Sobre as razões que estão na base dos focos de tensão entre a China e os Estados Unidos – 5. A rivalidade EUA-China moldará o século XXI. Por Martin Wolf

Tensão EUA China 0

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

5. A rivalidade EUA-China moldará o século XXI 

Martin Wolf 2 por Martin Wolf

Publicado por FTimes, 10.04.2018

Republicado por Gonzallo Rafo (ver aqui)

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O crescente poder económico e político de Pequim coloca grandes desafios ao Ocidente

 A China é uma superpotência emergente. Os EUA são a atual superpotência. O potencial para confrontos destrutivos entre os dois gigantes parece potencialmente ilimitado. No entanto, os dois também estão intimamente entrelaçados. Se não conseguirem manter relações razoavelmente cooperativas eles têm a capacidade de causar enormes prejuízos não só entre eles, mas também para todo o mundo.

A China é um rival dos EUA. em duas dimensões: poder e ideologia. Esta combinação de atributos pode recordar o confronto com as potências do eixo durante a Segunda Guerra Mundial ou a guerra fria contra a União Soviética. A China é naturalmente muito diferente. Mas também é potencialmente muito mais poderosa.

O crescente poder, económico e político, da China é evidente. Segundo o FMI, o seu produto interno bruto per capita em 2017 foi de 14 por cento dos níveis dos EUA a preços de mercado e de 28 por cento quando calculado em termos de paridade do poder de compra (PPC), mais 3 por cento e 8 por cento, respetivamente, que em 2000.

Contudo, uma vez que a população de China é mais de quatro vezes maior que a dos EUA, o seu PIB em 2017 era 62 por cento dos níveis dos EUA a preços de mercado e de 119 por cento em paridade do poder de compra.

Admita que por volta de 2040, a China atinge um PIB relativo per capita de 34 por cento a preços de mercado e de 50 por cento em PPC. Isto implicaria um abrandamento dramático da taxa de crescimento que está a ter (uma queda de cerca de 70 por cento da taxa de crescimento desde 2000, começando em 2023). A economia de China seria então quase duas vezes maior que a dos Estados Unidos. em PPC e quase 30 por cento maior a preços de mercado. (veja os gráficos.)

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O valor de referência de 34 por cento que escolhi é o de Portugal de hoje. É duro imaginar que China, com as suas vastas poupanças, população motivada, mercados enormes e determinação pura poderiam não conseguir atingir a prosperidade relativa de Portugal. Isso ainda iria deixá-la muito mais pobre, em relação aos EUA, do que o Japão ou Coreia do Sul – as economias do leste asiático de rápido crescimento no passado.

A dimensão é aqui importante. É bastante improvável que a economia da China no seu todo não acabe por ultrapassar e de muito a economia dos Estados Unidos, mesmo se, em média, os americanos individualmente permaneçam muito mais prósperos do que o cidadão chinês médio. A China é também já um mercado de exportação mais importante do que os EUA. para muitos dos principais países, particularmente na Ásia Oriental.

Além disso, a China está a gastar quase tanto, em proporção do seu PIB, em investigação e desenvolvimento como países líderes de alto rendimento. Isto traduz-se, de facto, numa forte dinamização da inovação chinesa, o que eu observei recentemente numa visita à sede de Alibaba em Hangzhou. Além disso, a combinação da dimensão económica com as melhorias das tecnologias está a fazer da China uma potência militar com cada vez mais peso. Os EUA podem queixar-se disso. Mas não têm o direito moral de o fazer. A auto-defesa é um direito universalmente aceite pelas Nações.

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Assim é também com o direito ao desenvolvimento. Os Estados Unidos podem protestar contra o roubo pela China da propriedade intelectual. Mas todos os países no seu processo de desenvolvimento e convergência com os mais desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos no século XIX, apropriaram-se das ideias de outros e aplicaram-nas para sua própria vantagem.

A ideia de que a propriedade intelectual é sagrada também é errada. É a inovação que é sagrada. Os direitos de propriedade intelectual simultaneamente ajudam e prejudicam esse esforço. Deve-se alcançar um equilíbrio entre os direitos que estão demasiado restringidos e os que estão demasiado laxistas. Os EUA podem tentar proteger a sua propriedade intelectual. Mas qualquer ideia de que têm o direito (e a capacidade para o exercer) de impedir China de inovar para alcançar a prosperidade é uma ideia de loucos.

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A China constitui igualmente um desafio ideológico para os Estados Unidos em duas dimensões. A China é o que poderia ser chamado uma economia de mercado planeada. Também tem um sistema político não democrático. Infelizmente, as recentes falhas das economias de elevado rendimento do mercado livre aumentaram o brilho dessa economia de mercado planeada.

A eleição de Donald Trump, um admirador do despotismo, fortaleceu a atração pelo sistema político não democrático.

Os EUA, como já uma vez o dissemos, também tem o benefício de ter aliados poderosos e empenhados.

Infelizmente, Trump está também a travar uma guerra económica contra eles. Se a decisão de atacar a Coreia do Norte levar à devastação de Seul e de Tóquio, as alianças militares dos EUA acabariam. Uma aliança também não pode ser um pacto suicida.

 

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Gerir a concorrência entre estas duas superpotências vai ser difícil. Graham Allison de Harvard é fatalista no seu livro Destined for War: o conflito entre o poder atual (USA) e o poder ascendente (China) é quase inevitável. Uma guerra quente entre as potências nucleares pode parecer relativamente improvável.

Mas uma fricção em grande escala e assim o fim à cooperação necessária sobre as relações económicas parece provável. Não está claro como se irão resolver os conflitos de hoje sobre o comércio internacional. A cooperação sobre como gerir o bem comum da comunidade global já colapsou, dada a rejeição da Administração Trump da própria ideia da mudança climática.

O futuro da China depende da China. Mas as relações do Ocidente com a China estão na ordem do dia. Os EUA têm razão em insistir que a China cumpra os seus compromissos. Mas então os EUA e o resto do Ocidente também o devem fazer. A China não se vai sentir obrigada a respeitar as regras acordadas quando pressionada por qualquer país que trata essas regras com desprezo. A China não é, em todo o caso, a ameaça real. Essa relação pode certamente ser gerida.

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A ameaça é a decadência do Ocidente, e nisto incluindo em muito os Estados Unidos – a prevalência de extração de renda como uma forma de vida económica, a indiferença pelo destino de grande parte dos seus cidadãos, o papel corruptor do dinheiro na política, a indiferença pela verdade, e o sacrifício dos investimentos de longo prazo a favor do consumo privado e público.

É realmente uma tragédia que a melhor maneira que pudemos encontrar para escapar a uma enorme crise financeira tenha sido através de políticas monetárias com que se está a correr o risco de criação de novas bolhas. Podíamos ser melhores do que isto.

O Ocidente pode e deve viver com uma China em ascensão. Mas deve fazê-lo sendo fiel ao lado bom da sua própria natureza. Se quer controlar esta viragem da roda da história, deve começar a olhar para dentro de si mesmo.

 

 

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