A AMÉRICA VISTA ATRAVÉS DA CRISE EM GERAL E A DO ENSINO EM PARTICULAR – IV – O COLAPSO DAS UNIVERSIDADES QUE SE AVIZINHA, por JAMES KUNSTLER

 

 

 

Fotografia de Charlie Samuels.

 

The Coming Collapse of Universities, por James Kunstler

Fabius Maximus Website, 23 de Março de 2019

Edição de Larry Kummer

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Resumo: James Howard Kunstler analisa o  colapso do sistema universitário  que se avizinha na América. São boas notícias. Não conheço ninguém que descreva melhor  que ele a decadência da sociedade americana, auxiliado pela sua poderosa escrita. Veja, depois do seu texto,  a minha  nota que acrescenta alguns detalhes de apoio à sua exposição.

ID 50435521 © Idiltoffolo | Dreamstime.

Coercion Meets Its Match

“A Coerção gera  a sua oposição “

Por James Howard Kunstler no seu site. Publicado com a sua permissão.

 

Como na lendária primavera zephyr (Alegoria da Primavera – de Sandro Botticelli) veio a notícia de que o Golden Golem of Greatness (também conhecido como Presidente Trump) assinou uma ordem executiva que iria reter fundos federais concedidos a  faculdades e universidades que não demonstram apoio à liberdade de expressão. Foi um espanto ver a terrível e hipócrita supressão da primeira emenda nos campus  de toda a nação, com seus ignóbeis códigos de expressão, espaços de segurança ridículos,  com os seus sinistros tribunais de canguru e cruzadas racistas contra a branquitude.

O mais maravilhoso de tudo tem sido o fracasso dos presidentes de faculdade, reitores, curadores e outros altos responsáveis das Faculdades  em afirmar  a sua autoridade e em tomar a posição que deve ser tomada  – ou seja, tomar uma posição contra o amordaçamento da liberdade de expressão pelos Estalinistas do campus. A sua passividade cobarde é um sintoma do que os historiadores do futuro irão identificar como o épico colapso institucional do ensino superior, que primeiro se transformou numa indústria como qualquer outro negócio para se ganhar dinheiro, e depois se tornou uma operação de extorsão titânica. E agora está tudo a vir ao de cima.

Nos próximos anos, iremos  ver  as faculdades a fecharem as suas portas  a um ritmo chocante e o contágio a espalhar-se  para os gigantescos sistemas estatais em todo o país. Só na minha pequena região, várias faculdades publicaram os seus próprios obituários nos últimos meses: Green Mountain College em Poultney, Vermont; Southern Vermont College em Bennington; e Hampshire College em Amherst, MA (que está desesperadamente à procura de uma aquisição). Esse é apenas o começo de uma onda de encerramentos s que vai enviar dezenas de milhares de hierofantes académicos a inundarem   os centros de desemprego enquanto dormem nos seus  carros.

ID 86092871 © Michaeljayberlin | Dreamstime.

Não é difícil ver como este fiasco se desenvolveu e floresceu. Nos anos 60, quando eu estava na faculdade, o marxismo ofereceu um modelo limpo e pré-concebido para opor ao odioso Establishment  que entrou na Guerra do Vietname. Os estudantes então, pelo menos, tinham a pele em  jogo: a ameaça de serem recrutados para o exército e enviados para morrer na selva por um conflito sem sentido. Na verdade, muitos jovens não aptos  para andarem na faculdade aí se refugiaram para fugir dos militares. Então, com um mercado em alta em  PhDs da Geração Boomer, as faculdades ficaram rapidamente cheias  com os antigos radicais dos anos 60.

Muitas eram mulheres Boomer, que se propuseram  explicar e corrigir a evolução das relações entre homens e mulheres nos locais de trabalho daquela época . Nessa altura, a guerra já tinha acabado. A economia doente dos anos 70 pôs fim à capacidade dos homens de sustentar uma família e mais mulheres foram forçadas a entrar no ambiente de escritórios. Enquanto isso, o progressismo radical precisava de uma oferta sempre nova de novas frentes de  lesados para justificar a sua agitação contra os velhos bichos marxistas dos valores burgueses e da opressão estrutural – e incidentalmente alimentar carreiras académicas. Daí a multiplicação das vítimas em categorias interseccionais úteis.

The Student Loan Mess: How Good Intentions Created a Trillion-Dollar Problem

Na década de 1980, também ficou evidente que a legislação de direitos civis dos anos 60 para acabar com as leis de Jim Crow não tinha resolvido os dilemas da raça na América, e que a deceção renovou a cruzada progressista  para curar o mundo da injustiça e da desigualdade. Todos os outros esforços para produzir resultados iguais para diferentes categorias de pessoas também se mostraram dececionantes, de modo que   agora os progressistas recorrem à simples coerção para forçar resultados iguais a todo custo, e em nenhum outro lugar esse comportamento é mais evidente do que nos campus na última década.

A ilusão de que todos devem ter uma educação universitária finalmente transformou o Ensino Superior numa fraude, quando o governo federal decidiu garantir empréstimos universitários – o que apenas levou as faculdades a aumentar as mensalidades muito além da taxa de inflação oficial e a empreender programas de expansão maciça na concorrência pela expansão da base de estudantes mutuários-clientes. Quase todas as faculdades agiram como intermediários  dessa barulheira de empréstimos, embora dado haver  garantias federais elas não tivessem nada a ver com esse jogo. Agora, a dívida pendente de empréstimos a estudantes é de US$ 1,5 milhão de milhões, e cerca de 40% dela é improdutiva, em linguagem eufemística de  banqueiro. Os estudantes mutuários foram enganados, muitos deles destruídos financeiramente para toda a vida, e eles só agora começaram a  expressar-se politicamente.

A ansiedade e o remorso por detrás desse comportamento financeiro vil, e a perspetiva da ruína institucional, é provavelmente um grande fator por detrás das histerias de justiça social engendradas que paradoxalmente tornaram os campus universitários intelectualmente os lugares menos livres  na terra – e intelectualmente inseguros! -. E transformou todos esses presidentes de faculdade em covardes e poltrões. Uma vez que a coerção é a única modificação de comportamento que os administradores das faculdades entendem hoje em dia, é razoável que Trump utilize  a generosidade federal como uma alavanca para acabar com o despotismo estrutural da cultura do campus. A cambaleante  economia encarregar-se-á do resto.

 

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Nota do editor

Kunstler descreve de forma dramática o futuro das faculdades americanas. Eles serão vítimas de sua própria ganância, comportamento irresponsável e das  mudanças tecnológicas.

Por exemplo, as faculdades concorrem entre si mostrando às crianças suas instalações luxuosas (muito mais agradáveis do que há 40 anos atrás, que por sua vez já eram mais agradáveis do que as de outros  40 anos atrás). Os vendedores da faculdade não mencionam que a criança pode ficar a pagar por essas comodidades para o resto da vida dela  sua (ou menos comumente da dele). É como levar um garoto de 18 anos a um comerciante da Porsche, vendendo-lhe um carro sem discutir o pagamento da dívida. É mais honesto vender crack nas esquinas das ruas. Como diz Matt Taibbi, nós tornámo-nos numa nação de escroques.

O número de funcionários nas faculdades e universidades americanas aumentou 2,6 vezes desde 1978, enquanto a população aumentou apenas 1,4 vezes. Pior ainda, muitas dessas pessoas ensinam disciplinas que pouco ou nada beneficiam a vida dos seus alunos – e que muito menos beneficiam os seus rendimentos futuros. Este último aspeto é importante, uma vez que o aumento vertiginoso do custo das propinas tem sido pago através da dívida. Em 1962 o governo federal concedeu $100 milhões em empréstimos estudantis e $1 milhar de milhões  em 1971. Os empréstimos de estudante pendentes  atingiram $480 mil milhões em 2006, e a $1.6  milhão de milhões  hoje. Aproximadamente um quinto de empréstimos federais ao ensino têm mais de 30 dias de incumprimento.

Este castelo de cartas educativo acabará por cair pela sua própria irracionalidade. Mas a tecnologia vai ajudar a empurrá-lo. O formulário atual da instrução foi desenvolvido em épocas medievais – quando os livros eram demasiado caros para estudantes individuais, e as aulas eram necessárias para disponibilizar a informação. Continuar  nesta via no século XXI é completamente louco. Os podcasts e a educação em linha podem disponibilizar uma educação de  qualidade a uma fração do custo de agora. Sem as cachimbadas,  sem os ajuntamentos noturnos   e as festas de  cerveja – suportados pelas poupanças  dos pais e pelos  empréstimos concedidos aos  estudantes.

Um fator decisivo será a perceção dos americanos de que obtemos benefícios fantásticos de uma pequena fração dos gastos com o ensino superior – e pouco ou nada   (em efeitos  negativos) com o resto. Gastamos 2,6% do PIB no ensino superior, muito mais do que noutras nações, mas recebemos pouco mais por isso (o nosso sistema de saúde tem uma dinâmica semelhante).

O segundo e mais decisivo fator será a ira dos americanos, que pagarão grandes somas para que os seus filhos sejam reeducados com desprezo de tudo o que foram ensinados a valorizar.

Podemos apenas adivinhar a natureza do novo sistema de ensino superior que irá substituir o nosso sistema atual, extremamente caro e de  fracos ganhos.  Mas isso certamente exigirá muito menos funcionários universitários. Menos professores de inglês e de estudos de género a fazerem  “investigação”. Menos bolsas de estudo para o remo feminino. Menos vice-presidentes altamente remunerados pela diversidade. Se for construído  com um pouco de sabedoria, este  novo sistema proporcionará educação de qualidade a um custo menor para mais pessoas do que o caos  que temos hoje.

Sobre James Kunstler: habitualmente eu considerava-o um homem deslocado, sombrio. Agora, concordo com ele em muitas coisas, tal como as descreve em : A new, dark picture of America’s future.

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About James Howard Kunstler

James Howard Kunstler (Wikipedia) worked as a reporter and feature writer for a number of newspapers, before working as a staff writer for Rolling Stone Magazine. In 1975, he began writing books on a full-time basis. Kunstler is the author of 12 novels and has been a regular contributor to many major media, writing about environmental and economic issues. He is a leading supporter of the movement known as “New Urbanism.”

He has lectured at Harvard, Yale, Columbia, Princeton, Dartmouth, Cornell, MIT, and many other colleges. He has written five non-fiction books. See more about the most recent one below.

See some of his recent posts about America. They’re all well worth reading!

For More Information

Ideas! For shopping ideas, see my recommended books and films at Amazon.

I recommend reading The Student Loan Mess: How Good Intentions Created a Trillion-Dollar Problem by Joel and Eric Best (U California Press, 2014).

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  1. Should we despair, giving up on America?
  2. The bitter fruits of our alienation from America.
  3. Andrew Bacevich looks at America’s political rot and describes solutions.
  4. Important: The bizarre but easy next step to fixing America – more about problem recognition.
  5. Kunstler describes the ugly fruits of America’s social decay.

About Kunstler’s most recent book

Too Much Magic: Wishful Thinking, Technology, and the Fate of the Nation.

Kunstler’s critically acclaimed and best-selling The Long Emergency: Surviving the End of Oil, Climate Change, and Other Converging Catastrophes of the Twenty-First Century (2005) quickly became a grassroots hit, going into nine printings in hardcover. Kunstler’s shocking vision of our post-oil future caught the attention of environmentalists and business leaders alike, and stimulated widespread discussion about our dependence on fossil fuels and our dysfunctional financial and government institutions. Kunstler has since become a key commentator on the future, profiled in The New Yorker and invited to speak at TED and other events. In “Too Much Magic,” Kunstler evaluates what has changed in the last seven years and shows us that in a post-financial-crisis world, his ideas are more relevant than ever.

“Too Much Magic” is what Kunstler sees in the bright visions of a future world dreamed up by overly optimistic souls who believe technology will solve all our problems. Their visions remind him of the flying cars and robot maids that were the dominant images of the future in the 1950s. Kunstler’s idea of the future is much more sober: he analyzes the various technologies (vertical farms, fracking, corn ethanol) suggested as overnight solutions to the energy crisis and finds none that he thinks will work long-term to cure a society dependent on gas-guzzling cars, in love with an inefficient ideal of suburbia, and unwilling to fundamentally change its high-energy lifestyle. Kunstler also offers concrete ideas as to how we can help ourselves adjust to a society where the oil tap is running dry.

With vision, clarity of thought, and a pragmatic worldview, Kunstler argues that the time for magical thinking and hoping for miracles is over and that the time to begin preparing for the long emergency has begun.

1 Comment

  1. Vejo neste artigo alguns dos motivos do ressurgimento dos neonazismos agora trumpistas: 1. O sindroma do Gui – o irmão mais novo da mafalda que sabe “ver que está a chover” mas que, ao culpar o governo, manifestamente não sabe identificar os culpados. A “culpa” do endividamento não é dos “empréstimos”, é de o ensino superior não ser universalmente gratuito mas sim um negócio que, natural, livre, liberal e capialisticamente evoluiu para fraude (como todos os mercados deixados à auto-(des)regulação). A “culpa” da ignorância não é dos curriculae que leccionam (ditas in-) úteis literaturas, histórias e filosofias, a “culpa” é de essas indispensáveis ferramentas para cidadãos cosmopolitas socialmente responsáveis e interventivos serem leccionadas como pastilhas de “concentrado de conhecimentos caducos” o mais distantes possivel da realidade contemporanea por forma a não permitirem ler, interpretar e modificar essa “realidade”. 2. A perigosissima e mui ideológica ignorância (ou reescrita?) da história. Por exemplo, as mulheres não entraram no mercado de trabalho nos anos 70, elas foram (durante 2 séculos) uma das componentes da guerra capitalista pelos baixos salários, fornecendo mão de obra mais barata pela mesma (ou maior) produtividade, elas inundaram as fábricas americanas desde 41 há medida que mais e mais braços masculinos iam para os pacificos, itálias e franças … e não sairam de lá em 50, só as “esposas” dos srs. professores é que de facto começaram a ter de trabalhar à medida que os srs. professores foram sendo proletarizados 😉 Não é só “dizer mal”, importa e muito a qualidade do mal que se diz. Já o texto II do David Barber, pareceu-me muito mais incisivo, real e verdadeiro 😉

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