Sobre o que foi o ano de 2018, sobre os perigos que nos ameaçam em 2019 – uma pequena série de textos. 10. O problema das interdependências dos mercados globais – Parte I

“Perfeito com um J maúsculo”, exclamou um analista entusiasta da Bloomberg Television. O Dow subiu 747 pontos nas transações de sexta-feira (mais do que apagou o apagão de 660 pontos de quinta-feira) graças a um excelente relatório sobre o nível de emprego nos USA e aos comentários tranquilizadores do Presidente do Fed “Jay” Powell.

O problema das interdependências dos mercados globais – Parte I

(Por Doug Nolan, in Credit Bubble Bulletin, 7 Janeiro 2019)

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“Perfeito com um J maúsculo”, exclamou um analista entusiasta da Bloomberg Television. O Dow subiu 747 pontos nas transações de sexta-feira (mais do que apagou o apagão de 660 pontos de quinta-feira) graças a um excelente relatório sobre o nível de emprego nos USA e aos comentários tranquilizadores do Presidente do Fed “Jay” Powell.

Em dezembro, o número de empregos não agrícolas aumentou de 312.000. Os mais fortes ganhos de emprego desde Fevereiro ultrapassaram de muito longe as estimativas (184 mil) e criação de emprego de Novembro (revista em alta em 21 mil para 176 mil). Os empregos na indústria manufatureira aumentaram 32.000 (o aumento de 3 meses foi de 88 mil), o maior aumento desde dezembro de 2017, que foi de 39.000. Os ganhos horários médios subiram 0,4% a mais do que o esperado para o mês (em alta desde agosto), levando as remunerações anuais a aumentarem 3,2%, perto da variação mais alta que remonta a abril de 2009

Apenas 90 minutos após a publicação dos  dados de empregos, o presidente Powell juntou‑se a Janet Yellen e Ben Bernanke para um painel de discussão numa reunião da Associação Americana de Economia em Atlanta. Não se esperava que os comentários de Powell fossem focados em políticas (a sua conferência de imprensa pós-FOMC tinha sido há apenas duas semanas antes). Mas o presidente do Fed retirou imediatamente um texto com alguns comentários preparados, talvez escritos sobre as 24 horas precedentes (da rápida deterioração das condições globais do mercado).

Presidente Powell: “Os mercados financeiros têm vindo a enviar sinais diferentes – sinais de preocupação com os riscos negativos, com a desaceleração do crescimento global, particularmente relacionado com a China, com as negociações comerciais em curso, com – vamos chamar – a incerteza política geral vinda de Washington, entre outros fatores. Deparamo-nos com essa diferença entre, por um lado, muitos dados e fiáveis e alguma tensão entre os mercados financeiros que estão a dar sinais de preocupação e de riscos de queda. E a questão é, dentro desse conjunto contrastante de fatores, como é que devemos pensar em termos de perspectivas e como devemos pensar sobre o futuro da política monetária. Quando recebemos sinais contraditórios, como não é raro acontecer, a política tem muito a ver com a gestão do risco. Em primeiro lugar, como sempre, não há um caminho pré-definido para a política. E particularmente, com as leituras de inflação silenciosas que temos visto chegar, seremos pacientes enquanto observamos como a economia evolui. Mas estamos sempre preparados para mudar a posição da política e para a mudar significativamente, se necessário, a fim de promover os nossos objetivos estatutários de emprego máximo e de preços estáveis. E gostaria de apontar um exemplo recente em que o Comité fez exatamente isso no início de 2016… Como muitos de vocês se lembrarão, em dezembro de 2015, quando saímos do limite zero de taxas de juro, o participante mediano do FOMC esperava quatro aumentos de taxas para 2016. Mas no início do ano, em 2016, as condições financeiras tornaram-se bastante mais rigorosas e, sob a liderança de Janet, o Comité ajustou com agilidade – e eu diria com flexibilidade – a nossa trajetória de taxas esperadas. Acabamos por aumentar as taxas um ano depois, em Dezembro de 2016. Enquanto isso, a economia resistiu a um período suave no primeiro semestre de 2016 e depois voltou a assumir um caminho certo. E a normalização gradual das políticas foi retomada. Ninguém sabe se este ano será como 2016, mas o que eu sei é que estaremos preparados para ajustar a política de forma rápida e flexível e utilizar todas as nossas ferramentas para apoiar a economia caso isso seja apropriado para manter a expansão no caminho certo, manter o mercado de trabalho forte e manter a inflação perto de 2%”.

Powell acionou com cuidado os quentes botões-chave do mercado: “…A política tem muito a ver com a gestão de riscos.” “Seremos pacientes enquanto observamos a evolução da economia…” “…Estamos sempre preparados para mudar a posição da política e mudá-la significativamente,  se tal for  necessário…” “Estaremos dispostos a ajustar as políticas de forma rápida e flexível e a utilizar todos os nossos instrumentos para apoiar a economia…”. Um título em “caixa” da Bloomberg: “Powell mostra que se interessa pelos mercados.” Os mercados ouviram garantias de um “Fed put” operacional – com cortes nas taxas e com QE (“todas as nossas ferramentas”) disponíveis quando exigidas – e será mesmo assim. O Nasdaq Compósito subiu 4,3%, o small cap Russell 2000 de 3,8% e o S&P500 de 3,4%. O índice Goldman Sachs Most Short subiu 3,8% nas transações de sexta-feira.

Os investidores sobre títulos do Tesouro, tardiamente fixados em fragilidades globais crescentes, viram os dados, ouviram atentamente o Presidente Powell, observaram a alta dos preços das ações – e recuaram. Os rendimentos de dez anos saltaram 11 bps nas transações de sexta-feira, com os rendimentos de maturidades a cinco anos a subirem 14 bps. O pânico dos compradores de ações de sexta-feira mascarou o comportamento preocupante do mercado durante a semana anterior – desenvolvimentos importantes que não devem ser varridos para debaixo do tapete.

4 de janeiro – Financial Times (Robin Wigglesworth): “Os compradores de casas sempre estudam cuidadosamente os acessórios de cozinha e vêem se a casa é ou não suficientemente arejada, mas muitas vezes negligenciam a verificação se a tubagem está à altura do resto. Os investidores agem de forma semelhante, muitas vezes esquecendo que as canalizações do mercado estão num estado duvidoso, o que pode levar a uma nauseabunda catástrofe. Os responsáveis da situação não deixaram de nos explicar o pior mês para os mercados dos EUA desde a crise financeira, com “algoritmos” convenientemente nebulosos que se mostraram particularmente populares. Mas na véspera de Ano Novo, um pequeno canto pouco vigiado dos mercados monetários dos EUA ofereceu pistas sobre outro candidato indiscutivelmente mais forte como contribuinte para a recente volatilidade. Em 31 de dezembro, a taxa de juro dos acordos de recompra a um dia (overnight) com ativos de “garantia geral ” subitamente subiu de 2,56% para 6,125%, o seu nível mais alto desde 2001. Esta foi um enorme salto, o maior salto percentual desde pelo menos 1998. A taxa dos acordos de recompra normalizou desde então, mas a gravidade do pico indica que pelo menos parte da canalização do mercado ficou quebrada.”

O Problema da canalização dos Mercados Globais não se desobstrui com a passagem das questões de financiamento no final do ano.

3 de Janeiro – Bloomberg (Ruth Carson e Michael G. Wilson): “Levou sete minutos para que o iene subisse para níveis que se tinham verificado há quase uma década. Naqueles minutos selvagens a partir das 9:30 da manhã de Sydney, o iene subiu quase 8% em relação ao dólar australiano para o seu nível mais forte desde 2009, e subiu 10% em relação à lira turca. A moeda japonesa subiu pelo menos 1% em relação a todos os seus pares do Grupo dos 10, ultrapassando o nível 72 JPY por dólar australiano que se mantivera durante uma guerra comercial, uma queda das ações, a disputa orçamental da Itália e as subidas das taxas da Reserva Federal. Os operadores de toda a Ásia e Europa ainda estão ainda à procura de entender o que é que aconteceu naqueles minutos, quando as ordens inundaram os mercados para vender o dólar da Austrália e a lira da Turquia contra o iene… Seja qual for a causa, os movimentos foram exacerbados por programas algorítmicos e pela pouca liquidez com o Japão em situação de feriado.”.

Os movimentos de mercado na quinta-feira apontavam para um cenário bastante desconcertante: iliquidez, deslocamento e “mercados engripados ” dos mercados globais. Na quinta-feira, houve um movimento de 8% no iene contra o dólar australiano – duas moedas globais importantes – e supostamente altamente líquidas. A especulação sobre o iene espalhou-se pelos mercados cambiais e sobre outras moedas, o chamado “flash crash”. Temos visto ocasionais “flash crash” nas ações ao longo da última década. Estes episódios abruptos de vendas recompuseram-se em ordem num período relativamente curto, com a recuperação apenas a encorajar os “espíritos animais”. Essas recuperações, em contraste com o cenário atual, foram apoiadas pela expansão dos balanços dos bancos centrais globais (QE/liquidez).

Estou preocupado que o “flash crash” sobre divisas de quinta-feira tenha implicações potencialmente terríveis. Juntamente com outros indicadores-chave do mercado, a evidência de risco de iliquidez sistémica está a aumentar. A redução de risco/dinâmica de alavancagem continua a ganhar força globalmente. Além disso, há literalmente centenas de milhões de milhões de transações de produtos derivados relacionados com divisas – um edifício bizantino fabricado com base numa premissa frágil de “mercados líquidos e contínuos”.

Suspeito que o mercado “global” de derivados ” seja hoje muito mais global do que o mercado dominado pelos EUA ao entrar na crise de 2008. Isso implica dezenas de novos atores, certamente incluindo instituições chinesas e asiáticas. Isto sugere diferentes tipos de estratégias, complexidades, contrapartes e riscos em geral. Isso certamente levanta a questão da supervisão regulatória, juntamente com potenciais desafios políticos no caso de um deslocamento do mercado globalizado.

Curiosamente, o plano de ajuda da AIG foi mencionado no painel de discussão do Fed de sexta-feira. Já se passou cerca de uma década de complacência quando ao risco criado com os produtos derivados.

Quando se trata de riscos sistémicos de liquidez globais atuais, o iene japonês pode ser a moeda global mais crítica. Milhões de milhões de ienes saíram do Japão para obter rendimentos globais mais elevados. As zero taxas de juro japonesas e, mais importante, os rendimentos negativos do mercado forçaram a chamada “Sra. Watanabe” a procurar rendimentos positivos nos mercados globais de títulos.

Anos de políticas monetárias radicais levaram enormes quantidades de poupanças internas japonesas para o campo dos títulos internacionais e da especulação cambial. Provavelmente uma fonte ainda maior de liquidez global materializada a partir de especulações sobre divisas na base das taxas de juro – empréstimos a zero (ou rendimentos negativos) no Japão para financiar participações alavancadas em instrumentos de maior rendimento em todo o mundo – certamente incluindo na Austrália

Tenha em mente também que um crescimento massivo (imprudente) do balanço do Banco do Japão  parece garantir uma moeda japonesa fraca. A desvalorização potencial do iene tem sido fundamental para que o iene se torne uma moeda predominante de “financiamento” para a especulação global ao longo deste período histórico da bolha financeira da governança global (o que há de melhor do que contrair empréstimos a custo zero numa moeda que se espera valer menos no futuro?). O “Rei Dólar “, com as suas diferenças de taxa de juro positivas, o balanço do Fed a encolher e os mercados em expansão, reforçou a posição do iene como moeda de financiamento global dominante.

Fim da Primeira Parte


Artigo original aqui

 A segunda e última parte deste texto será publicada, amanhã, 29/01/2019, 22h


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