A EXTREMA-DIREITA INTERNACIONAL AQUI ESTÁ ELA – QUANDO É QUE A ESQUERDA VAI ACORDAR, por LEA YPI

 

Lea Ypi, The far-right international is here—when will the left wake up?

Social Europe, 26 de Junho de 2019

EUROPP – European Politics and Policy – London School of Economics, 22 de Junho de 2019

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

As forças políticas mais hostis à integração europeia são também as únicas que formularam uma visão comum para a Europa.

 

Enquanto Marine Le Pen, Matteo Salvini, Geert Wilders e outros líderes de extrema-direita concluíram a sua campanha eleitoral europeia com uma manifestação conjunta em Milão e saudaram o início de uma “revolução pacífica” na Europa. Uma gravação reproduzia a ária de Puccini Nessun Dorma e o seu refrão de “Vincerò” (ganharei) encheu a Piazza del Duomo de Milão.

Eles não ganharam, ou pelo menos os avanços não foram tão significativos como se esperava. Mas os resultados em França, Itália e também no Reino Unido mostram que a extrema-direita foi bem-sucedida em algo indiscutivelmente mais duradouro – dando forma a uma visão nativista comum de uma Europa que não é nem puramente reativa nem nostálgica.

Em Milão, a extrema-direita falou a uma só voz. Jurou defender a verdadeira Europa, uma Europa dos povos e não as elites neoliberais oligárquicas. A campanha eleitoral foi composta por referências à imigração e ao Islão como ameaças comuns, ao património comum de Leonardo Da Vinci e Jeanne D’Arc e a uma visão que defendia as vítimas da austeridade contra as elites de Bruxelas.

A esquerda pode contestar os factos subjacentes a estas afirmações ou a boa fé subjacente às promessas. Os estudos mostram que a imigração beneficia as sociedades de acolhimento. Impostos fixos de 15%, como o defendido por Salvini, exacerbam a desigualdade. A intolerância religiosa dividiu o continente muito antes da ascensão do multiculturalismo. O patriarcado domina mesmo nas estruturas familiares seculares. A nossa herança comum é tanto a da opressão colonial como a da liberdade coletiva.

No entanto, apontar esses fatos isolados é pouco provável que desafie a grande narrativa da direita. A esquerda precisa da sua própria visão de uma revolução democrática pan-europeia, e não apenas de reagir à ameaça da sua homóloga de direita.

 

Mensagem partilhada

 

O segredo do avanço da nova direita é que ela pratica o que a velha esquerda costumava pregar. É uma nova internacional, com uma mensagem partilhada, uma visão partilhada de mudança social, adversários partilhados e agora uma plataforma política partilhada. Faz tudo isso cultivando raízes locais e falando uma linguagem que as pessoas entendem. Em vez de classes, fala de nações, em vez de política, fala de cultura e, em vez de capitalistas, fala de imigrantes.

No entanto, é paradoxal que as forças políticas mais hostis à integração europeia tenham sido também as únicas a formular uma visão comum daquilo que a Europa deve e não deve ser. É paradoxal que tenha sido Salvini a evocar os pais fundadores da Europa, desde De Gasperi a De Gaulle, e falar do seu sonho traído de uma Europa dos povos.

Em nenhum momento durante a campanha eleitoral houve um esforço concertado dos maiores partidos social-democratas para ocuparem em conjunto uma plataforma, organizarem um comício comum, refletirem criticamente sobre a Europa enquanto projeto comum, envolverem os seus ativistas nas deliberações sobre o seu futuro. Em nenhum momento tentaram fazer um balanço da crise de representação da Europa, nem reconheceram a sua cumplicidade na sua estrutura neoliberal falhada. Em nenhum momento tentaram compreender porque é que a direita se está a revelar tão eficaz para preencher o espaço vazio entre os representantes e os representados.

Iniciativas transnacionais plausíveis, como a do DieM25, estavam no bom caminho moral e politicamente. Mas sem uma história de mobilização política de massas e sem raízes locais, elas iriam permanecer sempre isoladas das forças tradicionais ascendentes e seriam atraentes apenas para um punhado de intelectuais.

 

Procurar vencer a direita

 

As eleições são normalmente o momento em que os partidos se ligam com os membros e os cidadãos comuns. O aumento da participação mostra que os cidadãos europeus não são indiferentes à Europa nem hostis à política. No entanto, embora as eleições europeias tenham sido saudadas em todo o lado como as mais importantes da história recente, as questões internas continuaram a dominar. O centro-esquerda continuou a procurar vencer a direita, na base da crítica do multiculturalismo, das fronteiras mais duras, das reduções fiscais – e, como previsto, perdeu terreno.

Em França e em Itália, a esquerda quase desapareceu, no Reino Unido tornou-se vítima da sua ambiguidade. Onde sobrevive, como em Espanha e Portugal, ou onde os Verdes fizeram progressos significativos, é por causa de compromissos claros contra a austeridade e colhendo os benefícios do único movimento de protesto pan-europeu que ocupou os ecrãs – as manifestações sobre as questões climáticas

É tempo de trazer essas campanhas isoladas de justiça social para toda a Europa e de as colocar ao serviço de um projeto político renovado. Os sindicatos, os imigrantes privados de direitos, os trabalhadores independentes, os ativistas sobre as questões climáticas, os militantes locais estão desiludidos pela atual estrutura económica, por um sistema de representação alienante e por anos de administração tecnocrática e de desmobilização política.

O centro está agora morto e, enquanto a esquerda radical e a direita radical lutam entre si, apenas uma delas tem potencial para assegurar uma justiça social duradoura sem a exclusão das minorias vulneráveis. Apenas uma delas tem a tradição política e os recursos democráticos para resistir ao racismo e à xenofobia, para se separar do neocolonialismo, para desafiar o capitalismo, para defender o meio ambiente.

A partir da esquerda, só a visão de uma federação europeia socialista oferecerá uma alternativa radicalmente nova ao status quo . A extrema-direita internacional aqui está ela. Quando é que a esquerda acordará?

 

Fonte: Lea Ypi , in Social Europe, The far-right international is here—when will the left wake up?, publicado em 26 de Junho de 2019 e disponível em:

https://www.socialeurope.eu/author/lea-ypi

1 Comment

  1. Nem federação, nem confederação. Antes doutra coisa mais tem de exigir-se Independência para as Nacionalidades oprimidas que abundam nesta Europa. O caminho a seguir-se é o dum regresso à Primeira Europa de que falava e defendeu o jurista bretão Yann Fouéré (LÉurope aux cent Drapeaux).Portugal como sendo na Europa o único Estado em que só há uma Nacionalidade (é uma autentica Nação/ Estado) não devia acompanhar todos os demais – que abundam por essa Europa – e que, de facto, não passam de Estados colonizadores, logo, direitistas.CLV

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