DA DEGENERESCÊNCIA DO ESTADO-NAÇÃO AO TRATADO DE AIX-LA-CHAPELLE DE 22 DE JANEIRO DE 2019 – uma pequena série de textos – TEXTO Nº 2. O TRATADO DE AIX-LA-CHAPELLE AFETA A SOBERANIA NACIONAL, por OLIVIER GOHIN.

 

Trono de Carlos Magno na Catedral de Aix-la-Chapelle /Autor: Berthold Werner -Aechener Don, Karlsthron

 

TEXTO Nº 2. O TRATADO DE AIX-LA-CHAPELLE AFETA A SOBERANIA NACIONAL

 

Olivier Gohin

Fonte: Le Figaro, Olivier Gohin, 21/01/2019

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Várias cláusulas do tratado não estão em conformidade com a Constituição, argumenta o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Paris II-Pantéon-Assas. Solicita que o Conselho Constitucional analise o texto do Tratado.

Em 22 de Janeiro, a França e a Alemanha assinarão o Tratado de Aix-la-Chapelle  sobre Cooperação e Integração Franco-Alemã. Devem ser feitas três observações preliminares. Este dia é o aniversário do Tratado do Eliseu, de 22 de Janeiro de 1963, que o Bundestag tinha conscientemente torpedeado com a adição irregular de um preâmbulo unilateral reafirmando a importância para a Alemanha de “uma associação estreita entre a Europa e os Estados Unidos”. O lugar onde este novo tratado é assinado não é fortuito: Aix-la-Chapelle era a capital do Império Franco-Alemão de Carlos Magno. O título do Tratado também não é fortuito: é, através da “integração”, a retoma do projeto federalista, que foi derrotado, no entanto, pelo povo francês durante a rejeição em massa do projeto de “Constituição Europeia” pelo referendo de 29 de Maio de 2005.

No entanto, o Presidente da República que negociou este tratado (conforme previsto no artigo 52.º da Constituição) é também a pessoa que o seu cargo designa explicitamente como garante da independência nacional (artigo 5.º da Constituição) e, portanto, implicitamente, da soberania nacional (artigo 3.º). E deve fazê-lo assegurando o respeito pela Constituição (artigo 5.º), o que está longe de ser o caso pelas seguintes seis razões, pela ordem expostas no Tratado de Aix-la-Chapelle.

Segundo o preâmbulo deste tratado, é reiterada a vontade de uma União Europeia “soberana”, quando esta organização internacional não é um Estado, e somente o Estado que é considerado para exercer a soberania, e a soberania sobre o território francês não é senão “nacional”, exercida pelo povo francês a que pertence. O artigo 4º do Tratado estipula que a França e a Alemanha “prestar-se-ão mutuamente ajuda e assistência por todos os meios à sua disposição, incluindo forças armadas, em caso de agressão armada contra os seus territórios”, que repete desnecessariamente a assistência mútua prevista no artigo 5º do Tratado de Washington de 4 de Abril de 1949 que institui a NATO, mas que lhe confere aqui um carácter vinculativo que não tem, para cada uma das partes, incluindo a França, no quadro da NATO. Criar pelo Tratado de Aix-la-Chapelle uma obrigação para o Estado francês, e mais ainda no domínio da defesa, é, em si mesmo, um ataque à soberania nacional, já para não falar de uma estratégia de dissuasão nuclear que só pode ser nacional.

Além disso, o artigo 5º do Tratado prevê que os dois Estados devem “estabelecer intercâmbios no âmbito das suas Representações Permanentes […], em especial entre as suas equipas do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Será que isto significa  que a França poderia ser representada por políticos ou diplomatas alemães no Conselho de Segurança, do qual, ao contrário da Alemanha, é membro permanente com poder de veto? Isso constituiria uma violação da soberania nacional.

Além disso, o artigo 14.º estabelece “um comité de cooperação transfronteiriça que inclua as partes interessadas”. O Tratado estabelece‑as, acrescentando a cada Estado “as autoridades locais, os parlamentos e as entidades transfronteiriças, tais como os euro-distritos e, se necessário, as euro-regiões em causa”. Será que a futura “Comunidade Europeia da Alsácia” é uma das partes deste tratado internacional que é concluído e só pode ser concluído entre dois Estados soberanos, um dos quais a França, ignorando-se o carácter constitucionalmente unitário da República Francesa (artigo 1º da Constituição)? Além disso, o Estado admite incluir estas autarquias locais e outras entidades públicas no domínio das relações internacionais, que constituem, em todo o território francês, um monopólio estatal (como sublinhado pelo Conselho Constitucional na sua decisão de 12 de fevereiro de 2004).

Além disso, a reivindicação do bilinguismo surge no contexto do artigo 15º do Tratado de Aix-la-Chapelle, que é reduzido a um objetivo nos territórios fronteiriços. Naturalmente, não se trata aqui de ligar a Alsácia à Alemanha ou mesmo de “germanizar a planície”: é preciso saber como manter a cabeça bem fria e não nos deixarmos ludibriar. Mas a língua da República é efetivamente o francês, como o Conselho Constitucional teve oportunidade de afirmar na sua decisão de 15 de Junho de 1999, e a exclusividade da língua francesa aplica-se na esfera pública, como sublinhou na sua decisão de 29 de Julho de 1994.

No entanto, que garantia, que não a da Constituição, pode ser dada contra a utilização do alemão nos serviços descentralizados do Estado na Alsácia-Moselle, mas também nos serviços dos municípios, nos estabelecimentos públicos de cooperação intermunicipal ou nos departamentos? E a mesma pergunta vale a pena perguntar quanto aos serviços dos euro-distritos ou euro-regiões em França, bem como aos serviços da próxima “Comunidade Europeia da Alsácia”, uma nova tentativa de abolir os departamentos do Baixo Reno e do Reno, que foi rejeitada pelo referendo local de 7 de Abril de 2013.

Por último, nos termos do artigo 24º do Tratado de Aix-la-Chapelle, “um membro do Governo de um dos dois Estados participa, pelo menos uma vez por trimestre e alternadamente, no Conselho de Ministros do outro Estado”. No entanto, o Conselho de Ministros francês tem poderes constitucionais, por exemplo, para deliberar um projeto de lei (artigo 39.º da Constituição) ou para autorizar o Primeiro-Ministro a assumir a sua responsabilidade por um texto (artigo 49.º). Trata-se, pois, de uma violação das condições essenciais para o exercício da soberania nacional.

Por conseguinte, é importante que, após a sua assinatura, o mais tardar, e a autorização da sua ratificação, o mais tardar, o Conselho Constitucional seja consultado, com base no artigo 54, o da Constituição de 1958, a fim de verificar a constitucionalidade do Tratado de Aix-la-Chapelle e identificar os numerosos obstáculos à autorização da sua ratificação na sua forma atual. Esta consulta pode ser feita a partir do próprio Presidente da República ou, na sua falta, do Presidente do Senado ou a partir de pelo menos sessenta deputados. Isto é essencial, porque já é tempo de colocar uma questão europeia, como este Tratado de Aix-la-Chapelle, na campanha para as eleições europeias, a que se perfila  por detrás da cortina de fumo do “grande debate nacional”. Só numa base jurídica sólida e politicamente legítima é que a integração europeia pode prosseguir e mesmo ser retomada, certamente não contra a soberania intangível dos Estados e sem o acordo expresso dos povos, exceto se por sua própria conta e risco. Isto aplica-se à cooperação franco-alemã, agora, como se aplica igualmente à própria União Europeia.

Fonte: Olivier Gohin*, Le Figaro, Le traité d’Aix-la-Chapelle affecte la souveraineté nationale. Texto disponível em:

http://www.lefigaro.fr/vox/monde/2019/01/21/31002-20190121ARTFIG00281-le-traite-d-aix-la-chapelle-affecte-la-souverainete-nationale.php

 

*OLIVIER GOHIN, Universidade Paris II, Panthéon-Assas, Professor em Direito Público.

2 Comments

  1. Como poderá o povo barrar a impunidade com que os governantes vendem povos e nações ao capital financeiro se imbecilizado por uma educação formatadora desde a escola até aos media que o intriga contra a esquerda com o epíteto de comunistas “papões”!

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