Sobre as razões que estão na base dos focos de tensão entre a China e os Estados Unidos. Texto introdutório 3 – Trump tentou explicar o que a China vai fazer a seguir e aquilo que disse soa a inveja. Por Linette Lopez

Tensão EUA China 0

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Texto introdutório 3. Trump tentou explicar o que a China vai fazer a seguir e aquilo que disse soa a inveja

Linette LopezPor Linette Lopez

Publicado por Business Insider, em 14 de maio de 2019 (veja original aqui)

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Está zangado, Donald? AP

 

– Num tweet, o presidente Donald Trump tentou explicar o que os responsáveis políticos chineses fariam para ajudar a sua economia durante a guerra comercial com os EUA.

– Trump acertou em parte, mas falhou nalgumas das limitações do sistema económico estatal da China.

– Na verdade, pode-se dizer que ele parecia invejoso pelo facto dos formuladores de políticas chineses terem tanto controle, dizendo que os EUA ganhariam se ele fosse autorizado a dirigir a economia da maneira que os chineses fazem.

– A própria noção disso ignora o essencial do capitalismo americano totalmente.

Num tweet na segunda-feira, o presidente Donald Trump tentou explicar o que o governo chinês faria para ajudar a sua economia durante a guerra comercial, e pareceu  estar um pouco invejoso com o facto de os políticos chineses terem tanto poder sobre a sua economia.

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[A China irá bombear dinheiro no sistema e provavelmente reduzirá as taxas de juro, como sempre, a fim de compensar os negócios, e sairá a perder. Se a Reserva Federal alguma vez atuasse assim, seria o final do jogo, venceríamos! De qualquer modo, a China quer um acordo!]

É verdade que a China vai injetar dinheiro na sua economia, mas isso dá-se com algumas limitações muito importantes que abordaremos daqui a pouco.

Quanto a Trump ordenar à Reserva Federal que faça um “jogo” – essencialmente copiando o modelo económico estatal da China para atravessar a guerra comercial – isso seria anti-capitalista, antiamericano, quase autoritário, distorcendo o mercado, e quase tudo o mais que se possa pensar, é contrário à forma como a economia dos EUA deve funcionar.

No entanto, isso não impede Trump de parecer invejoso.

A equipa nacional chinesa

Sim, o Governo chinês fará tudo o que estiver ao seu alcance para facilitar o acesso ao dinheiro pelos seus cidadãos durante a guerra comercial. Tem sido a solução para todas as crises a que o país assistiu ao longo da última década.

Voltemos a 2009. O mundo inteiro estava a atravessar uma crise financeira, mas a China – na altura em regime de hipercrescimento – não tinha tempo para crises. Assim, o governo instruiu os bancos e qualquer outro tipo de instituição financeira para emprestarem dinheiro em todo o lado.

Depois de anos a bombear dívidas, ficou claro que o país não poderia crescer sem que uma quantidade gigantesca de novos créditos fosse criada a cada ano. O sistema bancário paralelo – um sistema de credores não regulamentados – cresceu para US$ 10 milhões de milhões e todo o sistema bancário cresceu para US$ 35 milhões de milhões, ou seja, três vezes o tamanho do PIB da China.

Há alguns anos, os formuladores de políticas da China (e do mundo inteiro) decidiram que esta máquina estava fora de controle. Eles temiam que o sistema financeiro tivesse contraído tanta dívida que o país nunca geraria dinheiro suficiente para sair dela. Assim, a concessão de crédito da China desacelerou, provocando todos os tipos de volatilidade – mais recentemente no primeiro trimestre deste ano, quando os indicadores económicos de todo o país estavam a piscar no vermelho.

Entra Trump.

A China estabilizou a sua economia ao longo do último mês, em parte puxando algumas dessas alavancas de crédito antigas e usando as mesmas estratégias que vem implantando desde 2009. É sobre isso que Trump está a tentar falar neste tweet.

Aqui estão algumas coisas que a China fez em modo de crise no passado e que provavelmente fará agora:

– Cortar os rácios de reservas obrigatórias para o dinheiro que os bancos têm de ter disponível.

– Afrouxar os regulamentos (que variam de cidade para cidade) no mercado imobiliário para tornar mais fácil para as pessoas comprarem uma casa.

– Facilitar a obtenção de crédito para grandes empresas estatais e pequenas e médias empresas privadas.

– Apoiar o mercado de ações utilizando fundos públicos para comprar ações.

– Estabelecer um largo conjunto de projetos de infraestrutura – uma grande parte do que criou a bolha da dívida da China – se ficar realmente desesperada.

A China provavelmente também vai cortar alguns impostos, mas os EUA podem fazer (e, de facto, já fizeram) isso.

Todas essas medidas estão a distorcer o mercado e/ou ajudam a aumentar a pilha de dívida que os responsáveis políticos da China estavam a tentar reduzir. Isso significa que há limites para essas estratégias. Elas representam os mesmos riscos com os quais o mundo se preocupa desde há anos.

Além disso, os analistas questionam se irão alguma vez trabalhar contra uma guerra comercial e tarifas da magnitude que a administração Trump poderia impor

“Se pensarmos no que aconteceu no ano passado, temos uma desaceleração induzida pelo crédito com uma correção simples – apenas aumentar o crédito”, disse Charlene Chu, analista da China na Autonomous Research, à Business Insider, considerando a guerra comercial “um tipo de choque muito diferente”.

“A procura por produtos chineses reduzir-se-á”, disse ela. “Não está claro para mim que o velho manual de investimentos em infraestrutura e reduções de impostos seja suficiente para amortecer isso.”

A inveja é uma coisa feia

Agora, o que Trump fez de errado.

Por um lado, é improvável que a China baixe as suas taxas de juro de referência. Porquê? Porque quando isso acontece, isso coloca mais pressão sobre a moeda do país, o yuan. Foi o que aconteceu da última vez que cortou as taxas, em 2015.

Quando o yuan desce, a China tem de usar as suas reservas cambiais – como os títulos do Tesouro dos EUA, por exemplo – para comprar a moeda para sustentar o seu valor.

Durante anos, o yuan tem negociado numa banda estreita, entre 6 e 7 por dólar. Os analistas pensam que, se o yuan quebrar o valor dessa banda de variação, um limiar psicológico muito importante, os mercados globais irão entrar em convulsão.

“Quando você choca o mundo com os movimentos da moeda, você pode provocar uma tremenda volatilidade”, disse Chu.

Se a China cruzar “até 7, 7.2, 7.4, acredito que os mercados globais vão começar a assustar-se, as moedas asiáticas vão começar a mover-se, as ações globais vão afundar-se, o rendimento dos títulos vai cair, o mundo inteiro vai sentir isso”, acrescentou ela.

Portanto, talvez Trump se possa consolar com o conhecimento de que mesmo uma economia estatal autoritária tem as suas limitações – pelo menos tem-nas se quiser jogar nos mercados globais.

Há outras coisas que a China pode fazer que os EUA também não podem fazer. Por um lado, o Estado tem o controle dos media e, nos últimos dias, os meios de comunicação têm estado bloqueados, batendo os tambores por uma guerra comercial. Afirmam que os EUA não têm as ferramentas para se proteger contra uma desaceleração e que o sistema político chinês está preparado para conflitos de resistência como uma guerra comercial. O leitor pode esperar que este tipo de conversa se torne mais belicosa se a guerra comercial persistir.

De volta a Trump.

No seu tweet, ele pareceu um pouco invejoso de todas as ferramentas que a China tem à sua disposição, dizendo que se ele pudesse instruir o Fed a intervir na economia dos EUA da mesma forma que as instituições estatais chinesas, os EUA ganhariam a guerra comercial com facilidade. Mas não é isso que a economia dos EUA está preparada para fazer. Isso não é capitalismo real, e isso não faz parte da nossa sociedade democrática.

Durante o seu mandato, Trump tentou contornar o nosso sistema e ganhar mais controle do que a sua Administração deveria ter. Ele professou o seu muito interesse pelos autoritarismos e tentou copiar alguns movimentos da cartilha destes. À sua maneira, Trump tentou fazer com que o sistema económico dos EUA se parecesse mais com o da China.

Estes são sinais de que Trump não entende o que fez o nosso sistema financeiro ser tão bem-sucedido e ter a inveja não só da China, mas do mundo. Ter um presidente que não entende isso é uma fraqueza do nosso lado.

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