Eleições no Reino Unido: uma tentativa de explicação dos resultados eleitorais desastrosos para o Partido Trabalhista, para Jeremy Corbyn, para o Reino Unido e para todos nós, gente de esquerda (2ª parte-conclusão). Por Júlio Marques Mota e Francisco Tavares

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em 20 de dezembro de 2019

2ª parte – conclusão

 

E o que nos mostra o quadro dos resultados eleitorais?

Que as classes média e alta inglesas, a quem não interessava nem o programa de redistribuição de rendimento nem os projetos de Corbyn contra a financeirização da economia inglesa, nem a sua postura face à União Europeia, manifestassem nas urnas o seu desagrado era já esperado. Mas o que não se esperava era que o golpe desferido fosse tão intenso. Para onde terá ido o seu voto ? Não poderiam votar num Boris Johnson, que tomavam como um bobo, como um outro Trump e do mesmo nível, nunca em Corbyn pelo que se disse, pelo que lhes restava votar num Partido “limpo” europeísta, os Liberais Democratas. Estes eleitores ao derrotarem Corbyn transformaram um voto perdido, dado o sistema inglês, num voto ganho face ao objetivo pretendido: derrubar Corbyn.

 

Mas vejamos alguns resultados eleitorais em concreto e comecemos pela zona de média e alta burguesia de Londres. Escolhemos circunscrições eleitorais de referência: Kensigton, City e Westminster e Chelsea.

[As principais legendas são: Azul, os Conservadores; Vermelho, os Trabalhistas; Laranja, os Liberais Democratas; Azul claro o Partido Brexit. Quanto à votação do referendo de 2016 (parte inferior dos quadros): Amarelo, Permanência na UE; Azul, Saída da UE]

 

A) Kensigton

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Clara deslocação de votos para os Liberais-Democratas que subiram 9,1%, mas sem tradução na obtenção de um lugar. Os trabalhistas perdem 4,3% dos votos e perderam o lugar para os Conservadores, apesar destes terem perdido 3,9% dos votos. No referendo de 2016, o Remain tinha tido uma confortável maioria.

B) City e Westminster

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Caso semelhante: deslocação de votos de Conservadores e Trabalhistas para os Liberais-democratas. Sem resultado prático para estes, que não obtêm o lugar. Ganham os Conservadores. No referendo de 2016, o Remain tinha tido uma confortável maioria.

C) Chelsea

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Os Conservadores perdem 2,8% dos votos mas mantêm o lugar, os Liberais Democratas ganham 14,9 % dos votos e os Trabalhistas perdem 10% dos votos. Encontramos o mesmo tipo de deslocação de voto que nos casos anteriores. Também em 2016 o Remain tinha tido uma larga maioria.

 

Vejamos agora as zonas varridas pelos ventos agrestes da globalização:

D) Don Valley

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Em Don Valley, os Conservadores ganham o lugar aos Trabalhistas, que perderam 17,6% dos votos para …. o Partido Brexit que obteve 13,7% dos votos! É uma circunscrição que em 2016 alinhou com larga maioria pelo Brexit.

E) Doncaster Central

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Apesar de terem conseguido segurar o assento no Parlamento, também aqui os Trabalhistas perdem votos, e muitos (17,9%) que vão qause inteiramente para o Partido Brexit que obteve  16,5% dos votos.

F) Doncaster North

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Situação idêntica a Doncaster Central: os Trabalhistas seguram o lugar, mas perdem 22,1% dos votos que foram para o Partido Brexit (20,4%).

G) Workington

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Bem no norte de Inglaterra, era uma circunscrição histórica dos trabalhista, desde 1918, e que cai agora para os Conservadores. Aqui o Partido Brexit obteve 8,3% dos votos.

H) Ashfield

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Situada no centro de Inglaterra, em Ashfiel os Trabalhistas perdem 18,1% dos votos, que foram engrossar o Partido Independentes (+27,6%). Os Conservadores apesar de uma pequena descida ganharam o lugar aos trabalhistas.

I) Bassetlaw

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Aqui o Partido Trabalhista perde para todos e perde o lugar para os Conservadores, depois de 90 anos de domínio: 24,9% a favor dos Conservadores (11,9%), dos Liberais Democratas ( (4,4%) e do Partido do Brexit (10,5%).

Sobre esta circunscrição vale a pena reproduzir o que disse o candidato trabalhista derrotado:

Após a derrota humilhante, o Sr. Mann disse que as conversas que teve com os eleitores do seu círculo eleitoral sugeriram que eles eram hostis a Jeremy Corbyn e frustrados com a falta de progresso significativo no Brexit.

Ele disse: “[Os eleitores disseram] Nós não queremos Corbyn, não estamos a desejar ter Corbyn. Eles decidiram não votar no Partido Brexit, mas votar em Boris Johnson por causa de sua mensagem de fazer o Brexit.”

E este candidato acrescentou: “Se o Partido Trabalhista não aprender a lição, o Partido Trabalhista poderá muito bem deixar de  existir.”

J) Barnesley Central e Barnesley Leste em que os resultados são muito semelhantes

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Os trabalhistas mantêm o lugar, mas têm uma hemorragia de votos para o Partido Brexit.

 

Os seguintes quadros apresentados pelo The Telegraph, parecem uma boa síntese dos quadros que temos vindo a apresentar:

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E pensamos que não vale a pena continuar a apresentar dados para mostrar a situação de sandwiche em que ficou colocado Jeremy Corbyn, quer pelas classes de menores rendimentos quer pela classe de rendimentos médios altos.

Uma lição se pode tirar destes movimentos de votos: enquanto que nas zonas ricas se pretende dar força ao Partido Liberais Democratas, à boa maneira do En Marche em França, o movimento ao norte da Inglaterra com deslocação massiva dos votos para os Partidos Brexit e Conservadores exemplifica o que aconteceu igualmente no Norte de França com a deslocação dos votos a favor de Marine Le Pen.

As lições a tirar são óbvias, mas a mais imediata delas todas é o sentimento pró-Brexit da população inglesa: é só somar os votos Conservadores mais Brexit e temos uma parcela muito importante da população inglesa a defender a saída da UE, o que não deixa margem para dúvidas do erro tremendo que foi Corbyn ter-se deixado capturar pela força interna dos blairistas. O preço que todos, ingleses e não ingleses, iremos pagar por esta derrota será alto, não tenhamos dúvidas.

 

Não obstante, fizemos um pequeno exercício em torno dos resultados destas eleições, introduzindo a hipótese de que fosse perfeitamente proporcional a tradução do número de votos em assentos no Parlamento. O resultado é verdadeiramente extraordinário:

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Mesmo se admitíssemos alguns ajustamentos resultantes de, por exemplo, o estabelecimento de uma quota mínima de votos para eleger um deputado, ou uma certa ponderação do peso populacional dos círculos eleitorais, não deixa de ser verdadeiramente impressionante a distorção da representação dos eleitores no sistema do Reino Unido.

Desde logo, o partido Conservador estaria longe de uma maioria absoluta (326 deputados). Partidos como os Liberais Democratas ou os Verdes teriam uma representação radicalmente diferente no Parlamento. O mesmo vale, pela negativa, para o Partido Nacional Escocês. E o Partido Brexit estaria representado no Parlamento, e com mais de uma dezena de deputados.

Que democracia é esta que deixa sem representação, ou subrepresentados, qualquer coisa como 15% do eleitorado?

Na realidade, a vitória de Boris Johnson é a vitória dos lugares (do Parlamento). Na realidade do peso dos votos essa vitória não é tão esmagadora como se pretende. Representa 44% dos votos expressos. 56% dos votantes não se revêem no partido Conservador. E o partido Trabalhista com o Manifesto que apresentou, não obstante os ataques de que foi alvo, representa mais de um terço do eleitorado (32,2%). Mas a vitória esmagadora é a realidade, virtual, que os meios de comunicação apregoam e com que enchem diariamente os ouvidos das pessoas.

Alguém dizia, a propósito da desindustrialização da Grã-Bretanha, “o que não entendo é onde é que isto vai parar? Como podemos continuar assim? Já não fazemos nada. Se não fazemos nada, não temos nada para vender, então…. como vamos sobreviver? É isso que me preocupa…. Este espaço enorme e vazio aqui não é… nada. Quando se deita abaixo uma fábrica e todos os empregos desaparecem é o que se espera ver. Nada.

E em forma de conclusão deixem-nos aqui recordar o que nos diz o blairista Jonathan Freedland sobre a função do Partido:

É para isso que serve um partido político. Um partido não é um passatempo; não é um grupo de pressão que existe para abrir um pouco mais a janela de Overton; não é uma associação para fazer amigos ou promover conversas e seminários estimulantes; não é um “projeto de 30 anos”. O seu propósito é ganhar e exercer poder no aqui e agora. Ou é um veículo plausível para assumir o governo ou não é nada”.

É a voz do pragmatismo, do poder, sem dúvida. Mas, sendo assim, resumido a isso, onde fica a democracia?

 

 

1 Comment

  1. Tal como foi a situação inglesa no final da Guerra de 39-45, agora, terminada a ocupação pela UE – IVºReich – os negócios podem perder-se mas a honorabilidade volta a ganhar-se.Os trabalhistas que continuam a viver dos ensinamentos do Sermão das Montanhas – e não da combatividade do legado político deixado por W.Churchill – não souberam – como deviam – ajudar à derrocada da UE – IVºReich.
    Mesmo quando o chamado Reino Unido tiver perdido a Escócia, Gales e o resto da Irlanda o Atlântico – como deve ser – nunca será dos Estados Continentais da Europa. Isso basta. CLV

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