Um mês de março intenso em reuniões, em tragédias, em desacordos afirmados, em acordos adiados, em ameaças feitas e desfeitas ou adiadas, tudo isto se passou na União Europeia que se mostra claramente impotente face à tragédia Covid 19 e à crise financeira que nos bate à porta com uma enorme violência.
Um relato destes dias que mais parecem dias de loucura é o que aqui vos queremos deixar nesta pequena série de textos intitulada A Europa impotente face à perspetiva de uma tragédia global ?
31/03/2020
JM
___________________________________
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Texto 2. Porque é que Christine Lagarde afundou a Itália
Por Alessandro D’Amato
Publicado por , em 13/03/2020 (ver aqui)
Christine Lagarde falou e provou que o silêncio é de ouro. A herdeira de Mario Draghi no topo da direção do Banco Central Europeu, na sua primeira emergência real (o Coronavirus), deu imediatamente uma péssima demonstração das suas capacidades, com a sua sentença sobre as funções de Frankfurt em relação ao spread que causou o colapso das bolsas de valores e o aumento da diferença de taxas (spread) entre os títulos da dívida pública italiana (os BTP) e os títulos da dívida pública alemã (os Bund) justamente quando o que se esperava era a solidariedade europeia. E tudo isso está a acontecer num momento em que a atual crise dos spreads já ameaça custar-nos dois mil milhões de euros.
“Não estamos aqui para reduzir os spreads, existem outras ferramentas e outros atores para estes problemas”, disse Lagarde. Traduzido: não procure no BCE uma solução para esta crise porque essa não é a nossa função. Isso é exatamente o oposto da posição de responsabilidade assumida por Mario Draghi, com a frase “farei tudo o que for preciso” que tornou de um dia para o outro inútil a especulação sobre exatamente os spreads. Com sucesso, explica hoje Stefano Feltri no jornal Fatto, conseguiu num passe de mágica transformar um enorme drama de saúde numa nova crise financeira. E tentou corrigir horas depois o que tinha dito numa entrevista com a CNBC TV (“Estou determinada a evitar a fragmentação da zona do euro”). Quando era já tarde demais, ou como se disse no texto anterior de Il Manifesto, os bois já tinham escapado do estábulo. .
“Reduzir a diferença de taxas, reduzir o spread ” significa reduzir as diferenças entre o quanto dois países diferentes da zona euro gastam no mercado, ou seja, na dívida que é necessária e que será utilizada para financiar as medidas extraordinárias de apoio à economia contra os efeitos do coronavírus. Teoricamente, todos na moeda única deveriam pagar a mesma taxa de juro, porque todos estão endividados com o euro. Mas nos últimos anos, após a crise na Grécia em 2009, as diferenças aumentaram porque os mercados começaram a colocar um prémio de risco sobre os países mais frágeis poderem sair do euro. Lagarde transfere a responsabilidade para o Eurogrupo, a coordenação dos ministros das finanças dos países da moeda única, e a Comissão Europeia.
O problema é que estas duas instituições não podem conceder à Itália e a outros países que precisam de fundos a permissão para emitir mais dívida do que o permitido pelas regras europeias sem correr o risco de sanções. Mas a dívida é emitida em condições de mercado, às taxas exigidas pelos credores. E as condições de mercado são influenciadas pelo que o BCE diz. As palavras de Lagarde tiveram o efeito imediato de agravar as condições de mercado: em poucos minutos a diferença entre o rendimento exigido pelo mercado para as obrigações italianas a dez anos e o das alemãs passa de 202 para 260 pontos, antes de se reduzir um pouco.
É uma frase que marca uma mudança de ritmo. É claro, uma mudança relativamente à mudança imposta por Draghi com a promessa que em 2012 mudaria o curso da crise financeira, no fundo, a substância das Transações Monetárias Definitivas permanece: o verdadeiro “escudo anti-spread” mesmo antes da flexibilização quantitativa. Forte desta rede de salvação, com uma expansão recorde do seu orçamento, com taxas em mínimos históricos e muito inferiores às dos EUA, a francesa ao leme do BCE visa – como aconteceu hoje – decisões mais unânimes no Conselho. Tendo entrado na longa onda de hiperactivismo dos bancos centrais após a grande crise, a sua tarefa era também “colocar a bola ao centro”: fazer do BCE um banco central e não o baluarte do destino das economias da Europa. No fundo, a política monetária não pode ir além de um certo ponto, as suas armas estão já à vista. Satisfazer o apetite cada vez maior dos mercados envolve riscos, sem necessariamente ajudar a economia real. A aposta de Lagarde, o sinal que ela quer deixar com a sua presidência – e aqui a experiência passada ao leme do Fundo Monetário Internacional vem em seu auxílio – é, em última análise, forçar os governos europeus a agir.
A sombra da Alemanha por trás das frases de Lagarde
Mas porque é que Lagarde decidiu mover-se com a elegância de um elefante numa loja de cristais face à emergência do Coronavirus e da crise dos spreads. Federico Fubini no Corriere della Sera diz hoje que para encontrar uma explicação para as palavras que irritaram até Mattarella temos de olhar para a Alemanha:
Se ontem Lagarde retirou com aparente descuido a peça fundamental de suporte em toda a arquitetura financeira europeia, é porque estas não eram as suas palavras. Era uma frase de Isabel Schnabel, a alemã no comité do BCE. Quando Schnabel a disse, poucas pessoas repararam nela. Lagarde deve ter-se sentido livre para repeti-lo, sem perceber que o seu peso é diferente do de Schnabel. O aspeto mais revelador da “gaffe” de Lagarde não é, portanto, a aparente falta de preparação, mas os pontos de referência da francesa.
Ontem começou a transparecer que hoje são os alemães, especialmente o presidente do Bundesbank Jens Weidmann, que são as vozes mais influentes no topo do BCE. E não é difícil ver como para a Alemanha – mas não só – a profunda recessão infligida pela epidemia, com o salto da dívida pública que já se faz sentir, pode tornar-se o momento em que a Itália tem de pedir o resgate ao resto da Europa. A intenção de Lagarde ontem, não era aproximar-se daquele momento. Mas ao repetir as palavras de Schnabel, a francesa deu com isso a entender que país é a sua referência em Frankfurt.
Assim, passado o medo do spread (e passada também uma personalidade como a de Mario Draghi, um diplomata com um punho de ferro numa luva de veludo), a diferença com a atitude de Lagarde é clara. Por outras palavras, regressamos à madrasta BCE que é uma emanação direta da Alemanha, pois frequentemente – ironia nacionalista do destino – é um francês que preside a Frankfurt. Trata-se de um erro político que dá uma lufada de ar fresco à soberania e servirá para piorar a situação na Alemanha, também, quando os alemães se aperceberem disso, uma vez que há aqueles do seu lado que estão em oposição a Angela Merkel e não esperam outra coisa. No entanto, todos pagaremos pelas razões deste erro. Até os mortos.
__________________________
O autor: Alessandro D’Amato, jornalista, é diretor de NeXt Quotidiano (https://www.nextquotidiano.it/) desde 2014. Licenciado em Ciências da Comunicação e Informação pela Universidade La Sapienza di Roma. Entre 2008 e 2014 foi diretor de www.giornalettismo.com, e editor de Adnkronos entre 2008 e 2010.