DA DEGENERESCÊNCIA DO ESTADO-NAÇÃO AO TRATADO DE AIX-LA-CHAPELLE DE 22 DE JANEIRO DE 2019 – uma pequena série de textos – TEXTO Nº 4 – TRATADO DE AIX-LA-CHAPELLE: A ALEMANHA PRIMEIRO! – por

Trono de Carlos Magno na Catedral de Aix-la-Chapelle /Autor: Berthold Werner -Aechener Don, Karlsthron

Benoist Bihan,
Le traité d’Aix-la-Chapelle, ou comment Emmanuel Macron trahit la souveraineté nationale française

VU DU DROIT, 25 de Janeiro de 2019

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Tudo é lamentável na história da assinatura deste Tratado franco-alemão conhecido como Tratado de Aix-la-Chapelle. A natureza subreptícia da sua elaboração, a forma como nos foi imposta, a propaganda estúpida da imprensa dominante, aproveitando alguns comentários muito minoritários sobre a transferência da Alsácia-Lorena para a Alemanha, para desqualificar qualquer crítica. A atitude grotesca e as novas projeções de um presidente descontrolado durante as cerimónias da sua assinatura. Que sente, cada vez que está fora do território nacional, o desejo irreprimível de cuspir no seu país e nos seus habitantes. Desta vez foi para declarar que os franceses que se opunham a este texto eram cúmplices dos crimes nazis, apenas isso, depois para falar da superioridade da língua alemã (!), e finalmente para proferir um discurso incompreensível sem nenhum sentido  que deve ter levado quase ao sufoco os seus intérpretes.

O melhor é ler, analisar e comentar este texto. O resultado é consternador, e numerosas são as críticas arrasadoras, tais como aquelas que apontam para a natureza inconstitucional de muitas das suas disposições

Benoísta Bihan, historiador e investigador, dá-nos a sua opinião, sublinhando o novo abandono da soberania e a procura de um alinhamento servil para com a Alemanha.

Régis de Castelnau

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 O Tratado de Aix-la-Chapelle ou como Emmanuel Macron trai a soberania nacional francesa

Por Benoist Bihan, Historiador, República Soberana

 

Ao ler o texto do “Tratado entre a República Francesa e a República Federal da Alemanha relativo à Cooperação e à Integração Franco-Alemã” que Emmanuel Macron assinou em 22 de Janeiro de 2019 na antiga capital carolíngia de Aix-la-Chapelle, o leitor divide-se entre indignação e consternação.

Indignação, porque o conteúdo deste texto, longe de conduzir os dois países no sentido de um futuro mais justo, é a perpetuação de décadas de liberalismo extremo, preço que as nações europeias e os seus povos têm estado a pagar diariamente. Porque este tratado, longe de consagrar a aliança cada vez mais estreita de duas nações soberanas, instituiu a sua submissão servil aos Estados Unidos, a cuja suserania, através da Aliança Atlântica, os dois governos se submeteram sem pestanejar. E, finalmente, porque os termos deste tratado são unidirecionais: “cooperação e integração” conduzem sistematicamente ao alinhamento da França com o seu vizinho do outro lado do Reno, sem nunca ter contrapartidas sérias.

E é aqui que a consternação se instala rapidamente: como pode um governo, um Presidente da República, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de uma potência – ou, pelo menos, com uma diplomacia tão respeitável – podem eles negociar um texto tão abismalmente vazio? Ler o Tratado de Aix-la-Chapelle significa descobrir, frase por frase, um texto que é não só oco – exceto quando perpetua a ideologia liberal ou o mais vil atlantismo – mas também totalmente desequilibrado. Porque se a Alemanha, que é obviamente o melhor negociador, obtiver concessões sérias, a mais espetacular das quais é a de colocar a diplomacia francesa ao serviço da ambição de Berlim de ter acesso a um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (pois, não duvidemos, melhor dito, pretende-se expulsar a França, provavelmente através de um lugar “europeu”), a França não obtém absolutamente nada de concreto. Nós, franceses, já não sabemos evidentemente como negociar um acordo, pois parece agora compreender-se que, para os nossos governos, a França tem agora de aceitar renunciar a toda a sua vontade e interesse próprio: tem de aceitar a abolição da sua soberania.

Isto torna mais fácil compreender porque é que este texto, negociado às escondidas, só apareceu na imprensa alguns dias antes da sua assinatura, e novamente com base na sua versão alemã que teve de ser traduzida, a versão francesa “oficial” permanecendo indisponível até ao último momento…Quando o abuso de autoridade entra assim em concorrência com a impostura, quando em vez de estarmos a caminhar para uma vitória caminhamos para uma humilhante derrota, é então melhor permanecer indubitavelmente discretos.

A cereja em cima do bolo já muito carregado é sem dúvida a referência feita no preâmbulo ao Tratado de 1963 do Eliseu, sem dúvida para melhor trair a sua letra e o seu espírito. Este tratado gaullista, de facto, desempenhou inteligentemente duas funções essenciais. Por um lado, trazer uma paz duradoura às relações entre a França e a Alemanha, lançando as bases para reunir não só os dois Estados, mas também os dois povos. Por outro lado, criar as condições necessárias para a emergência de uma verdadeira soberania na Europa, ou seja, a única possível: a do encontro e não de uma fusão ilusória, da soberania nacional dos seus povos. É certo que o Bundestag, ao impor uma referência à NATO no preâmbulo do Tratado, deu um golpe fatal neste segundo aspeto e tornou a Alemanha responsável pela impotência europeia. Mas, mesmo assim, o Tratado do Eliseu deu pelo menos uma orientação clara à política alemã da França.

No entanto, Aix-la-Chapelle, para além da sua mediocridade formal, é, deste ponto de vista, uma dupla traição, que resume bem o perigo que a política de Emmanuel Macron, do seu governo e da sua maioria representam para a França – mas também para toda a Europa. Primeiro que tudo, a traição da aproximação franco-alemã. Quando ambos os Estados afirmam que estão a “aprofundar a integração das suas economias” (art. 20.º), trata-se apenas de “promover a convergência entre os dois Estados e melhorar a competitividade das suas economias”. Sabemos muito bem o que está por detrás deste vocabulário: a aceitação francesa do “ordo-liberalismo” alemão, uma mistura insalubre de rigidez ideológica e ideologia desreguladora. Não é verdade afirmar, como o Governo não deixará de fazer, que a Alemanha aceitará concessões a este respeito. Por razões históricas e intelectuais, mas também e mais prosaicamente porque Berlim aproveita o estado atual dos desequilíbrios económicos na Europa, não será esse o caso.

Então isto será o pior dos dois mundos! Porque como não ver que, sob este regime, a economia francesa, longe de recuperar, vai continuar a sua terciarização, a sua satelização a favor da todo-poderosa indústria alemã? Como é que podemos não compreender que se trata da continuação de um caminho que, se a curto prazo servir à Alemanha, cria as condições para o seu isolamento a médio prazo e depois a sua rejeição pelos povos europeus que não irão suportar por muito tempo esse domínio? Como podemos, finalmente, ficar tão cegos que não percebemos que, a longo prazo, esta é a forma mais segura de marginalizar a Europa na economia global? Porque o mercantilismo liberal alemão se baseia, na ausência de protecionismo, na submissão política da República Federal aos seus principais clientes: em primeiro lugar, aos Estados Unidos, evidentemente, este mercado privilegiado para as indústrias alemãs de alta tecnologia, que estão firmemente implantadas – tanto capitalisticamente como militarmente – na Alemanha desde 1945. Mas também para a Rússia, um fornecedor de hidrocarbonetos, mas sobretudo um mercado lucrativo para máquinas-ferramentas e automóveis; e finalmente para a China, o eldorado da indústria de consumo alemã de topo de gama e o objeto de toda a atenção germânica.

Quando a diminuição dos direitos sociais se encontra associada à degradação política, apesar dos “Coletes Amarelos” marcharem todas as semanas a cantar a Marselhesa com as cores azul-branco-vermelho, isto só pode ter uma consequência: desenvolver a germanofobia em França, como está a acontecer noutras partes da Europa. Quando a França tiver alinhado o seu direito do trabalho pelo da Alemanha, alinhado o seu direito empresarial, “austerizado” as suas políticas sociais, tudo em nome da aproximação franco-alemã, quando se tornar ao mesmo tempo um satélite da versão pós-moderna da “Grande Alemanha” – e isto já está bem encaminhado – e ficar marginalizada a nível global, como é que  poderia ser de outra forma?

Porque a outra traição, muito clara, é de facto a do interesse nacional francês. Ao longo de todo o texto, a França está constantemente a alinhar-se com conceitos que lhe deveriam ser estranhos: submetendo a defesa da Europa à NATO, minando a própria ideia de uma “autonomia estratégica” europeia, alinhando a sua economia e o seu direito com o seu vizinho em nome da “integração”, mas também colocando os funcionários alemães a todos os níveis da sua diplomacia – porque.., tendo em conta a rede diplomática dos dois países e o lugar da França nas Nações Unidas, é difícil ver que benefícios Paris pode retirar dos intercâmbios previstos – ao contrário de Berlim –  indo implorar por um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas para a Alemanha.

Menos imediatamente percetível, mas igualmente grave, é que a conceção federal alemã triunfa claramente sobre a ideia de uma República una e indivisível, que no entanto define o Estado em França: ao distinguir as regiões fronteiriças das outras – o que, evidentemente, o Tratado do Eliseu não fez -, o Presidente da República assinará um documento que é claramente contrário ao espírito das Instituições – certamente que não será a primeira vez desde a eleição de Emmanuel Macron. Mas, se não está evidentemente em causa a transferência da Alsácia-Lorena – grosseiramente denunciada pelo Rassemblement National, sempre pronto a minar o debate político francês -, trata-se de facto de um abandono simbólico das regiões fronteiriças: como não ver que, com este Tratado, a França está a abandonar o desenvolvimento económico ao desenvolvimento de laços transnacionais? Renuncia a prosseguir a sua própria política, aceitando a sua satelização económica junto dos poderosos Länder da Alemanha, que, obviamente, conservarão internamente a maior parte do valor acrescentado? Porque as medidas previstas não incluem um verdadeiro plano de desenvolvimento económico: trata-se apenas de criar condições (infraestruturas, simplificação administrativa…) a partir das quais, certamente, o deus-mercado deve gerar riqueza através da sua ação de graças.

Aqui está o pensamento mágico que tem sido utilizado durante décadas como uma estratégia económica pelas elites francesas. Acrescentemos à renúncia do Governo quanto às suas responsabilidades que o “bilinguismo” elogiado pelo Tratado será, sem dúvida, em alemão: alargando a língua alemã em detrimento não só do francês mas, acima de tudo, das línguas regionais. Sem dúvida, inconsciente da cultura francesa que Macron afirma não existir, Macron ignora que o alsaciano e o franciano (falado em Moselle), reconhecidos desde 1992 como as línguas regionais da França, não são alemães! Em todo o caso, deveria voltar a ler a Constituição, que nos recorda que “as línguas regionais fazem parte do património da França” (artigo 75º-1). Finalmente, ao preço de tudo isto, o que obtém a França em troca? Nada. Algumas promessas vagas sobre África, alguns compromissos em matéria de coordenação militar – e, deste ponto de vista, haveria muito a dizer sobre o lado industrial, uma vez que a Alemanha está mais uma vez a perseguir um mercantilismo que já se opõe ao estabelecimento da soberania industrial europeia -, mas nada mais. A Alemanha, habilmente, não assumiu compromissos que a sua cultura e interesses políticos a impedissem de cumprir. Que poder pode ainda ser legítimo para presidir à política externa francesa quando este mostra a sua incapacidade não só para defender, mas também para definir o interesse nacional? Ao ler o Tratado de Aix-la-Chapelle, apenas uma coisa é clara: esse poder já não pode ser o de Macron.

 

Fonte: BENOIST BIHAN, TRAITÉ D’AIX-LA-CHAPELLE: L’ALLEMAGNE D’ABORD! Publicado em 25 de Janeiro de 2019 no sitio de Régis de Castelnau,, Vue du Droit e disponível em:

Traité d’Aix-la-Chapelle : l’Allemagne d’abord !

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