A GALIZA COMO TAREFA – reconhecimento – Ernesto V. Souza

Cando eu me consideraba o derradeiro supervivente dun pobo suicida, chegou a min a voz alentadora dun escritor. Era Antón Vilar Ponte.  A súa chamada tivo a virtude de xuntar a uns poucos galegos que non-os coñeciamos, pero que dende entón ficamos unidos por vencellos que somentes a morte vai rompendo… (Castelao, ANT, 404, mar. 1936)

São famosas, por repetidas e citadas, estas palavras saudosas e emocionantes, do grande Castelao. Apareceram na necrológica que escreve, no passamento do seu amigo e camarada, Anton Vilar Ponte. O que fora popular jornalista, escritor e depois político, deputado da ORGA e do Frente Popular pelo PG, e que em 1916 publicara, para além de artigos diversos de jornal a respeito, o vibrante folheto Nacionalismo gallego. Nuestra afirmación regional (Crunha, 1916). Volumezinho que, espalhado entre os escritores, intelectuais, rapazes novos e velhos regionalistas, foi fulminante para a criação da Irmandade da Fala na Crunha. Fundação que dá início, como sabemos, a constituição do movimento nacionalista galego moderno. O que, organizado, irá queimando aceleradamente fases e debates durante apenas 20 anos até que o Golpe de estado de julho de 1936, inicia outra aniquiladora, genocida e repressiva fase, que praticamente o desmantela.

A construção do estado espanhol, como realidade nacional é relativamente moderna, na sua forma atual centralista, nacionalista e castelhanocêntrica nasce depois das Guerras napoleónicas, por sobre as bases de uma primeira tentativa de centralismo bourbônico indicado no século XVIII. Porém, por causa da disformidade social e fragilidade económica, não terá força avondo para impor os seus critérios nacionalistas até que Madrid vaia se convertendo numa verdadeira capital financeira, industrial, cultural e económica. O que não acontecerá senão em duas fases: uma primeira (contestada) correspondente à construção do Estado moderno liberal capitalista no Reinado de Isabel II e outra, após parêntese revolucionária e republicana, quase nos finais do século XIX, com a Restauración Canovista.

Esta última fase, que se prolonga, agonicamente desde 1917 a 1923, até a proclamação da II República espanhola é a que define e na que se configuram os discursos, sentidos e orientações do projeto nacionalista Espanhol moderno, assim como as características mais significativas da estrutura territorial, populacional, social, cultural, académica, universitária, em mãos da oligarquia caciquil que emerge com ela e a impulsa radialmente desde Madrid.

Durante o franquismo a fragilidade económica e social e a supeditação ao caciquismo de estado, do tecido industrial, financeiro, bancário, económico,  da imprensa, da cultura e da administração, não permitiram que essa ideologia passasse de mensagens escolares e de palavras de ordem.

Será portanto a partir dos anos 70 e nomeadamente a partir dos anos 80 do século XX, quando as máquinárias escolares, administrativas e a televisão encetem a sério o projeto de laminação universal que permitirão que o projeto nacionalista espanhol encontre por fim a força necessária para levar a término os seus propósitos. Encontrando resistência (ativa no caso de Catalunha e Euskadi,  passiva no caso galego) por parte das nações sem estado que o conformam.

Na atualidade, com um modelo centralista cada vez mais acentuado e uma capital que medra em população e peso económico a um ritmo exponencial criando um estado assimétrico, parece evidente que o conceito chave é assimilação, e o projeto a madrilenização da população, condicionada por um bombardemento cultural, informativo do madricentrismo.

É por isso, e volvendo ao início, que o conceito de reconhecimento (Recognition) é interessante. A teoria, desenvolvida desde os anos 90, no mundo académico da sociologia e aplicada aos estudos co colonialismo e poscolonialismo permite iluminar os mecanismos psicológicos da resistência social e política.

crusoe at homeO reconhecimento tem uma dimensão normativa e psicológica. Antes de qualquer fase de agrupamento, de construção de coletivo que desenhe uma reação a assimilação, é preciso que se produza um reconhecimento do eu nos outros eu.

O mecanismo baseia-se na percepção, noutros, de atributos que se percebem como comuns ou compartilhados, aos que, por outra parte, se concede um valor (social, económico, simbólico). Isto pressupõe a adoção de uma atitude positiva em relação a outra pessoa, simplesmente pelo facto de ter esse atributo. E também implica que existe um vínculo, que se procura e reforça, e que os indivíduos assim reconhecidos conformam um ente coletivo, que têm obrigações e responsabilidades a respeito doutros. Reconhece-se-lhes, na realidade, um status normativo específico, normalmente de igualdade. 

O reconhecimento constitui uma necessidade humana vital e é a base tanto da construção da identidade pessoal quanto da estruturação da social, e portanto da nacional. É o elemento discursivo que dá pé ao estabelecimento ou a rotura dos patos sociais, da reivindicação dos direitos da comunidade e até da formulação desses direitos. Nesse sentido, a ideia motriz, fica bem explicitada no começo da emblemática Declaração de independência dos 13 Estados da Norteamérica de 1776:

When, in the course of human events, it becomes necessary for one people to dissolve the political bands which have connected them with another, and to assume, among the powers of the earth, the separate and equal station to which the laws of nature and of nature’s God entitle them, a decent respect to the opinions of mankind requires that they should declare the causes which impel them to the separation.

We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal; that they are endowed, by their Creator, with certain unalienable rights; that among these are life, liberty, and the pursuit of happiness. That to secure these rights, governments are instituted among men, deriving their just powers from the consent of the governed; that whenever any form of government becomes destructive of these ends, it is the right of the people to alter or to abolish it, and to institute a new government, laying its foundation on such principles, and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their safety and happiness. Prudence, indeed, will dictate, that governments long established, should not be changed for light and transient causes; and accordingly all experience hath shown, that mankind are more disposed to suffer, while evils are sufferable, than to right themselves by abolishing the forms to which they are accustomed. But when a long train of abuses and usurpations, pursuing invariably the same object, evinces a design to reduce them under absolute despotism, it is their right, it is their duty, to throw off such government, and to provide new guards for their future security. Such has been the patient sufferance of these colonies; and such is now the necessity which constrains them to alter their former systems of government. The history of the present King of Great Britain is a history of repeated injuries and usurpations, all having in direct object the establishment of an absolute tyranny over these states. To prove this, let facts be submitted to a candid world.

THE DECLARATION OF INDEPENDENCE. In Congress, July 4, 1776. THE UNANIMOUS DECLARATION OF THE THIRTEEN UNITED STATES OF AMERICA.

* Descarregar uma tradução em GZ-editora 2.

A maioria das teorias do reconhecimento pressupõem que, para desenvolver uma identidade individual, as pessoas dependem fundamentalmente do feedback de outros sujeitos (e da sociedade como um todo). A identidade são, pois, os outros. De acordo com essa visão, aqueles que são retratados pelos outros ao seu redor (ou por causa das normas, dos costumes, da língua e valores sociais imperantes) de uma forma unilateral ou negativa, terão quanto indivíduos, difícil uma integração social e terminarão na margem.

As vítimas do racismo, do apartheid e do colonialismo, os indivíduos cujos atributos culturais, linguísticos, religiosos ou sociais, não encaixam imediatamente nos processos de assimilação, sofrem danos psicológicos graves ao serem constantemente humilhados como seres humanos inferiores, ou cidadãos de segunda.

Porém, como todas as experiências de não-reconhecimento confrontam e violentam a identidade dos sujeitos, alguns dos afetados passam a estar particularmente motivados a resistir, nomeadamente quando encontram, no passado, na sua contorna próxima, ou noutros eles aqueles atributos com que se identificam e um reconhecimento alternativo que por sua vez reforça a identidade pessoal e constrói a identidade coletiva.

Do mesmo jeito que a assimilação está desenhada para confrontar e reduzir o choque ao espaço das individualidades (o indivíduo sem coletivo que não encaixa no modelo de Sociedade), o reconhecimento, promove o agrupamento, configura a ideia de um coletivo. E todo agrupamento humano, talvez por estar na própria natureza humana a experiência e noção de cooperação, desenvolve e potencia rapidamente normas, códigos, reforça as crenças e as identidades, que por sua vez configuram espaços, lugares de memória, objetos simbólicos, instituições, obras literárias, artísticas e musicais, língua, cultura, organismos políticos, educativos culturais, dando passo aos processos de invenções coletivos das tradições que sustentam as nações.

Por isso, é muito interessante, quando menos no caso galego, o papel que hoje estão a jogar as redes sociais, como espaços de reconhecimento, entre náufragos.

2 Comments

  1. Este artigo é magnífico vale muito mais que muitos densos livros as mais das vezes desasisados.
    Estes artigos teus apreende-nos muito e reconforta-nos.
    Obrigado, abanhos

  2. Achei na biblioteca de FiloloXÍa, da UDC, um livro coletivo de título A INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES, editado por Eric Hobsbawm, bem conhecido, e Terence Ranger. Cito a edição em português. Contudo, penso que o Ernesto diz e explica em breve o que os sábios citados precisam/imprecisam em 316 páginas

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