EDITORIAL – BREXIT OR NOT BREXIT – THAT’S NOT THE ONLY QUESTION – por João Machado

 

 

A saída do Reino Unido da União Europeia (não ficaria mal dizer “a saída da Inglaterra” da UE”) é obviamente uma questão importante. Entretanto, para muitas pessoas, talvez mesmo para a maioria das pessoas, o Brexit dever-se-á sobretudo a idiossincrasias e maneiras de ver o mundo próprias dos britânicos. Em parte é, sem dúvida, verdade. Mas é preciso olhar também para o outro lado, para a própria UE, e para a maneira como funciona.

Leiam por exemplo o que escreve Manuel Carvalho, no editorial do Público de quarta-feira passada, 16 de Janeiro: “Cumprir o espírito do “Brexit”, em que o instinto soberanista e vagamente nacionalista do isolacionismo britânico dominou…” (clicar no primeiro link abaixo). Será apenas um exemplo, mas não será difícil encontrar outros do mesmo teor, a diferentes níveis. O problema é que estas opiniões, que aqui procuramos resumir, não consideram o outro lado, a própria UE. Esquecem aspectos importantes, que Manuel Carvalho talvez não tenha tido em conta, quando diz “… e ao mesmo tempo evitar rupturas nos alicerces da relação que o Reino Unido construiu nas últimas cinco décadas com o Continente era por si só uma missão impossível…” como o de que o Reino Unido nunca integrou o Espaço Schengen nem a Zona Euro. Não é excessivo afirmar que a sua integração foi sempre com um pé atrás. Mas para compreender melhor esta situação tem de se analisar mais profundamente a história europeia e mundial dos últimos séculos.

A UE, e já antes dela a CEE, têm funcionado muito a partir de uma entente (este termo não é usado por acaso) franco-alemã, notória sobretudo a partir do Tratado de Roma, celebrado em 1957. No princípio, a CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, declarava ter objectivos sobretudo económicos. Mas todos os países que a integravam eram já membros da NATO, com a excepção da República Federal Alemã, que só integrou esta organização em 1955. E a verdade é que o conflito Leste-Oeste fez com que os países da Europa ocidental (desculpem, que integraram a UE – a Suíça manteve-se de fora) alinhassem no bloco ocidental, e na passada apoiassem a reunificação alemã. A introdução/adopção do euro talvez tenha sido pensada para ajudar ao fortalecimento da UE, mas as condições em que foi feita levou sim ao predomínio da Alemanha na organização (para lerem sobre este assunto cliquem no quarto e no quinto link abaixo).  Os Estados Unidos, absorvidos pelo seu papel de superpotência, que acha que tem de ser o polícia do mundo (não vamos neste momento aprofundar este aspecto), e que a Europa passou a ter um papel secundário, aceitaram o ressurgimento alemão. Mas Trump, com o seu modo grotesco, quando exprime desprezo e desconfiança pela UE, apenas exprime às claras aquilo que muitos americanos, incluindo responsáveis políticos, pensam em privado. Entretanto a oligarquia político-financeira apoia a UE, porque esta tem defendido os seus interesses, com alguns incidentes de percurso, que até servem para tapar os olhos aos povos (como as multas às multinacionais), e diz discordar do Brexit. A Alemanha até tem servido para ajudar a fazer frente à Rússia (só os acordos sobre o fornecimento de energia poderão estragar este cenário), e manter a Turquia fora da UE (a entrada, a verificar-se, alteraria grandemente a situação estratégica no próximo e médio oriente). Nestas circunstâncias, com o escudo antimíssil bem activado, exercícios da NATO no Báltico, etc., estará tudo bem para os oligarcas. Faltará só reforçar as contribuições dos países  europeus para a NATO, apertar mais na Ucrânia, mas tudo se fará a seu tempo, para contentar Trump e os seus amigos.

Com este cenário, porque é o espanto de o Reino Unido querer sair da EU? Toda a gente sabe (embora a maioria não o diga alto) que é uma construção que, na prática, tem servido sobretudo para dar força à Alemanha (melhor dito: ao governo, banco e classes dominantes alemãs), servir de tampão contra os russos, sustentar uns milhares de burocratas, e apregoar uns quantos valores, a que a própria UE não cumpre, sempre que os seus líderes acham mais conveniente? Será necessário recordar o tratamento desigual dos países membros (Juncker:“La France, c’est la France!, é apenas um exemplo), o que aconteceu aos gregos, quando quiseram ter melhores condições de adesão, o hipócrita tratamento da crise dos refugiados, os insultos aos países do sul por altos responsáveis da organização, o caso dos submarinos, o não reconhecimento do direito dos povos, como o catalão,  à independência, o contraste entre os encorajamentos à integração bancária, e a dificuldade (para não falar em incapacidade, ou mesmo em desinteresse) de implementar políticas sociais conjuntas, a precarização do trabalho, para se entender o descrédito em que caiu a UE, junto do cidadão comum?

Fala-se do recrudescimento dos nacionalismos, dos populismos, etc., mas a quem cabe a responsabilidade? Os partidos de esquerda tradicional deixaram-se levar na onda do bipartidarismo, do apaziguamento ideológico, do economicismo, da austeridade e do estado mínimo (este último com a excepção das funções repressivas), e tornaram-se iguais aos partidos da direita. A pobreza, o desemprego e o terrorismo espreitam a cada canto e parecem não ter fim. A sensação de falhanço é generalizada, e a UE, há algumas décadas encarada com grande esperança por muita gente, hoje em dia está desacreditada. O descrédito da política, a diabolização do estrangeiro, o recrudescimento da violência social são fenómenos que acompanham sempre as depressões, de braço dado com a crise política e económica, e estão a dominar a Europa e o resto do mundo. À cautela, nos tratados que regem aquela, foram sendo introduzidas cláusulas que dificultam extremamente a saída dos países membros. Claro, que esta será sempre muito mais difícil para os países com menos capacidade. O Reino Unido, embora não tenha o poderio e a preponderância de há um século, ainda é uma potência importante. E sabe que aos Estados Unidos não repugna um enfraquecimento da UE. Deriva daí o facto de muitos dos seus cidadãos acreditarem que podem enfrentar as iras de Bruxelas.

Os ingleses em 2016 votaram por sair. Os responsáveis pela UE querem mostrar o seu desagrado, para prevenirem outros “exits”. As razões dos ingleses ao tomarem a sua opção não terão sido as melhores, mesmo se olharmos exclusivamente para os seus interesses. Mas a actuação da UE, desde que foi criada, terá sido a principal determinante do Brexit, seja ele bom ou mau, conforme as análises. E reconhecendo isso, seria de pôr as grandes questões (serão mesmo as verdadeiras questões), a diferentes níveis. 1) Poderia a UE ter actuado de outra maneira, ao longo do seu historial? 2) As dúvidas a este respeito deverão levar a ir mais longe e fazer a pergunta: a existência da UE justifica-se? Este é o cerne do problema.

Estas questões dizem respeito a toda a Europa, incluindo os países que aderiram à UE e os restantes, e também ao resto do mundo.

Propomos que cliquem nos links abaixo e leiam os artigos respectivos:

https://www.publico.pt/2019/01/15/mundo/editorial/-god-save-uk-1858040

EDITORIAL – A EUROPA, DO ATLÂNTICO AOS URAIS

EDITORIAL – O TRATADO DE ROMA FAZ  HOJE SESSENTA ANOS

REQUIEM PARA UMA UNIÃO EUROPEIA JÁ MORIBUNDA. – REFLEXÕES EM TORNO DO BREXIT, DA UE E DA GLOBALIZAÇÃO – 18. O BREXIT NÃO ACABOU COM A UE. TENHAM CALMA, A ALEMANHA TRABALHA PARA ISSO, por LAURENT GAYARD.

SOBRE OS LEOPARDOS QUE QUEREM BEM SERVIR BRUXELAS – DA FRANÇA, FALEMOS ENTÃO DA POLÍTICA DE HOLLANDE. – NÃO À EUROPA ALEMÃ, ATÉ QUANDO ACEITAREMOS NÓS ESTAR A TRABALHAR PARA O REI DA PRÚSSIA – por RÉGIS DE CASTELNAU

Fundo Social Europeu “está refém” da falta de verbas do OE

O REGRESSO DO VILÃO ALEMÃO, por JOSCHKA FISCHER

2 Comments

  1. Tudo quanto desmascarar a UE é positivo. Este IV Reich, tal como o IIIº, felizmente está falido. A Inglaterra só entrou na UE para impedi-la de vingar e uma vez verificada a sua falência faz o que lhe compete, isto é, vira-lhe as costas. Portugal, um Estado marítimo, tal como a Inglaterra e a Noruega, têm interesses muito diferentes daqueles do Estados continentais e por isso nunca devem aliar-se aos continentais.CLV

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