JEREMY CORBYN, UM POLÍTICO QUE SE DISTINGUE PELA SUA SERIEDADE – a razão de ser de uma série – por João Machado

 

Ao Júlio Marques Mota, que teve a ideia desta série 

 

Apresentámos aqui  n’A Viagem dos Argonautas, nos últimos três meses, uma série de trabalhos incidindo sobre a carreira política de Jeremy Corbyn  e a história do partido trabalhista britânico. A selecção e tradução foram efectuadas pelo Júlio Marques Mota, e o signatário destas linhas postou-as. A intenção subjacente foi dar relevo às dificuldades muito fortes com que se depara alguém que tenha desenvolvido uma carreira política muito próxima das populações que representa, por para isso ter sido eleito, e que tem convicções que lhe indicam dever permanentemente pugnar pela preparação e implementação de medidas de curto, médio ou longo prazo, que assegurem respostas às suas problemáticas. Para além disso, tentámos reunir elementos que ajudem a pôr a claro as razões porque os poderes públicos e a sua condução tendem a ir parar a mão de oligarquias (oligarquia =preponderância de um pequeno número de pessoas nos negócios públicos – vide Grande Dicionário da Língua Portuguesa – Círculo de Leitores, com coordenação de José Pedro Machado) dominantes, e a pôr a claro também os mecanismos que utilizam, por toda a parte. Nesta série debruçamos-nos sobre o Reino Unido e também sobre a União Europeia, Sentimos este que é apenas um pequeno contributo para o lançar de uma longa discussão, cheia de contradições, mas indispensável, se se quer que as pessoas, os cidadãos recuperem a fé na democracia (alguma vez a tiveram?) e mais ainda, uns nos outros, e construírem sociedades mais progressivas e saudáveis. Apresentamos mais as situações decorrentes de duas catástrofes que ocorreram em sociedades ocidentais, sobre as quais geralmente se pensa serem mais seguras e prósperas, e que atraem inúmeros habitantes de outras partes do mundo, procurando precisamente segurança e prosperidade.

Jeremy Corbyn, que fará 71 anos em Maio próximo, tem sido eleito para a Câmara dos Comuns desde 1983 pela circunscrição de Islington North, situada na Grande Londres. Em 2015 assumiu a chefia do partido trabalhista, e conduziu-o a um reassumir dos princípios de esquerda e do socialismo, muito postos em causa sob a liderança de Tony Blair, Gordon Brown e outros. Nas eleições de 2017 o partido obteve um reforço de 30 lugares na Câmara dos Comuns. São conhecidos os resultados da eleição de 12 de Dezembro de 2019, que deu a vitória, com maioria absoluta, ao Partido Conservador, sob a chefia de Boris Johnson. O partido perdeu cerca de 60 lugares,

Esta derrota do partido trabalhista britânico nas eleições de 12 de Dezembro foi apresentada por muita gente como sendo a derrota de Corbyn e dos seus ideais. As velhas bases do partido escolheram outras opções. Os seus adversários, e não só, acusaram-no de não tomar uma posição clara quanto ao Brexit. Aqui é preciso referir que se, por um lado, Corbyn sempre foi crítico das políticas da UE e favorável a uma saída da organização, por outro, como líder do partido trabalhista, tinha de ter em conta que uma grande parte dos militantes e aderentes, incluindo muitos dos que aderiram já sob a sua liderança, apoiavam a permanência, o Remain. Julgo não errar afirmando que Corbyn avançou para as eleições sem assumir abertamente a sua posição quanto ao Brexit para não fracturar o seu partido, pois as suas bases operárias tradicionais apoiaram na maioria o Brexit. E sabia também que para implementar as políticas que defendia tinha de sair da UE. A partir do momento em que Boris Johnson conseguiu assinar com a UE o acordo para a saída, em Outubro passado, Corbyn, estando na oposição, tinha de ir à disputa eleitoral para poder implementar as suas políticas. E teve de enfrentar a intensa propaganda desenvolvida directamente contra a sua pessoa, de braço dado com o apelo no sentido de valorizar o papel da Grã-Bretanha no mundo (para muitos britânicos ainda é uma superpotência), o facto de o país ser uma monarquia (a rainha Isabel II, apesar dos problemas familiares, há muito tempo que não tinha tanto destaque na vida pública), os problemas relacionados com o que se costuma designar por defesa nacional (veja-se o debate sobre os mísseis Trident e que o Reino Unido é um membro da NATO), a relação com o Commonwealth e outros aspectos do nacionalismo tradicional.  Boris Johnson e os seus apoiantes conseguiram que a campanha eleitoral fosse centrada sobretudo no Brexit, em detrimento de uma discussão aprofundada sobre as alterações políticas, económicas, sociais e outras necessárias para conseguir melhorar a vida dos cidadãos do Reino Unido, e de uma análise da política internacional orientada para a paz, a resolução dos conflitos que devastam várias zonas do globo, e dos problemas dos emigrantes e das alterações climáticas. Uma das habilidades que o ex-presidente da câmara de Londres fez, na campanha para as eleições de 12 de Dezembro foi meter muitas das propostas do adversário no seu programa. Entretanto, muitos apoiantes do Remain persistiram na insistência no segundo referendo, isto apesar do Brexit já estar praticamente decidido (1).

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A quem quiser ter uma ideia de como Boris Johnson vai governando o seu país recomenda-se que leia no Huffington Post as crónicas do editor de política Paul Waugh (The Waugh Zone). Em especial a de 22 de Janeiro último “Tyranny-saurus Rex” ou “Blue Wednesday For Labour MPs As Boris Johnson Rams Home His Majority(2). Chama-se em especial a atenção para o caso dos trabalhadores da cadeia de padarias Greggs e para o corte sofrido por alguns dos seus trabalhadores mais mal pagos, assim como para as respostas dadas sobre esse assunto por Boris Johnson a Jeremy Corbyn quando este levantou o assunto na Câmara dos Comuns e outras. O novo primeiro ministro terá chegado a remeter o seu oponente para os resultados das eleições de 12 de Dezembro, obviamente para fugir ao debate concreto do assunto em discussão.

Não será excessivo, aqui, recordar a resposta de Breno, chefe dos celtas sênones, que assaltou Roma no século IV antes de Cristo, e obrigou os romanos ao pagamento de um resgate. Quando estes protestavam por Breno usar pesos viciados no acto de pesagem do ouro, o chefe gaulês atirou a espada de ferro para um dos pratos da balança e bradou Væ victis!, “Ai dos vencidos!”. Parece que forçou os romanos a pagar tudo.  Vinte e tal séculos depois estamos um pouco mais sofisticados, não andamos de espada nos parlamentos (pois, pois, espero que esta minha afirmação não seja desmentida já amanhã), mas a diferença não é assim tão grande. Alguns trabalhadores da Greggs, com as últimas mudanças terão levado um corte de mais de 200 libras num bónus anual destinado a suportar as despesas sociais (salvo erro), E Johnson cortou a discussão com Corbyn, não com a espada, é verdade, mas com o resultado de uma eleição geral. Assim nestes termos: “I refer the Right Hon. Gentleman to the answer that the British people gave to him four weeks ago”.(Chamo a atenção do Respeitável Cavalheiro para a resposta que o povo britânico lhe deu há quatro semanas. O signatário espera ter conseguido traduzir bem a frase). Paul Waugh diz-nos na sua crónica que lhe parece que esta vai ser a resposta de recurso para tudo do ilustre Boris Johnson (o adjectivo é do signatário) até ser eleito o seu substituto.

“Vae victis!” Breno joga a sua espada nas escalas. Ilustração por Paul Lehugeur (1854-1916)                                                          “Histoire de France en cent tableaux” by Paul Lehugeur, Paris, 1886

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Nesta época dominada pelos efeitos crescentes das alterações climáticas, guerras regionais de maior ou menos dimensão, grandes vagas de refugiados, crises financeiras e outros fenómenos, a análise de como os poderes públicos reagem perante os desastres naturais, incêndios, epidemias e outras ocorrências semelhantes, é muito importante para permitir aos cidadãos avaliar a capacidade, disponibilidade e isenção dos serviços que os constituem e das pessoas que os integram e dirigem. E para eles poderem tirar ilações. Vamos referir um caso que teve grande impacto na opinião pública britânica e não só.

Apresentamos a situação das pessoas que habitavam a Torre Grenfell, em Kensington Norte (seriam cerca de 300, ao que conseguimos apurar), e ficaram sem casa após um incêndio que ocorreu em Junho de 2017, causando 72 mortes. A Torre Grenfell era uma propriedade municipal, situada no bairro real de Chelsea e Kensington, um dos mais ricos do país, segundo nos informa a Wikipedia. Existia um grande contraste entre a Torre Grenfell, de 24 andares, com pequenos apartamentos de 1 e 2 quartos, e uma parte comercial, e a zona envolvente, na medida em que os seus moradores eram, geralmente, pessoas de escassos recursos e estatuto social pouco elevado. A dimensão da tragédia teve impactos a todos os níveis. Apresentamos em nota de pé de página alguns links para se aceder a vídeos e notícias que permitem obter uma ideia do que se passou (3).

Pelo que se consegue perceber os apoios aos sobreviventes foram numerosos, mas nem sempre satisfatórios. Houve muitas questões com os realojamentos. Nas notas em baixo, incluídas em (3) poderão encontrar várias referências. De frisar que o problema do revestimento do prédio, cuja natureza parece ter contribuído muito para agravar a gravidade do incêndio, não parece ter tido ainda o necessário seguimento, na medida em que revestimentos do mesmo tipo terão sido usados noutros lados. E os bombeiros, em termos das suas condições de trabalho e da quantidade e qualidade do material que lhes está distribuído, parece que também têm problemas significativos em Inglaterra.

Foto AP

A seguir apresentamos um trecho de uma  intervenção de Jeremy Corbyn na Câmara dos Comuns a propósito da torre de Grenfell, em 30 de Outubro passado. A tradução é de Júlio Marques Mota:

 

“Todos os responsáveis por esta tragédia evitável devem ser levados à justiça e devem ser tomadas todas as medidas necessárias para evitar que um incêndio como o de Grenfell se repita.

No entanto, dado o âmbito limitado do inquérito acordado pelo governo, e o facto de a fase 1 apenas analisar o que aconteceu na noite de 14 de junho de 2017, muitas questões ficam inevitavelmente sem resposta e as recomendações não abrangem a gama de questões que necessitam de ação urgente por parte dos ministros.

A Primeiro-Ministro fala sobre ” dizer toda a verdade”, mas isso ainda não está connosco. À luz do foco particular sobre as ações da Brigada de Bombeiros de Londres na fase 1 do relatório do inquérito, pedimos que as recomendações feitas pela Brigada de Bombeiros de Londres recebam a resposta completa que elas requerem.

No entanto, dado o âmbito limitado do inquérito acordado pelo governo e o facto de a fase 1 apenas analisar o que aconteceu na noite de 14 de junho de 2017, muitas questões ficam inevitavelmente sem resposta e as recomendações não abrangem o leque de questões que necessitam de ação urgente por parte dos ministros.

A resposta do governo ao incêndio da Torre de Grenfell tem sido muito lenta e muito fraca em todas as frentes, desde o realojamento dos sobreviventes até lidar com o revestimento ACM usado em Grenfell e em centenas de outros blocos de torres em todo o país. O Primeiro-Ministro e o Governo têm agora de agir com urgência em relação aos seus fracassos desde o incêndio da Torre de Grenfell:

– A incapacidade de aprender as lições dos anteriores incêndios em edifícios altos sem uma resposta adequada às recomendações dos médicos legistas feitas em 2013 na sequência dos incêndios da Lakanal House e das Torres Shirley.

– A incapacidade de realojar os sobreviventes com algumas famílias que ainda vivem em hotéis e em alojamentos temporários mais de dois anos depois do desastre.

– A incapacidade de realojar blocos identificados com perigosos revestimentos de estilo Grenfell. Desgraçadamente, 8 em cada 10 blocos residenciais ainda não substituíram o revestimento ACM.

– E a incapacidade de identificar revestimentos não ACM suspeitos com testes em revestimentos potencialmente perigosos ainda não terminou em que já passaram mais de dois anos.

A resposta do governo tem sido inadequada, indiferente e francamente insultuosa. Grenfell Tower não teria acontecido aos ricos londrinos. Aconteceu aos londrinos pobres e principalmente aos migrantes.

Os últimos nove anos viram os cortes deste governo conservador degradar o nosso serviço de bombeiros e de salvamento. Temos agora menos bombeiros, menos aparelhos de combate a incêndios e tempos de resposta mais lentos. Enquanto os bombeiros desinteressadamente arriscam as suas vidas para proteger os outros, o governo optou por não lhes fornecer os recursos e o apoio de que precisam.

Entre 2010 e 2016, o governo cortou o financiamento central em 28% em termos reais, seguido por um corte adicional de 15% até 2020. Estes cortes levaram a menos 11.000 bombeiros (um corte de 20%). Como prefeito de Londres, o agora primeiro-ministro estava na vanguarda dos cortes sobre o nosso Corpo de Bombeiros. Nos oito anos em que foi prefeito, o Corpo de Bombeiros de Londres foi obrigado a fazer uma economia bruta de mais de £100 milhões de libras, cortando 27 carros de combate a incêndios, 552 bombeiros, 324 funcionários de apoio, duas unidades de resgate de incêndio, três aparelhos de treinamento e encerrando dez postos de bombeiros de Londres.

Sr. Presidente [da Câmara dos Comuns], Grenfell não deve voltar a acontecer. Aconteceu devido à negligência e à imprudência de um governo conservador, de um Conselho conservador e de um Presidente da Câmara conservador de Londres. A noite de 14 de Junho de 2017 nunca será esquecida, mas o que é igualmente importante é que nunca mais volte a acontecer. O facto de este governo ter arrastado os pés – de o mesmo revestimento se encontrar em blocos semelhantes de altura elevada, de os aspersores não terem sido instalados, de milhares de pessoas irem para a cama esta noite e de amanhã à noite não se sentirem seguras – deveria envergonhar este governo.” (4)

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Entretanto, em Portugal, em Novembro de 2014, portanto cerca de dois anos e meio antes do incêndio da Torre Grenfell, ocorreu em Portugal, no concelho de Vila Franca de Xira uma epidemia de legionella, provocada, ao que se conseguiu apurar, por emanações de torres de arrefecimento de uma fábrica situada na parte sul daquele concelho serem portadoras da bactéria legionella pneumophila, que terá sido expelida para o ambiente exterior. Terão havido fontes de vapores portadores da bactéria, mas não foi possível chegar a conclusões completamente seguras.

Segundo um estudo efectuado em França o agente patogénico pode viajar até 6-7 quilómetros de distância (5). Não existem vacinas para a doença, e a taxa de mortalidade será relativamente elevada para quem a contrai. Existem várias estirpes de legionella pneumophila. E haveria problemas de manutenção naquelas torres de arrefecimento, que poderão ter sido agravados com a introdução em 2013 de legislação que suspendeu a obrigatoriedade de fiscalização à aparelhagem por onde circula o ar interior de fábricas, hospitais, escolas e outros edifícios e às torres que o expelem para a atmosfera (Decretos-Lei 118 e 127/2013 de 20 e 30 de Agosto).

Esta catástrofe causou 12 mortos, entre cerca de 400 pessoas afectadas. Muitos dos afectados ficaram com sequelas graves, que prejudicam as suas capacidades de exercer um profissão ou mesmo de ter um dia a dia normal. Ocorreram mais falecimentos posteriormente. Muitas famílias viram as suas vidas afectadas. Vejam na nota de pé de página notícias referentes a casos de pessoas afectadas pela epidemia (6),

Alguns sinistrados tentaram movimentar-se no sentido de obterem o reconhecimento dos danos que tinham sofrido e uma compensação financeira e moral. E o Ministério Público abriu um processo de inquérito sobre o que teria ocorrido. Depararam-se com graves dificuldades, ao nível da legislação e ao nível de recolha de material da expectoração para se poder constituir prova. No final, só em 73 casos se obteve prova de que a estirpe da bactéria que afectou o doente coincidia com a emitida pela ADP. Não foi possível provar que outro doente tenha sido contaminado por outro emissor. Na sequência o Ministério Público só avançou com 58 processos (número a confirmar) de sinistrados que pediram a instrução dos respectivos processos, que estão a correr actualmente no Tribunal de Loures. Por outro lado, o Ministério Público deduziu acusação contra a ADP-Adubos de Portugal, a GE (SUEZ II), esta última responsável por assegurar a manutenção das torres de arrefecimento da primeira, e também a 7 funcionários destas empresas. O Tribunal de Instrução Criminal de Loures terá de decidir se estes processos vão a julgamento, Das informações que o autor destas linhas conseguiu recolher, se bem entendeu, inferiu que estes processos às duas empresas e aos sete funcionários se encontram suspensos, a aguardarem se há ou não acordo entre as vítimas  e todos os acusados.  Já estarão a ser pagas indemnizações às vítimas que pediram a instrução dos processos, que rondarão os 8 mil euros a cada uma (informação a confirmar) (6).

Entretanto, em 1917, foi constituída a AAVL – VFX, Associação de Apoio às Vítimas da Legionella de Franca de Xira, (7) por associados descontentes com o rumo dado pelos tribunais e pelos restantes serviços públicos. A sua sede é no Bairro Soda Póvoa, no Forte da Casa (na União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa),

A AAVL tem procurado desenvolver a sua acção em várias frentes. Na parte legislativa movimentou-se junto da Assembleia da República, no sentido de sensibilizar os vários grupos parlamentares para a necessidade de rever a legislação aprovada em 2013, que desregulamentou os controlos sobre as emissões para a atmosfera e criar legislação específica para a legionella. (ver votações feitas em 4 de Maio de 2018, através da nota 8). Conseguidas as alterações legislativas respeitantes (Lei 52/2018, alterações ao Decreto-Lei 118/2013), faltará acompanhar a respectiva aplicação. Já ocorreram outros casos de legionella, depois do de Vila Franca de Xira, em Novembro de 2014.

Mas a maior questão que a AAVL – VFX enfrenta é sem dúvida a de procurar uma solução para os trezentos e tal casos que não serão de modo nenhum abrangidos pelos acordos acima referidos entre vítimas e acusados. Neles estão incluídos familiares das vítimas que faleceram ou ficaram afectados devido à legionella. Para além disto o signatário tem dúvidas sobre se mesmo os já abrangidos poderão considerar como já como tendo inteiramente satisfeitos todos os prejuízos que sofrerem. Pensando só nas despesas a que devido à epidemia já tiveram, têm e terão de fazer face, é duvidoso que 8000 euros sejam suficientes na maioria dos casos. Para além das despesas estritamente no campo da saúde, pense-se nas custas judiciais e nos honorários dos advogados (que também têm direito a ver o seu trabalho remunerado). Isto sem falar dos prejuízos profissionais e no campo familiar.

Em Outubro passado, a AAVL – VFX avançou com uma acção popular contra o Estado (9). Aguardam-se informações sobre o seu percurso. A AAVL, caso a acção popular não ganhe, tem como objectivo avançar para o Tribunal Europeu. Entretanto, é indispensável referir que a AAVL – VFX tem como único recurso as reduzidas quotas que pagam os seus associados. Estes são na sua maioria pessoas de poucos recursos. Há com certeza vítimas que não se aproximam da AAVL precisamente por lhes faltarem recursos. As únicas verbas que a AAVL recebeu até à data das entidades oficiais vieram da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, que cedeu uma sala do bairro do Bairro Soda Póvoa para servir de sede e uma quantia de 5000 euros para fazer face a despesas correntes.

O mais impressionante, em todo este processo é a má actuação do executivo e dos serviços em geral, em quantidade e qualidade, As diferenças entre a assistência recebida no caso da Torre  Grenfell e no caso da legionella parecem-me existir, com desvantagens para o segundo, isto é para as vítimas  do segundo. Sem dúvida que os hospitais, centros de saúde e os serviços de saúde em geral atenderam então muitos doentes de legionella, mas parece claro que não estavam preparados para enfrentar um surto epidémico como o de Novembro de 2014 em Vila Franca de Xira. E que a suspensão em 2013 da obrigatoriedade da realização de auditorias periódicas ao ar interior das instalações de fábricas, hospitais, serviços públicos contribuiu (talvez o termo adequado seja facilitou) para a eclosão daquele surto. A falha na recolha da matéria expectorante logo nas horas iniciais quando os atingidos começaram a chegar aos hospitais teria ajudado a minorar os prejuízos das pessoas. A suspensão das acções de fiscalização (designadas eufemisticamente por auditorias) terá ocorrido por efeito de uma ideologia desregulamentadora e facilitista, bastante prestigiada nas políticas neoliberais à altura, mas com efeitos nefastos. O pouco ou nenhum empenhamento dos serviços públicos em apoiar as vítimas da legionella e as suas famílias, é necessário dizer, choca qualquer pessoa que tenha acompanhado mais de perto esta situação. Apesar das propostas da assembleia da república sobre isenção das taxas moderadoras para as vítimas da legionella nada foi decidido pelo governo até à data. A proposta de Catarina Martins em Março de 2018 de se criar um fundo de solidariedade para com as vítimas não teve qualquer seguimento.

Este alheamento da situação por parte das entidades governamentais é realmente chocante e quem contacta com as vítimas da legionella e os seus familiares apercebe-se da revolta que sentem. Frise-se que não sentem o problema  apenas como financeiro, tipo: sofri um prejuízo avaliado numa dada quantia, paguem-me tanto”. Na realidade, nesta questão falta um reconhecimento público de uma grave ofensa feita às pessoas por ignorância e descuido, e talvez mesmo por desprezo de valores básicos. A reparação dos prejuízos deve mesmo começar por aí, por reconhecer essa ofensa. Sem dúvida que as pessoas querem recuperar o dinheiro que perderam. Mas o principal seria já ter tido com elas um gesto significativo de apreço e reconhecimento da responsabilidade pelas falhas que houve, independentemente de se tratar do actual governo ou do anterior. Esse acto público, para além de constituir uma muito necessária expressão de solidariedade, deverá ser como que um sinal de se querer abrir caminho para uma capacidade cada vez maior de se querer aumentar a capacidade dos serviços público de assumir responsabilidades e estarem mais aptos para servirem as pessoas, os cidadãos, que são a sua razão de existir.

A referência a Jeremy Corbyn é a referência a um líder político que tem como marca distinta na sua acção a proximidade àqueles que representa, procurando sistematicamente compreender e defender os interesses destes. Ao que sabemos, ao longo de toda a sua carreira política defendeu causas sociais e procurou trabalhar para assegurar os direitos dos oprimidos. A sua presença junto das vítimas do incêndio da Torre Grenfell deve ter tido um peso grande. Claro que ninguém pode dizer, nem para o bem nem para o mal, como Corbyn se iria comportar (melhor dito, aguentar) se um dia chegasse ao poder. Mas seja permitido recordar André Brun (1881 – 1926)  quando constatava que quando um almirante consegue deitar a mão à cana do leme, normalmente  não a usa para guiar melhor o barco, mas sim para dar com ela nas costas do parceiro. Foi o que Boris Johnson fez com Jeremy Corbyn no caso do corte no bónus dos  trabalhadores das padarias Greggs. Não atirou com a espada para o prato da balança, como Breno, mas usou o resultado eleitoral. Os vencedores, com maioria absoluta, quase absoluta ou outra qualquer, têm de estar  ao serviço de todos, vencedores e vencidos. E nos desastres da vida, têm de estar sempre com os que ficaram a perder com esses desastres. É talvez a maior razão de ser de um governo de qualquer sociedade.

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(1) – Leia o artigo de Costas Lapavitsas “PARA UM BREXIT DE ESQUERDA – por COSTAS LAPAVITSAS, tradução de Júlio Marques Mota, clicando em: https://aviagemdosargonautas.net/2020/01/13/jeremy-corbyn-um-politico-que-se-distingue-pela-sua-seriedade-para-um-brexit-de-esquerda-por-costas-lapavitsas/

(2)  Clicar em: https://www.huffingtonpost.co.uk/entry/boris-johnson-brexit-bill-lords-labour_uk_5e28c2cec5b6779e9c2d31d1?utm_hp_ref=uk-the-waugh-zone

https://www.huffingtonpost.co.uk/entry/boris-johnson-brexit-bill-lords-labour_uk_5e28c2cec5b6779e9c2d31d1?utm_hp_ref=uk-the-waugh-zone

(3)  – Alguns exemplos de registos sobre os sobreviventes do incêndio de Grenfell Tower: https://www.independent.co.uk/news/uk/home-news/grenfell-tower-fire-survivors-sleeping-rough-kensington-cars-parks-mp-emma-dent-coad-a7799506.html

https://www.bbc.com/news/av/uk-england-london-48643088/grenfell-tower-fire-survivors-and-families-mark-second-anniversary

https://www.yahoo.com/news/meghan-markle-meets-grenfell-fire-161903382.html

https://www.bing.com/videos/search?q=grenfell+fire+survivors&&view=detail&mid=D1264DBD9FF9F1564BFFD1264DBD9FF9F1564BFF&&FORM=VRDGAR&ru=%2Fvideos%2Fsearch%3Fq%3Dgrenfell%2Bfire%2Bsurvivors%26qpvt%3Dgrenfell%2Bfire%2Bsurvivors%26FORM%3DVDRE

https://www.telegraph.co.uk/news/2017/06/15/jeremy-corbyn-hugs-woman-tells-girl-12-missing-grenfell-tower/

https://www.nytimes.com/2018/04/04/world/europe/uk-grenfell-tower-survivors-fire.html

Momentum activists fight for #JusticeForGrenfell

(4) Os leitores que desejarem saber mais sobre o debate ocorrido na Câmara dos Comuns em 30 de Outubro de 2019 poderão clicar em:

https://www.theyworkforyou.com/debates/?id=2019-10-30a.376.0&s=c

(5) https://www.dgs.pt/a-direccao-geral-da-saude/comunicados-e-despachos-do-director-geral/surto-de-infecao-por-legionella-pdf8.aspx

https://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=169622

(6)  https://observador.pt/2017/03/26/vitimas-do-surto-de-legionella-em-vila-franca-de-xira-vao-processar-o-estado/

https://www.publico.pt/2017/04/16/sociedade/noticia/vazio-legal-livra-arguidos-da-legionella-de-acusacao-por-crime-de-poluicao-1768760

https://www.publico.pt/2017/11/07/sociedade/noticia/governo-nao-alterou-lei-que-obrigava-a-auditorias-periodicas-da-qualidade-do-ar-1791596

https://www.publico.pt/2017/12/26/sociedade/noticia/processo-da-legionella-de-vila-franca-de-xira-ja-tem-54-pedidos-de-instrucao-1797038

https://www.publico.pt/2019/09/25/sociedade/noticia/empresas-chegam-acordo-32-vitimas-surto-legionella-vila-franca-xira-1887897

https://beta.sicnoticias.pt/pais/2019-11-20-Vitimas-de-legionella-indignadas-com-arquivamento-pelo-Ministerio-Publico

https://zap.aeiou.pt/legionella-fase-instrucao-do-surto-vila-franca-xira-comeca-hoje-292487

(7) )  Para aceder à página da AAVL – VFX no facebook clique em:

https://www.facebook.com/AAVLvfx/?eid=ARBFXr9UnjR3CO6DUzAitvEY2B7QkttFsCTluACB-msHKFMISvHsuZUK1IXlYGUlHq2E99VCMr4ZLHEd

(8) Clique em:

http://app.parlamento.pt/WebUtils/docs/doc.pdf?Path=6148523063446f764c304653546d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765455565451533942546b565954314e425230564f5245465451584a7864576c326279387a77716f675532567a63384f6a6279424d5a5764706332786864476c325953395953556c4a587a4e664f4446664d6a41784f4330774e5330774e4638794d4445344c5441314c5441304c6e426b5a673d3d&Fich=XIII_3_81_2018-05-04_2018-05-04.pdf&Inline=true

Pág. 16

(9) – https://ionline.sapo.pt/artigo/676479/legionela-em-vila-franca-cinco-anos-a-espera-de-justica-?seccao=Portugal_i&fbclid=IwAR1PWrQu_XD-cfWBVwescAixtC0jkPhoy9sWGgsJlp6TclejtTaI12tOyRE

(10)  https://www.dn.pt/lusa/legionella-governo-propoe-auditorias-trianuais-e-sancoes-acima-dos-40-mil-euros-9041361.html

https://www.ojogo.pt/extra/lusa/legionella-catarina-martins-pede-fundo-de-solidariedade-para-vitimas-abandonadas-do-surto-de-2014-9217505.html

2 Comments

  1. Obrigado, Francisco. Temos de continuar a chamar a atenção das pessoas para estes assuntos. Se querem melhorias para as suas vidas não podem perder de vista o que fazem os políticos. E tentar perceber quais as influências dominantes nas decisões.

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