A AMÉRICA VISTA ATRAVÉS DA CRISE EM GERAL E A DO ENSINO EM PARTICULAR – III – AS UNIVERSIDADES AMERICANAS ESTÃO EM CRISE, por GEORGE FRIEDMAN

 

 

American Universities are in Crisis, por George Friedman

GPF, Geopolitical Futures, 19 de Março de 2019

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

As universidades de elite estão mais uma vez à procura de conformistas sociais em vez de perturbadores

 

Na semana passada, dezenas de pais ricos foram acusados de pagar a uma empresa para fazerem vigarice nos exames de admissão à faculdade ou de subornar funcionários para que os seus filhos fossem aceites em faculdades de elite. O número de pessoas envolvidas no esquema é pequeno, de modo que  o caso em si provou pouca coisa, excepto que todas as instituições humanas podem ser corrompidas. Mas há um ponto mais geral  que deve ser considerado. Este caso é um indicador de uma profunda crise nas universidades americanas. Sei que as crises profundas se tornaram uma banalidade hoje, a valerem meia dúzia de cêntimos, e  fabricadas por pessoas como eu com prazos para escrever, mas peço que tenham paciência comigo.

Vivemos numa economia baseada no conhecimento. As nossas universidades são as instituições sociais destinadas a produzir e educar a próxima geração que participará dessa economia. Mas as melhores universidades fazem mais do que isso. Elas ensinam aos que estão fora dos círculos de elite as maneiras e costumes do poder. Permitem-lhes conhecer outros que formarão as redes de autoridade indispensáveis à sociedade. Se o leitor for para Harvard, provavelmente não aprenderá mais sobre biologia em seu primeiro ano do que em uma escola pública. Mas certamente aprenderá algo que não é ensinado pelos professores, mas que contudo é de vital importância: como se encaixar na estrutura e nos costumes da influência.

Harvard é contundente sobre isso, embora talvez não saiba como é contundente. O site da escola  enumera  vários fatores considerados no processo de admissão. Um deles é particularmente impressionante: “Outros estudantes gostariam de dormir no mesmo quarto consigo partilhar uma refeição, participar de um seminário juntos, ser companheiros de equipa ou colaborar num grupo extracurricular bem unido?” Por outras palavras, a escola quer saber se um candidato está em conformidade com a ordem social. Excêntricos e não-conformistas – pessoas que têm opiniões radicalmente diferentes que podem ser ofensivas para alguns – não são realmente bem-vindos. Há, é claro, sempre a estranheza socialmente aceitável, mas os verdadeiros forasteiros, aqueles que têm crenças ou interesses que os levariam a não atrair companheiros de quarto, são excluídos.

De acordo com o jornal estudantil Harvard Crimson, cerca de 12% dos estudantes de Harvard são republicanos. Mas é improvável que estudantes com visões conservadoras, por exemplo, usem chapéus MAGA ou organizem comícios pró-vida, porque a maioria dos estudantes provavelmente não gostaria de viver no mesmo quarto que eles se o fizessem, e isso os tornaria inadequados para entrar em Harvard. O que está a faltar  em tudo isso é a ideia de que o candidato à entrada  deve ser obrigado a trabalhar e aprender com pessoas com as quais pode estar a discordar profundamente e a ter de enfrentar o facto de que aqueles que dele discordam podem não só ser razoáveis, mas até mesmo corretos.

Muitos saltarão sobre o desequilíbrio político no corpo discente, mas a questão mais importante é que Harvard baseia a sua política de admissão na conformidade social. E, ao fazê-lo, mina uma de suas mais importantes reivindicações: que promove a diversidade social. Tal como na década de 1920, as escolas de elite estão agora à procura de alunos que se encaixem, não daqueles que têm perspetivas diferentes ou desconfortáveis sobre a vida. Deveria ser o papel de uma universidade, como H. L. Mencken e outros disseram sobre os jornais, “confortar os aflitos e afligir os confortáveis”

O sistema universitário americano foi transformado após a Segunda Guerra Mundial pela GI Bill, que forneceu assistência educacional aos veteranos. Eles inundaram as universidades do país e foram admitidos em algumas das  suas melhores escolas. Fizeram-no superiormente e criaram a classe profissional em massa que alimentou a nação durante a década de 1970. Os GIs eram principalmente homens, muitos dos quais enfrentaram o abismo e viram-nos a sorrir de volta. Muitos outros não tinham estado em combate, mas entendiam a disciplina e sabiam que a vida não tinha que ser agradável, mas tinha que ser vivida.. Eles tinham que viver com estranhos de que talvez não tenham  gostado. Eles nunca esperavam ser rodeados  apenas por pessoas que tinham visões e experiências semelhantes às deles. Eles entendiam a diversidade de um modo pessoal e estavam lá para aprender os saberes e as  competências  que precisariam na próxima fase da vida.

Durante este tempo, o dinheiro fluiu em universidades do governo federal. O Projeto Manhattan, o esforço liderado pelos EUA para desenvolver uma bomba atómica, transformou universidades em centros de pesquisa sobre  segurança nacional. Eram parte integrante da vida americana e, nos anos 1950 e 1960, incluíam o melhor dos estudiosos emigrados da Europa. Enquanto leccionava por pouco tempo na Universidade Estadual da Louisiana, em meados da década de 1990, lembro-me de descobrir que o legado do filósofo político alemão Eric Voegelin, que fugiu da Alemanha na década de 1930 e ensinou na Louisiana State University, ainda estava vivo e bem vivo.

Quando eu fui para a faculdade, os candidatos ainda eram julgados pelos  seus méritos, mas a batalha ideológica já tinha surgido em Cornell e estava-se a  desenvolver numa discussão sobre o que era e não era socialmente aceitável em Harvard. Ter o ponto de vista errado (e eu  parecia sempre ter o ponto de vista errado) poderia impedi-lo de participar de festas de  licenciatura  e os debates sobre a Guerra do Vietname  começaram a redesenhar as linhas de separação como eram antes da guerra.

Hoje, essa divisão parece ainda mais profunda. De acordo com um estudo co-patrocinado pelo Conselho da Faculdade, há 800 mil veteranos ou familiares de veteranos matriculados em faculdades americanas sob a GI Bill pós-11 de setembro. Apenas 722, no entanto, estão matriculados nas 36 universidades mais seletivas do país. Essa é uma inversão impressionante dos números da GI Bill anterior. O que essa lei abriu há mais de 70 anos está agora encerrado.

Isto é parte do problema da mobilidade ascendente da nação. A classe média-baixa tem um rendimento  média anual de cerca de $35.000. Isso deixa um rendimento mensal de cerca de $2.500 por mês, dificilmente suficiente  para alugar um apartamento, mas é muito menos  do que o necessário para comprar uma casa. Eu cresci numa família de classe média baixa. Tínhamos uma casa pequena e um carro, mas hoje em dia, isso seria quase impossível. Para as famílias que enfrentam tais circunstâncias, ter uma educação universitária dá alguma esperança de que serão capazes de melhorar  a sua sorte na vida. Alguns desses estudantes podem até mesmo ter as qualificações para entrar numa faculdade de elite, mas a questão permanece se eles seriam aceites em tais escolas. Será que um católico devoto de uma casa de classe média baixa em Michigan seria bem recebido em Harvard? A universidade apoiaria essa diversidade?

Aqui está uma ideia radical. Ensinei filosofia política por muitos anos, e observei que os meus alunos não estavam muito entusiasmados por especular sobre Platão. Aos 19 anos de idade, as hormonas  de um aluno estão em alta e o desejo de ser amado por outros está no auge. Platão tem pouco a ver com isso. A ideia de ir para a universidade nesta idade teve origem na Idade Média, quando a universidade foi criada e a expectativa de vida estava situada  entre os 30 e 40 anos. 30. Agora, a esperança de vida é de cerca de 80 anos, e um jovem de 40 anos estaria muito mais disposto a aprender sobre Platão do que um jovem de 19 anos. Um estudante de 40 anos pode entender a importância da justiça; um estudante de 19 anos pode entender apenas que a aula está prestes a acabar .

As universidades estão a falhar de duas maneiras. Em primeiro lugar, elas voltaram a assumir o papel de guardiãs dos conformistas. Em segundo lugar, parecem incapazes de desempenhar o seu papel histórico não só na promoção da mobilidade ascendente, mas também na integração dos mais brilhantes dos pobres com a elite existente. Essa foi uma função vital e, como todos sabem, a agitação começa quando os jovens mais inteligentes deixam de ter  esperança.

A universidade tornou-se a principal barreira ao tipo de fermento social de que os Estados Unidos sempre desfrutaram. O problema começou quando as universidades deixaram de  se concentrar no rendimento escolar  e tentaram admitir estudantes com base em características pessoais que eram impossíveis de verificar. O resultado era inevitável. Recrutaram estudantes inteligentes, simpáticos e apreciáveis. Platão escreveu sobre Sócrates, que foi morto por ser um asno. Penso que ele também não teria sido aceite em Harvard .

 

Leia o original clicando em:

American Universities Are in Crisis

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1 Comment

  1. Saber não ocupa lugar .Muito interessante este artigo .Põe a nu o mito de Harvard .Nem imaginava tal tal perspectiva Foi grande a surpresa .Afinal HARVARD é um mito com pés de barro . Adorei a frase :” Platão escreveu sobre Sócrates, que foi morto por ser um asno”-inimaginável . Bem haja . Maria

    Sem vírus. http://www.avast.com

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