CARTA DE BRAGA – “da escuridão no farol” por António Oliveira

A incerteza na decisão em escolher caminhos nestes tempos, leva-nos a vacilar na opção entre gente ilustre com belas teorias sobre mundos luminosos e brilhantes, (ao modo poético de Paul Eluard) e uma outra, mais e melhor iluminada, a defender o cimento armado das construções testadas e experimentadas, como única forma de amarração à realidade da vida.

Entre uns e outros estamos nós, só uns pequenos e modestos errantes, liderados por comentadores pagos à peça pelos donos dos mass media e afins, bem instalados nos seus bunkers, (deixo denominação e dimensão ao critério de cada um!), sem saber como temos de nos libertar das areias que, a pouco e pouco, nos estão atrasando as pernas.

Um tempo de incerteza também por muito se notarem as permanentes ‘reinaugurações do passado’, como foi denunciado há bem pouco tempo por Boaventura Sousa Santos, ao falar da recuperação dos mitos e símbolos há muito arredados para as arrecadações da História.

Arrecadações onde os acreditávamos bem arrumados há já umas dezenas de anos, por tresandarem a domínio, opressão e obscurantismo.

Mas como é notório, por já quase nem haver qualquer interesse em estudar e aprender com as vicissitudes e complexidades do passado, até parece que tais mitos e símbolos estão a recuperar a importância perdida e eles, os mass media instalados nos bunkers, também estão aí para ajudar a sufragá-los!

Aliás é um pecado bem antigo este não querer saber do passado, a ver até pelo dito, aparentemente inocente e por muitos atribuído a Napoleão Bonaparte, ‘O que é a história se não uma fábula com que estamos todos de acordo?’.

Mas esta frase ainda é um dos corolários onde se baseiam os nacionalismos, nas suas mais diversas formas, para irem socavando a Europa na tentativa de derrubar, talvez inexoravelmente, um património histórico e cultural, o nosso e com muitos e muitos séculos!

Património que o filósofo Bernard-Henri Lévy classificou assim, numa entrevista recente a um jornal europeu ‘Europa é Dante, Comenius, Goethe, Erasmo… A Europa é um concerto de muitas vozes. A Europa é liberdade, para que você não seja um robot nas mãos de outrem. Europa é a relação igualitária entre homem e mulher. A Europa é derrubar muros, é desatar nós, é abrir portas. A Europa é cosmopolitismo, é convivência, é alegria!

São muitas as questões que aqui se poderiam colocar, num provável, talvez inglório e vão esforço para conciliar argumentos, mas não resisto a chamar a atenção para um povo antigo da cordilheira dos Andes, cuja maneira de ‘ver’ a vida, espantou o mundo quando aqui foram conhecidos os primeiros relatos e estórias da chegada dos espanhóis.

Para aquele povo, os Aimara, o tempo é uma metáfora! O passado está à frente e não atrás! Atrás colocam o futuro por não o conhecerem, nem o saberem e nem o poderem verbalizar, por também não o poderem ver!

Os estudiosos consideram a ‘evidência’ como base e valor principal de tão original filosofia de vida, valor que os leva a colocar o já visto em frente, ao alcance dos olhos, deixando o futuro desconhecido lá atrás, nas costas, onde ninguém o consegue ver e, muito menos, adivinhar!

Julgo não correr grandes riscos de poder vir a errar, considerar previsível um futuro a depender mormente de tweets e smartphonesem territórios desistidos das ciências sociais e humanas, cheios de gente marcada e endurecida pelos calos nos polegares, talvez inconsciente mas com toda certeza temerosa, por não se sentir dona do próprio futuro, também por isso e aparentemente, já arredado para trás das costas!

Por outro lado e num dia talvez assim, em 1906, nasceu Agostinho da Silva e também não me esqueço de ter ouvido dizer a um antigo pescador açoriano, se calhar noutro dia também como este e já lá vão muitos anos, ‘ao pé do farol a noite é sempre escura!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

3 Comments

  1. Bela fábula que nos explica os fundamentalismos de quem pretende por comodidade ainda que admitindo desconforto com os caminhos trilhados persiste em não arriscar mudança de trilhos; de quem formatado para a obediência cega a mitos deixa de criar, imaginar, questionar!

  2. este seu texto, meu querido Amigo, fez-me lembrar aquela “estória” da rã, que colocada numa panela de água quase quente, só reparou que estava a ser cozida, quando já não tinha como fugir…lentamente, lentamente, estão a fazer-nos o mesmo…será que vamos acordar a tempo?!

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