estatísticas recentes indicam flutuações dramáticas nas sanções, talvez refletindo diferentes instruções vindas de cima. Para as pessoas desempregadas, entre 6% e 8% sofrem sanções e 31% das sanções foram por um período superior a três meses, e um em cada oito foram de mais de seis meses. Um livro recente caracterizou as sanções como sendo cruéis, desumanas e degradantes, e o inquérito levado a cabo pelo Comité das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com incapacidades encontrou “provas de violação grave e sistemática dos direitos das pessoas com incapacidades”, em parte com base no regime de sanções.

Muitos estudos hoje mostram-nos detalhadamente quais são as duras consequências que se verificam no caso dos requerentes vulneráveis que são sancionados. No entanto, há uma clara insistência dos departamentos e do Ministério, de que não há nenhuma evidência clara que as recentes altas taxas de emprego no Reino Unido sejam devidas às sanções, ou que as sanções contundentes e duras são superiores às que resultariam da aplicação de métodos muito menos prejudiciais para incentivar o cumprimento da condicionalidade. Na verdade, as reais lacunas dos dados fornecidos pelo DWP sobre as sanções torna difícil a avaliação do novo sistema. O DWP não torna públicos os dados sobre as penalizações ventiladas segundo a raça ou a origem étnica, e ainda menos sobre outros estatutos dos requerentes tais como famílias monoparentais ou de pessoas que se ocupam das crianças. Também é impossível determinar a partir dos dados o número de sanções que um indivíduo recebeu, por isso não é claro se a duração das sanções é devido a sanções consecutivas ou se se trata de uma só sanção mas de maior duração. O que é claro daqueles com quem o relator especial falou, é que as sanções sucedem-se incutindo medo e ódio ao sistema em muitos dos requerentes.

O governo diz que está a seguir uma abordagem experimental “teste e aprenda” para o crédito universal, mas parece haver um risco não reconhecido de que esta abordagem poderá estar a tratar pessoas vulneráveis como cobaias e a provocar estragos na vida real das pessoas. “Teste e aprenda” não pode ser uma desculpa já de uma década para não se projetar corretamente um sistema que se destine a garantir a segurança social de tantos, e isso não remedeia sequer os danos provocados àqueles que ficaram atolados no endividamento ou que ficaram sem casa ou que foram colocados na dependência dos bancos alimentares até que os melhoramentos produzam efeito nas suas vidas.

Enquanto eu falava com as autoridades locais e o sector voluntário sobre os seus preparativos para o futuro relançamento do crédito universal, fiquei impressionado com o quanto a sua mobilização se assemelhava ao tipo de atividade que se poderia esperar para um desastre natural ou de uma epidemia sanitária eminentes. Eles têm gasto muitíssimo dinheiro e energia para proteger as pessoas do que é suposto ser um sistema de apoio. A Escócia insistiu repetidamente com o governo para suspender a implantação do Crédito Universal e introduzir certas flexibilidades para os requerentes, tais como a possibilidade de receber pagamentos com mais frequência. Esta é uma queixa constante, e embora alguns beneficiários estejam satisfeitos com os pagamentos mensais, um grande número deles sofre como resultado deste sistema  e pode acabar por ir visitar o banco alimentar ou a ter que renunciar ao aquecimento apenas para fazer esticar uma quantidade muito pequena de dinheiro para que com ela se chegue ao fim-do-mês. Embora o custo tenha sido citado pelo DWP como uma justificação para ser inflexível e não reagir às pretensões dos requerentes, já foram gastas grandes somas de dinheiro na automatização do sistema e não tenho conhecimento de qualquer estimativa precisa do cálculo de custos para justificar a resistência à implementação desta reforma.

(…)

O emprego como a panaceia para a pobreza

O governo diz que o trabalho é a solução para a pobreza e aponta para tal o registo elevado das taxas de emprego como prova de que o país está a caminhar na direção certa. Mas estar empregado não faz magicamente ultrapassar a pobreza. A pobreza no trabalho é cada vez mais comum e quase 60% dos que estão na pobreza no Reino Unido vivem em famílias onde alguém trabalha. Há 2,8 milhões pessoas a viverem na situação de pobreza em famílias onde todos os adultos trabalham em tempo integral. Famílias com dois familiares a trabalhar em tempo integral com o salário mínimo nacional vivem ainda com 11% de rendimento a menos do que o que é necessário para criar uma criança. Uma pessoa disse-me mesmo: “Eu conheço pessoas que estão a trabalhar em cinco empregos para ganhar o salário mínimo nacional, que não é um salário decente.”

Baixos salários, empregos inseguros e contratos de zero horas significam que apesar do registo recorde de desemprego existem ainda 14 milhões de pessoas a viverem na pobreza. Os ministros do governo referem que apenas 3% da força de trabalho tem contratos de zero horas, sem benefícios ou proteção. Mas isso equivale a quase 1 milhão de trabalhadores e um grande número deles estará entre os membros mais vulneráveis da sociedade. E a Equalities and Human Rights Commission verificou que 10% dos trabalhadores com mais de 16 anos estão em emprego precário. Os empregos nem sequer são uma garantia contra a necessidade de as pessoas irem aos bancos alimentares. O Trussell Trust disse-me que uma em cada seis pessoas referidas nos seus bancos alimentares está a trabalhar. Um pároco disse-me: “a maioria das pessoas que vêm ao nosso banco alimentar estão a trabalhar…. Enfermeiros e professores estão também a vir ao nosso banco alimentar.”

 

O Golpe mais duro

Os custos da austeridade incidiram desproporcionadamente sobre os pobres, as mulheres, as minorias raciais e étnicas, as crianças, as famílias monoparentais e as pessoas com incapacidades. As mudanças de impostos e subsídios desde 2010 foram fortemente regressivas e a política de austeridade fez o seu maior número de vítimas naqueles que estão em piores condições para a suportar. O governo diz que o trabalho árduo de todos compensou, mas de acordo com a Equalities and Human Rights Commission, enquanto os 20% das famílias de menos rendimentos terão perdido em média 10% do seu rendimento até 2021/22 como resultado dessas mudanças, os rendimentos de topo continuarão a melhorar a sua posição. De acordo com um estudo feito em 2017 pelo Runnymede Trust and Women’s Budget Group, como resultado de mudanças de impostos, subsídios e despesa pública de 2010 a 2020, as famílias negras e asiáticas situadas no grupo dos 20% de menores rendimentos sofrerão a redução média mais importante nos seus padrões de vida, caindo cerca de 20%.

  • Mulheres

As mulheres são particularmente afetadas pela pobreza. As reduções nos serviços de assistência social traduzem-se num aumento da carga dos principais prestadores de cuidados que são desproporcionadamente mulheres. No quadro do programa Crédito Universal, os pagamentos únicos a um agregado familiar inteiro podem enraizar e aprofundar uma dinâmica problemática e frequentemente de género no seio de um casal, em particular pelo facto de se dar o controlo dos pagamentos a um só dos parceiros financeira ou fisicamente abusador. As mudanças no apoio às famílias monoparentais também afetam desproporcionadamente as mulheres, que compõem cerca de 90% das famílias monoparentais e, em Agosto deste ano, dois terços dos beneficiários do programa Crédito Universal cujos subsídios estavam condicionados a um valor limite eram chefes de família monoparentais. Os pensionistas celibatários são também eles que contribuem para o aumento na pobreza dos pensionistas, e é significativamente mais provável que a maioria sejam mulheres.

  • Crianças

Muitas das recentes alterações ao apoio social no Reino Unido têm efeitos díspares sobre as crianças, nomeadamente a política profundamente problemática de dois filhos, a exceção escandalosa de estupro e o limite para as prestações sociais. A Equality and Human Rights Commission (Comissão de igualdade e direitos humanos) prevê que mais de 1,5 milhões de crianças irão cair na pobreza entre 2010 e 2021/22, como resultado das mudanças nos subsídios e impostos, o que significa um aumento de 10%, de 31% para 41%.

As sanções contra os pais podem ter consequências inesperadas sobre os seus filhos. De acordo com a Social Metrics Commission, quase um terço das crianças no Reino Unido vivem em situação de pobreza. Depois de anos de progresso, a pobreza infantil está novamente a subir, e estima-se que continue a aumentar de forma acentuada nos próximos anos. De acordo com Child Poverty Action Group (o Grupo de Ação para a Pobreza Infantil) o subsídio para as crianças perderá cerca de 23% do seu valor real entre 2010 e até 2020, devido à atualização subinflacionada e ao congelamento atual. E os empregos mal pagos, assim como a estagnação salarial, têm um efeito direto sobre as crianças, com as famílias onde dois adultos ganham o salário mínimo ainda a ficarem muito aquém do rendimento adequado necessário para criar uma criança. Devido às mudanças nos subsídios e impostos, a Equality and Human Rights Commission estima que a taxa de pobreza para as crianças a viverem em lares de famílias monoparentais saltará até 2022 para um chocante valor de 62%.

  • Pessoas com incapacidades

Quase metade dos que estão na pobreza, 6,9 milhões de pessoas, são de famílias em que alguém tem uma incapacidade. As pessoas com incapacidade têm mais probabilidade de estar em situação de pobreza, de estarem desempregados, de terem um emprego precário ou de estarem economicamente inativas. Eles também foram alguns dos mais duramente atingidos pelas medidas de austeridade. Em consequência das mudanças na política de subsídios e dos impostos desde 2010, estima-se que algumas famílias com incapacidades irão perder até 2021/22 cerca de 11.000 libras em média, ou seja mais de 30% do seu rendimento anual. As pessoas com incapacidades com quem falei disseram-me repetidas vezes que as avaliações sobre subsídios eram superficiais e de desdém para com os requerentes, e que levaram a conclusões que contradizem os conselhos clínicos.

  • Pensionistas

Apesar das proteções oferecidas pela fechadura tripla, a pobreza dos pensionistas começou a subir após décadas de declínio. Entre 2012/13 e 2016/17, o número de pensionistas que vivem na pobreza cresceu de 300.000. Ficou bem claro para mim através de uma série de observações e também através de poderosos testemunhos pessoais, que um grupo de mulheres nascidas na década de 1950 foi particularmente atingido por uma mudança abrupta e mal faseada quanto à idade na idade de passagem à reforma na função pública que passou dos 60 para 66 anos. O impacto das mudanças na idade de aposentação age fortemente como severa penalização para aqueles que estavam à beira da passagem à reforma e que tinham expectativas bem fundamentadas de passarem à fase seguinte das suas vidas, em vez de serem mergulhadas na força de trabalho ativa para a qual muitos deles estavam mal preparados e para a qual não se poderia razoavelmente esperar que se ajustassem sem qualquer formação prévia.

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Conclusão

A experiência do Reino Unido, especialmente desde 2010, sublinha a conclusão de que a pobreza é uma escolha política. A austeridade poderia facilmente ter poupado os pobres, se tivesse existido a vontade política para o fazer. Havia recursos disponíveis para o Tesouro no último orçamento que poderia ter transformado a situação de milhões de pessoas que vivem na pobreza, mas a escolha política foi feita para, em vez disso, passar a financiar cortes de impostos para os ricos.

Foi um filósofo britânico, Thomas Hobbes, que memoravelmente escreveu que, sem um contrato social, a vida fora da sociedade seria “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta.” O risco é que, se as políticas atuais não mudarem, esta é a direção para que se está a levar os assalariados de baixos rendimentos e as pessoas pobres. As taxas de isolamento e de abandono dispararam nos últimos anos e as taxas de expectativa de vida estagnaram no Reino Unido, com as últimas estatísticas a mostrarem uma queda acentuada na melhoria anual que se tem verificado desde que começou a haver registos relativamente a estas situações e uma queda efetiva para determinados grupos.

A compaixão e a preocupação mútua que desde há muito faz parte da tradição britânica foram externalizadas. Ao mesmo tempo, muitos dos lugares públicos e instituições que anteriormente reuniam comunidades, como bibliotecas, centros comunitários e recreativos assim como parques públicos, têm sido constantemente desmantelados ou minados nas suas funções. Nas suas análises sobre o Orçamento, o Tesouro e o governo repetem constantemente o refrão de que a política orçamental deve “evitar sobrecarregar a próxima geração”. A mensagem é que o fardo da dívida deve ser pago agora. O problema é que as perspetivas da próxima geração já estão sendo gravemente prejudicadas pelo desmantelamento sistemático das políticas de proteção social aplicadas desde 2010.

As negociações em torno de Brexit apresentam uma oportunidade para fazer o ponto da situação atual e para re-imaginar o que este país deve representar e como é que protege a sua população. O reconhecimento legislativo dos direitos sociais deve ser uma parte central dessa re-imaginação. E a inclusão social, em vez de aumentar a marginalização dos trabalhadores pobres e das pessoas com incapacidade para o trabalho, deve ser o princípio orientador da política social.

O Reino Unido deve introduzir uma medida única da pobreza e da segurança alimentar.

O governo deve iniciar uma avaliação especializada do impacto acumulado das decisões fiscais e da despesa pública que foram tomadas desde  2010, e deve dar prioridade à reversão de medidas particularmente regressivas, incluindo nestas o congelamento de  subsídios, o limite de duas crianças com direito a subsídio, o teto para os subsídios e a redução do subsídio de habitação no caso das casas de renda social subocupadas.

O governo deve assegurar que as administrações regionais ou locais disponham dos fundos necessários para combater a pobreza a nível comunitário e que tenham em conta as necessidades e as bases fiscais em curso na análise de financiamento equitativo, dita Fair Funding Review.

O Ministério do Trabalho e das Pensões deve levar a cabo uma análise independente sobre a eficácia das reformas da condicionalidade da ajuda social e das sanções introduzidas desde 2012, e deve imediatamente dar instruções aos respetivos serviços para explorarem vias mais construtivas e menos punitivas para incentivar o respeito das reformas acima enumeradas.

O intervalo de cinco semanas para receber os subsídios via programa Crédito Universal deve ser eliminado, os pagamentos separados devem ser feitos aos diferentes membros do agregado familiar, e os pagamentos semanais ou quinzenais devem ser facilitados.

Os transportes, especialmente nas zonas rurais, devem ser considerados um serviço essencial, equivalente à água e à eletricidade, e o governo deve regulamentar o sector na medida do necessário para assegurar que as pessoas que vivem nas zonas rurais sejam adequadamente servidas. Deixar as pessoas abandonadas ao mercado privado em relação a um serviço que afeta todas as dimensões do seu bem-estar básico é incompatível com os requisitos de direitos humanos.

À medida que o país se move em direção ao Brexit, o governo deve adotar políticas destinadas a garantir que o fardo económico que daí resulta não seja suportado pelos seus cidadãos mais vulneráveis.

 

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