
Introdução
Faz amanhã três semanas que Angela Merkel e Macron assinaram em Aix-la-Chapelle um tratado que visa obviamente reforçar a sua preponderância política na União Europeia. No Jornal Económico, João Pedro Dias, investigador em assuntos europeus, a 29 de Janeiro, diz isto: “O motor económico da UE parece querer chamar a si, também, a sua liderança política. Se a determinação demonstrada é louvável, o método das cooperações reforçadas deve ter-se como exceção e não como regra.”
A preponderância política já existe e é exercida através de Bruxelas. Não é descabido com certeza levantar dúvidas sobre o estabelecimento de tratados entre dois chefes de estado, com poderes desiguais, ligados a uma organização política como a UE, que hoje tanto condiciona as nossas vidas.
Júlio Marques Mota, sempre atento ao que se passa, selecionou e traduziu sete textos que vamos apresentar, a partir de hoje, todos os dias, ininterruptamente. A seguir apresenta-se o título da série e dos textos que a integram:
Da degenerescência do Estado-nação ao Tratado de Aix-la-Chapelle de 22 de Janeiro de 2019 – uma pequena série de textos
Texto nº 1. Tratado de Aix-la-Chapelle : os dois países selam a separação entre os dirigentes e os seus respetivos povos.
Edouard Husson Atlantico, Edouard Husson, 20-01-2019
Texto nº 2. O Tratado de Aix-la-Chapelle afeta a soberania nacional
Olivier Gohin Fonte: Le Figaro, Olivier Gohin, 21/01/2019
Texto nº 3. Tratado de Aix-la-Chapelle : Está a França em vias de renovar com a Alemanha o erro de François Mitterrand aquando da reunificação alemã?
Edouard Husson, Christophe Bouillaud
Texto nº 4. Tratado de AIX-LA-CHAPELLE : A Alemanha Primeiro! BENOIST BIHAN , 25 Janeiro de 2019
Texto nº 5. O Tratado de Aix-la-Chapelle, a negação da Nação e da nossa soberania
… Ou como Emmanuel Macron e Angela Merkel tentam resistir ao seu declínio anunciado. Jacques Cotta • 25/01/2019 •
Texto nº 6. As relações franco-alemães. Porque é que o Tratado de Aix-la-Chapelle agravará o desequilíbrio entre a França e a Alemanha
28 de Janeiro de 2019 – © EMMANUEL DUNAND / AFP
Texto nº 7. Estado-nação e Tratado de Aix-la-Chapelle
La crise des années 2010 – JC Werrebrouck
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Texto nº 1. Tratado de Aix-la-Chapelle : os dois países selam a separação entre os dirigentes e os seus respetivos povos.
Edouard Husson
Atlantico, Edouard Husson, 20-01-2019
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Tratado de Aix-la-Chapelle : a França não vende a Alsácia à Alemanha, mas ambos os países selam a separação entre os líderes e os seus povos.
No dia 22 de janeiro de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron viajou para Aix-la-Chapelle, na Alemanha, a fim de assinar um tratado com a chanceler alemã Angela Merkel para relançar a integração entre a França e a Alemanha.
O alcance deste texto não pode ser subestimado.
Os utilizadores da Internet que solicitaram a publicação do texto tinham razão. O texto proposto para ser assinado pelo Chefe de Estado francês e pelo Chefe de Governo alemão aborda questões existenciais de ambos os países. Na verdade, está-se a falar de soberania de uma ponta a outra . E faz uma escolha, a da soberania franco-alemã.
O leitor poderá consultar o texto e identificar os vários elementos em detalhe:
– Trata-se de uma política de defesa e de uma política externa franco-alemã. Isto inclui um compromisso de ambos os países no sentido de apoiarem o outro caso seja atacado. E há o compromisso da França de apoiar a exigência alemã de um lugar permanente no Conselho de Segurança.
– O texto fala da criação de euro-distritos fronteiriços entre os dois países (daí o rumor que circulava sobre o abandono da Alsácia um século após o fim da Primeira Guerra Mundial).
– Lemos no texto o anúncio de um conselho económico de peritos, independente dos dois governos. Em geral, ao assinarem este tratado, a França e a Alemanha comprometem-se a reforçar a dinâmica atual da integração económica europeia. No início e no fim, os autores do texto afastam-se mesmo da habitual sobriedade dos textos internacionais, falando de “convergência económica e social ascendente no seio da União Europeia”. Ainda mais marcante, no meio da crise dos Coletes Amarelos, o presidente francês reafirmou num texto solene assinado com a Alemanha, o compromisso francês consecutivo à Cop21.
As questões que conduzem inevitavelmente a um referendo
Os franceses foram convidados a votar o Tratado de Maastricht e o Tratado Constitucional Europeu. Uma vez que o alcance deste Tratado franco-alemão não é inferior ao dos dois Tratados que a França foi levada a votar, é essencial que haja um referendo. Neste caso, não seria um referendo sobre uma “iniciativa de cidadania”, mas sim do funcionamento normal da República, introduzido pelo General de Gaulle: o povo francês deve ser consultado sobre um texto que, tal como está redigido, deixa em aberto enormes questões. Limitar-me-ei aqui a formular alguns delas:
1. É oportuno face aos outros Estados-Membros da União Europeia assinar-se um tratado específico franco-alemão? Em 1963, o Tratado do Eliseu foi uma posição de retirada, após o fracasso do Plano Foucher. Em 2019, ainda há necessidade de jogar uma carta “Franco-Alemã”? Podem a França e a Alemanha ter uma política específica na zona euro? Ainda faz sentido falar de um “motor franco-alemão”? É do interesse da França enviar um sinal à Europa mediterrânica ou à Europa Central e Oriental sobre uma dada prioridade, aconteça o que acontecer, à relação franco-alemã?
2. Quando se diz que os dois Estados podem utilizar a “força armada” para se ajudarem mutuamente, isso inclui, no caso francês, a força nuclear? Sabemos que nos últimos meses se realizaram intensas discussões de alto nível sobre este assunto entre Paris e Berlim. Alguns peritos chegaram mesmo a insistir para que a força de dissuasão francesa fosse disponibilizada à Alemanha. Esta não é uma questão trivial. Pode rapidamente conduzir a uma deterioração das relações da França com os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Rússia, uma vez que poria em causa os tratados internacionais pelos quais a Alemanha se comprometeu a não possuir armas nucleares.
3. O que recebe a França em troca do seu apoio à candidatura da Alemanha a um lugar permanente no Conselho de Segurança? Não há nada de equivalente no texto do lado alemão. Uma regra básica da diplomacia é o equilíbrio entre concessões ou benefícios concedidos. A representação nacional e, a fortiori , o povo francês, terão de se interrogar se o Tratado mantém um equilíbrio de contribuições entre os dois países.
4. Será que as fórmulas bastante vagas sobre o reforço da União Económica e Monetária significam que o Presidente Macron obteve finalmente da Alemanha o governo económico da zona euro de que o nosso país tinha abdicado durante a negociação do Tratado de Maastricht? Estaremos a avançar para o que é a única forma de tornar o euro sustentável, nomeadamente a mutualização das dívidas à escala da zona? E, uma vez mais, trata-se de um assunto que foi discutido entre a França, a Alemanha e os seus parceiros da zona euro?
5. A criação de euro-distritos deixa em aberto a possibilidade de a França fechar a sua fronteira em caso de crise grave? Este é um exemplo puramente teórico, mas imaginemos que a Alemanha permitiu a entrada de terroristas no seu território e não os persegue. Será que a França será livre de colocar a sua segurança acima dos compromissos do Tratado Franco-Alemão?
6. Terão os parlamentos de ambos os países o direito de decidir e controlar a utilização dos fundos atribuídos aos distritos europeus? Mais fundamentalmente, a ideia de uma autonomização dos órgãos de governo regional é compatível com a integridade do território republicano definida na Constituição?
7. A consulta permanente entre os dois países significa que Macron ou os seus sucessores, quando tiverem de anunciar medidas financeiras de emergência, como foi o caso em 10 de dezembro último, terão de solicitar o parecer do Governo alemão? Em sentido inverso, estarão os sucessores da Chanceler Merkel dispostos a cumprir as regras se um governo francês discordar, por exemplo, sobre uma medida da importância, por exemplo, de uma saída da indústria nuclear, como decidiu a Chanceler Merkel em 2011?
8. Dado que a crise dos Coletes Amarelos foi diretamente desencadeada por medidas fiscais justificadas pela “transição energética”, o que significa para o nosso país a reafirmação pelos dois países do seu compromisso a favor do ambiente?
9. Podem ambos os governos publicar todas as Atas das discussões que precederam o Tratado de Aix-la-Chapelle?
Um tratado que corre o risco de selar a rutura entre os governos e os seus povos
É no mínimo paradoxal que um tratado desta magnitude seja assinado pelo Presidente francês e pela Chanceler alemã num momento tão especial entre os dois países. A chanceler está profundamente enfraquecida politicamente e os seus dias como chefe do governo alemão são conhecidos por estarem contados. No entanto, é significativo que, quando a Sra. Kramp-Karrenbauer, a nova presidente da CDU e provavelmente a sucessora da Sra. Merkel, é interrogada pelo Le Monde sobre o projeto de Tratado, não diga “Fui consultada”, mas sim “acho que esta ou aquela passagem é de bom augúrio “. De igual modo, em França, não correrá Emmanuel Macron um enorme risco ao envolver desta forma a voz da França quando o país atravessa uma convulsão económica e social como não se via há já muito tempo? Podemos dizer, como faz o texto, que a dinâmica da integração europeia – e, em particular, da integração franco-alemã – deve ser impulsionada, com todos os motores a funcionar, sem ter primeiro considerado as implicações da necessária reorientação económica e social que se seguirá ao levantamento dos “Coletes Amarelos” para os nossos compromissos franco-alemães e europeus?
Não sejamos aves de mau augúrio. O Presidente francês acaba de anunciar o início do Acto II do seu mandato de cinco anos. O seu envolvimento em debates com os prefeitos sugere que ele leva a sério a necessidade de sair de uma “república de democracia limitada”. É, pois, inevitável, dada a dimensão dos compromissos que vai assumir em Aix-la-Chapelle , na terça-feira, 22 de Janeiro de 2019, que o Presidente francês submeta então o texto, não só à avaliação da representação nacional, mas também ao veredicto do povo francês.
Fonte : Edouard Husson, sítio Atlântico , Traité d’Aix-la-Chapelle: la France ne vend pas l’Alsace à l’Allemagne mais les deux pays scellent la coupure entre les dirigeants et leurs peuples. Texto disponível em:
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É um método de fuga para a frente que nos anos 80 em Portugal foi utilizado por alguns “governantes de proa” quando não conseguindo argumentar perante gente intelectualmente capaz a favor de políticas que queriam impor ao país com poder de decisão nas mãos amarraram-no à CEE, escondendo as consequências negativas, utilizando a táctica do facto consumado!