MORREU O ARMANDO CALDAS, MEU AMIGO, por ANTÓNIO GOMES MARQUES

 

Telefonou-me o João Machado, o que é habitual, mas o que motivou o seu telefonema de hoje surpreendeu-me. «Morreu o Armando Caldas», informa-me o João, acrescentando mais alguns pormenores, nomeadamente o ter sido uma morte repentina.

Não li, nem ouvi, qualquer referência à morte do Armando, acontecida no passado dia 13 e, por isso, não marquei presença no seu funeral.

Conheci o Armando em 1961, no Teatro Moderno de Lisboa, sendo-me apresentado por um amigo comum, o saudoso Rogério Paulo.

Mantivemos contacto ao longo destes anos, participámos em colóquios sobre teatro e nunca o Armando me deixou de convidar para assistir às suas encenações, nas quais nem sempre pude marcar presença. Falávamos depois sobre os espectáculos, mostrando-se sempre o Armando interessado em ouvir o que tinha para dizer, não mostrando qualquer contrariedade quando a minha crítica era contundente, proporcionando essa discordância um diálogo mais vivo do que habitualmente. O amor ao teatro, um teatro comprometido com a vida, unia-nos e a amizade foi-se sempre fortalecendo, mesmo com as minhas discordâncias em relação ao seu querido Partido Comunista Português, a que pertencia desde 1956. «Mesmo discordando, gosto de te ouvir, Gomes Marques», era assim que, normalmente, terminavam as nossas conversas que envolviam o seu partido.

Publiquei um ou outro texto com referências ao seu trabalho no «Intervalo-Grupo de Teatro», residente no Auditório Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha, que ele sempre me agradeceu com um abraço de amizade.

Um dia, disse-me: «Este ano o homenageado é o Hélder Costa. Sabes quem vai falar sobre ele? És tu!» Ao aperceber-se que eu iria dizer algo, logo acrescentou: «És tu, está decidido!» E fui eu, pois logo verifiquei que dessa não me safava. Como também, com a mesma determinação, me tinha «exigido» um texto para o livro sobre o Teatro Moderno de Lisboa, organizado pelo Tito Lívio, com a colaboração de Carmen Dolores, que viria a ser publicado com o título «Teatro Moderno de Lisboa (1961-1965) – Um Marco na História do Teatro Português» (edição da Editorial Caminho-Agosto de 2009).

A sua vida confundiu-se com o Teatro Português desde que, em 1958, se estreou como actor no Teatro Avenida, em Lisboa, na peça de Carlo Goldoni, tendo sido um dos corajosos fundadores do Teatro Moderno de Lisboa, companhia de actores que é marcante na história do teatro português, para além de ter trabalhado em algumas das companhias de teatro mais relevantes no nosso país, como o Teatro Nacional Popular —do seu Mestre Francisco Ribeiro, o Ribeirinho, Mestre esse a quem sempre se referia com enorme respeito e gratidão—, no Teatro de Sempre, no Grupo 4. Principal animador do Primeiro Acto – Clube de Teatro de Algés, onde aconteceram algumas reuniões clandestinas acordando acções a desenvolver na luta por um teatro digno, interventivo na sociedade portuguesa, intervenção essa que exigia coragem aos intervenientes, terminando a sua actividade no já referido Intervalo – Grupo de Teatro, em 2016.

Em 2008 foi-lhe feita uma justa homenagem, no Teatro da Trindade, pelos seus 50 anos de dedicação ao teatro, iniciativa que teve como protagonistas Carmen Dolores, Rui Mendes e Fernando Tavares Marques.

Recebeu uma outra não menos justa homenagem da Câmara Municipal de Oeiras, em 2013, de que se publicou uma brochura, cuja capa abaixo se reproduz.

 

O Armando ofereceu-me um exemplar com a seguinte dedicatória:

«Para o António Gomes Marques, bom amigo e amante de teatro como eu, com a fraternidade do Armando Caldas. 8.02.2014»

É um momento de grande pesar para quem, como eu, deixou de ter a presença física de alguém que comigo partilhou muitas lutas, muitas tristezas, mas também muitas alegrias, numa sã camaradagem de quase 58 anos.

Adeus amigo, não serás esquecido enquanto eu respirar!

Portela (de Sacavém), 2019-03-16

3 Comments

  1. Comungo tudo o que diz do comum amigo Armando Caldas. Um grande homem quer no Teatro quer na vida. O jornal A Voz de Paço de Arcos prestou-lhe, em tempo, uma singela, e justa, homenagem.
    A sua memória ser´a mantida viva no nosso jornal e em nós.
    JMMarreiro

  2. Querido amigo António,
    quando um amigo morre passa a viver dentro de nós de um jeito novo e triste. Depois, ao lembrarmos suas qualidades, as alegrias que com ele tivemos espantam a tristeza e aprendemos a gostar de tê-lo tido e nos termos tornado mais ricos por isso. O que ganhamos acaba por consolar um pouco a perda.
    Acabo de perder dois grandes amigos, eu também;.
    Receba meu abraço solidário e muito amigo.

  3. Obrigado, querida Rachel, pelas tuas palavras de amizade e com o calor do teu (nosso) Brasil. Obrigado também ao José Manuel Reis Marreiro, que sabe bem quem foi o Armando.

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