CHRONOS VIRUS. Por Maria do Rosário Pericão

Espuma dos dias Coronavirus

Obrigado à Maria do Rosário Pericão pela disponibilização deste texto e ao Júlio Mota por o ter descoberto.

 

CHRONOS VIRUS

M Rosario Pericão 1 Por Maria do Rosário Pericão (*)

Coimbra, primeiros dias da Primavera de 2020

rumpericao@gmail.com

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

O vírus do tempo, o vírus dum tempo! Do tempo que já vivemos e do tempo que ainda esperávamos viver, do tempo da lonjura e do tempo da aproximação, do tempo que, sempre, nos escasseava e do tempo que, agora, nos sobeja!

Estes são dias estranhos! São os primeiros dias do tempo da primeira quarentena das nossa vidas, de avós, pais, filhos e netos. Há praticamente um século, muitos dos nossos pais e, sobretudo, os nossos avós, bem como outros compatriotas nossos e cidadãos de outros países, passavam por idênticas provações [1] com muito menos informação e, seguramente, menores recursos e avanços científicos e tecnológicos do que nós, mas certamente não menor resiliência e tudo isso após uma guerra cruel onde tantos morreram e que, poucos anos depois, se repetiria a nível mundial com catastróficas consequências.

Ciclicamente, a Natureza revela-se e rebela-se através das formas mais violentas e perversas – cataclismos de ordens várias como terramotos, maremotos, furacões, ciclones, tempestades tropicais, despertar de vulcões adormecidos, incêndios gigantescos, catástrofes geradas pelas alterações climáticas, epidemias e pandemias como esta pela qual estamos agora a passar. Manifestações que, de forma dramática, se têm desencadeado e acelerado nestes últimos anos e que vão ceifando vidas, empobrecendo povos e desequilibrando o Planeta Terra, o tal de que não existe outra versão…

Este é o tempo! O tempo de reflectirmos sobre as nossas próprias vidas enquanto pessoas individualmente consideradas e enquanto pessoas inseridas numa comunidade, países, continentes, mundo. Temos andado demasiado distraídos com a ambição e com o poder, com o dinheiro e com o consumo num tempo marcado por egoísmos, por atropelos, por excessos, por lideranças medíocres a nível mundial!

O tempo presente é de insegurança e não vai ser fácil para ninguém! Teme-se pela nossa própria vida, pela vida dos nossos mais próximos – família, amigos, colegas –, pela vida dos mais frágeis, daqueles que já têm tão pouco que apenas lhes resta… a Vida, excessivas vezes bem miserável, mas Vida, ou seja, o contrário da Morte!

Vivem-se tempos de excepção e de surpresa para os quais não estávamos minimamente preparados ou suficientemente apetrechados – nem países, nem governos, nem instituições, nem cidadãos.

Enfrentam-se tempos desconhecidos a começar pela origem de tudo isto, um vírus do qual se conhece tão pouco, embora todos os dias um pouco mais, e que pela sua “infinitamente pequena” dimensão – entre 50 a 200 nm, sendo que um nanómetro (nm) corresponde a um milionésimo do milímetro – nos choca que, de forma global, possa pôr tudo em questão de um modo extremamente radical – os nossos quotidianos hábitos de vida, os equilíbrios familiares, as relações sociais, a economia, os empregos, a governança, a cooperação entre os povos…

O princípio da incerteza rege agora as nossas vidas – em primeiro lugar, se seremos capazes de sobreviver fisicamente a esta calamidade e, em segundo, se conseguiremos uma imunidade de grupo ou uma vacina que se espera, mas que ainda vai tardar.

Se tudo vier a correr o melhor que for possível para os que resistirem e no pressuposto de que aquelas condições são cumpridas, fica a incerteza da nossa sobrevivência do ponto de vista psicológico – das ansiedades e das depressões que virão a instalar-se, das demências dos mais velhos, dos suicídios de alguns dos mais frágeis e dos mais pobres, do medo de uma nova vaga desta ou de uma outra qualquer pandemia de consequências ainda mais letais, da desconfiança nas relações sociais, do receio de participação em eventos de grupo ou de massas e, seguramente, dos temores de uma profunda e indispensável revolução na nossa maneira de encarar a vida associada aos novos modos de vida pessoal e colectiva que ainda vamos ter de reinventar.

No rescaldo desta crise de saúde pública teremos perdido, lamentavelmente, muitas vidas humanas à escala mundial, incluindo conhecidos, amigos e membros da nossa família a quem não pudemos dar o último afago, partilhar a nossa compaixão pela perda ou pacificarmo-nos com a manifestação da despedida e do luto porque a peste, tal como nos tempos mais recuados da História, por razões de natureza sanitária, nos impõe a segregação.

Por uma questão de racionalidade, não alinho nas teorias da conspiração que tentam explicar que tudo isto teve a mão perversa do homem ao ponto do “feitiço se virar contra o feiticeiro” ou por descabelada intencionalidade e muito menos acredito em castigos de uma qualquer divindade à maneira de “Sodoma e Gomorra” em versão revista e actualizada para este Século XXI.

Penso, isso sim, que as irresponsabilidades e os excessos cometidos pelo ser humano em constante desafio e subversão, até aos limites, das leis da Natureza – cito apenas como exemplos mais evidentes: alimentos transgénicos, clonagem, desastres nucleares, manipulação genética, deflorestação, exploração desenfreada dos recursos naturais, poluição incontrolada, guerras químicas e bacteriológicas, lixo cósmico e tudo aquilo que provoca as alterações climáticas e o profundo desequilíbrio dos ecossistemas – têm vindo a pôr em causa, todos os dias, a sobrevivência do Planeta obrigando aquela a um inusitado ajustamento como resultado da sua função reguladora que deveríamos ter percebido e respeitado e para a qual os sábios haviam incessantemente alertado em tempo útil.

A economia mundial vai sofrer uma hecatombe de contornos ainda não imagináveis, previsivelmente muito mais profunda do que a Grande Depressão de 1929 ou a Crise Financeira Internacional de 2008, porque a globalização – alicerçada num capitalismo selvagem e num neo-liberalismo desenfreados – favorece, a uma escala planetária, a interdependência dos países e, como de costume, a sujeição das nações mais pobres às nações mais ricas, continuando, assim, a acentuar, de forma obscena, o fosso entre os cada vez mais ricos e os cada vez mais pobres.

Alguns dizem que “nada vai ser como dantes” na vida individual e dos povos, nas lideranças dos governos, na geopolítica mundial. Porém, e a título meramente de exemplo, uma boa parte dos grandes e perturbadores acontecimentos a partir da segunda metade do Século XX (guerras fratricidas incentivadas pelo hipócrita negócio das armas alimentado por países ditos responsáveis, desastres climáticos, acidentes aéreos sem precedentes, terrorismo, 11 de Setembro, crise financeira de 2008, offshores, fraudes bancárias, corrupção em larga escala, dívidas soberanas, vagas infindáveis de refugiados e migrantes e tantos outros) depois de atenuada a crista da onda, infelizmente, acabaram por não suscitar grandes mudanças, apesar das acaloradas discussões e supostos acordos assinados nas cimeiras mundiais específicas ou na ONU, na União Europeia, no G20, G8, G7 e G5, etc., etc. não passando, afinal, de vãs promessas que nem sempre se cumprem e de que são exemplos gritantes as medidas para combater o aquecimento global e para uma vida sustentável [2] . E, no entanto, por paradoxo, em poucas semanas, um minúsculo vírus fez baixar drasticamente a poluição atmosférica nos países mais industrializados e o ar que hoje se respira no campo ou nas cidades, mesmo no nosso torrão, é já mais puro e suportável!

A nível global, embora com incidências diferentes para os países mais ricos ou para os países mais pobres e/ou os mais endividados, durante determinado período e por força das circunstâncias económicas e financeiras excepcionais, os governos podem ser obrigados a impor muitos constrangimentos próprios de uma verdadeira “economia de guerra” de que poderiam ser exemplos: a austeridade da política monetária e a diminuição drástica de importações o que pressupõe, nomeadamente, a manutenção das actividades económicas que sejam indispensáveis ao país, a redução do consumo energético, a autossuficiência de produtos básicos como é o caso do sector alimentar e de outros bens essenciais, as restrições do consumo privado, etc., etc. Por tais razões da escassez, mais do que por decidida vontade de mudança de mentalidades e de hábitos, a vida individual de muitos de nós vai sofrer uma enorme reviravolta que pode significar um recuo de várias décadas a lembrar, para os mais velhos, a nossa infância e adolescência no pós-guerra; no entanto, tememos que as gerações mais novas, a par das dificuldades de emprego e porque já criadas numa relativa abundância e num ambiente de fortes propensões consumistas, venham a ter muita dificuldade em aceitar esta disrupção nas suas vidas, o que, naturalmente, terá consequências nefastas na manutenção do tecido social.

Seria bom que o “nada vai ser como dantes” resultasse do nosso questionamento interior, do reequacionar dos nossos valores, da colheita das lições do presente e não mero fogacho imposto e temporário que, passada a crise económico-social, nos faça voltar ao mesmo até que um novo surto e um novo susto nos sobressalte e isto é tão válido do ponto de vista individual como colectivo, de governos como de organizações internacionais!

Desde já, esta crise sanitária veio demonstrar uma verdade insofismável: a de que a União Europeia não pode continuar dependente, exclusiva ou quase-exclusivamente, da manufactura e da produção industrial, em países terceiros e de outros continentes, de medicamentos e de equipamentos que sejam necessários e indispensáveis a uma área tão sensível como a da saúde (veja-se, por exemplo, o caso do fabrico do paracetamol e de outros medicamentos a partir da India ou das máscaras, sistemas de protecção individual, testes de diagnóstico e ventiladores a partir da China), por maiores que sejam os interesses de deslocalização das empresas multinacionais ou transnacionais movidas pela ganância de sobrevalorização dos lucros proporcionada pela mão-de-obra barata e pelos benefícios fiscais ou de outra ordem porque, na hora da verdade como a desta pandemia, ficamos sujeitos à especulação e à subversão das leis do mercado ou a restrições de exportação que põem em causa vidas humanas.

E já que falamos em União Europeia valerá a pena alertar para o previsível egoísmo e falta de solidariedade a propósito das urgentes medidas de natureza económico-financeira, nomeadamente através da mutualização da dívida, em que os Países do Sul, mais uma vez, embora agora numa frente bastante mais alargada, serão vítimas da sobranceria de alguns Países mais ricos do Norte da Europa ou de outros não respeitadores das regras democráticas que, pressentimos, não irão aceitar propostas de maior alcance e ousadia perante a grave crise económico-social que se anuncia, o que significa que a UE nada aprendeu com a crise financeira de 2008 e corre o sério risco de pôr em causa a sua própria sobrevivência e a de alguns dos seus Estados-membros, o que poderia resultar numa tragédia com consequências inimagináveis…

O certo é que agora estamos confinados ao nosso refúgio doméstico mais agravado para os maiores de 70 anos, franja significativa da população portuguesa e aquela que vive mais abandonada em lares de terceira idade ou mais só, mas também mais conformada porque a idade e a experiência de vida têm o condão de lhes almofadar o contexto, embora sintam que nesta sua última fase da vida não mereciam um isolamento ainda maior dos filhos, dos netos e dos amigos, a par da angústia da sua particular vulnerabilidade perante tal inimigo que agora lhes apareceu no caminho das suas já breves vidas.

Os membros das famílias que passavam a vida a dizer que não tinham tempo para nada – tempo para conversar, tempo para acompanhar o crescimento dos filhos-crianças e dos filhos-adolescentes, tempo para se organizarem, tempo para descansar, tempo para amar – confinados num mesmo espaço, nem sempre amplo, não tardarão a descobrir que, afinal, são uns desconhecidos e tantas horas, dias, semanas, meses – e esperemos que não semestres! – sobrecarregados de ansiedade e de medo vão, inevitavelmente, agravar as tensões e gerar conflitos. Nos intervalos, talvez alguns casais arranjem tempo e espaço para a concepção duns pimpolhos e lá para o Natal ou início do próximo ano contribuam para o equilíbrio da pirâmide demográfica se a incerteza e a insegurança não lhes tolher… o apetite! Outros haverá que se decidirão definitivamente pelo divórcio há tanto tempo adiado e o melhor será que o façam a tempo, antes que a violência doméstica se instale e a desgraça aconteça.

Alguns outros, adolescentes e jovens adultos, durante largo tempo privados das ganzas, das bjecas e da liberdade sexual converter-se-ão em touros enraivecidos e enjaulados que os pais serão incapazes de controlar, o que não surpreende porque há muito, ao longo de todo o seu processo de crescimento, desistiram da tarefa de os educar! Profundos dependentes, até agora e quase exclusivamente, dos gadgets, do Doctor Google e do acesso às redes sociais do Twitter, Instagram, Facebook, Tinder and so on, talvez mais cedo do que pensam, vão lamentar que o convívio com os amigos tenha sido desvirtuado e desperdiçado quando, furiosa e exclusivamente, passavam aquele tempo a teclar e essa constatação talvez lhes alivie os polegares e os livre das prometidas tendinites quando tiverem mais uns anitos… e se lá chegarem!

Esses mesmos irresponsáveis que se julgam eternos e intocáveis e que ousaram invadir os bares, os centros comerciais, as praias e as esplanadas, desafiando autoridades de saúde e forças da ordem em tempo de recomendações de contenção e de isolamento social, “cuspindo” na cara daqueles que, provavelmente, consideram “peste grisalha”, essa que teve a coragem e a generosidade de os conceber e de os parir, de os sustentar e de lhes aparar os vícios consumistas e que, na crise do desemprego da pós-pandemia, os vai ter de socorrer, de novo, a partir das suas baixas pensões ou dos seus magros vencimentos!

Entretanto, em tempo de confinamento que se desejava tão sereno quanto possível, somos esmagados pelo turbilhão de notícias dos canais televisivos que, de hora a hora, nos matraqueiam ad nauseam com os números dos infectados, dos internados, daqueles sob vigilância, nos cuidados intensivos, dos curados e dos mortos nos vários países, com os gráficos, as imagens e a transmissão de despudoradas reportagens das cenas de horror nos hospitais, com conferências de imprensa e entrevistas com epidemiologistas, virologistas, infecciologistas, pneumologistas, com debates em que os participantes se converteram, ex abrupto, em especialistas do tudo e do nada ou com palanques para exibição de comentadores enfarpelados, enfatuados e oportunistas que, ex cathedra, viraram experts da matéria sem que antes lhes tenha sido reconhecida ou atribuída… cadeira, banco ou tosco mocho que validem tal “sapiência”!

Os canais televisivos, incluindo o canal público, que se deram ao luxo de suspender alguns programas sérios, interessantes e alternativos viram, neste desgraçado momento, uma possibilidade indecorosa para preencher as suas grelhas de programação (valha-nos o eclipse total das futebolices que azucrinavam as noites dos canais não generalistas que nós sustentamos!!!) e deram palco a alguns jornalistas, muitas vezes seniores, mas a maioria das vezes ignorantes, incompetentes e impreparados, incendiários de serviço e ardilosas sanguessugas que se comprazem na exploração dos dados contraditórios, das incongruências numéricas, das discrepâncias dos discursos, das falhas de material e de equipamentos, das omissões ou das críticas ao SNS e de tudo aquilo que sirva para exibir sangue vivo e suscite parangonas de jornais e nem me refiro, sequer, a um canal desprezível que vive quase exclusivamente disso, sabe-se lá com que intenções!… Este pseudo-jornalismo, que já vem fazendo “escola” há algum tempo, deveria ser literalmente banido, nomeadamente dos canais públicos da RTP, pela não prestação de um verdadeiro serviço público de qualidade porque tendencioso, sectário, agressivo, desrespeitoso e malcriado. Por um lado, esses jornalistas atrevem-se a emitir opinião quando essa não é, nem de longe nem de perto, a sua função e, por outro e com frequência, permitem-se interromper ou desviar, sobretudo quando não lhes agrada, a linha de pensamento dos entrevistados colocando-os ainda sob maior pressão (às vezes, até, com despropositados e despudorados comentários a latere) nomeadamente quando, como é agora o caso, sabemos que muitos dos visados são autoridades de saúde, membros do governo ou médicos já em extremo esforço, ao mesmo tempo que se torna óbvio que tais comportamentos causam nos espectadores a dúvida, maior ansiedade e insegurança em tempos muito difíceis que deveriam ser de instigação à serenidade e à transmissão da confiança.

Nas redes sociais – que, felizmente, apenas conheço pelos relatos e excertos que me chegam – a desinformação corre em esgoto a céu aberto com direito ao cheiro nauseabundo dos rumores e dos boatos, das insinuações e das calúnias, das mentiras e dos insultos, da pseudociência e das teorias da conspiração, das falsidades e dos ressentimentos, das intrigas e das invejas, fazendo apelo para aquilo que de mais abjecto o ser humano se presta: ser cloaca de lixo para a instigação do pânico e do medo com difusão viral tão perigosa quanto a do vírus que ora nos atormenta os dias e as noites!

Os tempos que ora vivemos são duros para todos, embora em escalas diferentes – dos doentes que lutam entre a vida e a morte, dos atingidos pela perda de família e de amigos, dos infectados pelo vírus que temem pela sua recuperação e dos ainda saudáveis afectados pela incerteza. São duros também para todos os profissionais de saúde que, denodadamente e com sentido de missão, dão o seu maior esforço para salvar vidas, mas também para aqueles que, quotidianamente, asseguram os abastecimentos, os transportes, os serviços básicos, o socorro e a segurança de todos nós. São ainda duros para os membros do Governo e autoridades de saúde e locais que, em diferentes níveis, asseguram complexas operações e difíceis negociações, quer nacional quer internacionalmente, zelando para que todos possamos viver com maior tranquilidade e, portanto, todos eles são merecedores do nosso maior respeito e grato reconhecimento.

Os tempos que se seguem são de dúvida pela grave crise económico-financeira e social, pelo desemprego, falências, conflitos laborais, pobreza, desagregação social e pela saúde física e mental de todos nós cidadãos; pelo receio dos oportunismos, demagogias e populismos; pela incerteza da evolução da pandemia e de todos os seus múltiplos efeitos, incluindo o das sequelas na saúde e pelo longo tempo e sinuoso espaço que vamos ter de percorrer até que consigamos restabelecer o equilíbrio nos nossos actuais e variados patamares de inquietação.

Mas este tempo não pode ser de desânimo, de desistência ou de virar as costas à luta contra a pandemia – através do escrupuloso respeito pelas recomendações das autoridades de saúde e pelas regras impostas pelo estado de emergência e pelos que se seguirem –, mas sim de intransigência pelo nosso modo irracional de viver e, a posterori, de exigência de mudança de paradigmas a serem seguidos por Governos, por Parlamentos, pela União Europeia e pelos Organismos Internacionais de que, inevitavelmente, deverá resultar uma Nova Ordem Mundial.

Entretanto, sejamos sóbrios, simples e modestos, reconhecendo e aceitando que esta descida aos infernos dos mínimos nos pode reconciliar connosco próprios, com os outros e com a Natureza que nos rodeia; e se a Primavera que aí está é prenúncio de renovação e tempo de crescimento, sigamos o seu exemplo e acreditemos que a Esperança que sempre nos traz se vai fazer sentir também nas nossas vidas e no apaziguar das saudades e da ternura de uns abraços apertados a anteceder o convívio à mesa com um jantar opíparo, regado a contento, talvez até com algum desmando!

 

Saúde, Força e Coragem para os tempos que se seguem vos deseja esta vossa amiga que vos dedica estas linhas de reflexão e acompanha em tempo de isolamento!

NOTA FINAL

Por último, sejam-me permitidas algumas pequenas notas pessoais: os destinatários deste texto – Amigos mais próximos ou mais longínquos – que me conhecem, alguns há mais de 50 anos, sabem que, por natureza, não sou nem pessimista nem catastrofista, mantendo sempre uma atitude positiva, optimista, de confiança e de boa disposição e não menor sentido de humor. Porém, perante as notícias e a análise crítica de toda a informação que, nas belas palavras do poema “Cantata da Paz” de Sophia, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar” e a experiência de uma já longa vida, não podia ficar indiferente e deixar de ser realista e, por isso, sinceramente desejo que não venha a ter razão em tantas afirmações que faço!

Assim, durante estes primeiros dias de forçada quarentena, aproveitei o tempo para fazer uma reflexão pessoal mais profunda sobre o que nos está a acontecer e vai marcar o futuro próximo das nossas vidas. Dessa reflexão resultou este texto que, por puro prazer, ousei escrever, tendo a consciência plena de que fiz incursões por temas e domínios que não são os meus – embora me tenha dado gozo, confesso, o vibrar das minhas costelas flutuantes de geógrafa adormecida!!! – e, por isso, peço que me perdoem as imprecisões e as omissões. Uma vez estas páginas escritas e sem outras pretensões, considerei que seria egoísta da minha parte não as partilhar com os Amigos e, eventualmente com os Amigos dos Amigos, se assim o entenderem, pois não ponho quaisquer restrições na sua divulgação e acredito que, de alguma forma e na sua modéstia, podem funcionar como pistas para discussões (ao telefone, não se esqueçam!!!), para tomadas de consciência ou para suavizar tédios!

Obrigada por aceitarem esta minha impertinência.

M.R.P.

_____________________________

Notas

[1] Pandemia de 1918/1919 conhecida em Portugal por “a pneumónica” ou “a espanhola” e na maioria dos países como “a gripe espanhola” ou “a senhora espanhola” que matou em todo o mundo mais de 40 milhões de pessoas, ou seja, mais do dobro do que nos quatro anos da Grande Guerra… (Cf. SEQUEIRA, Álvaro – A pneumónica. “História da Medicina”, vol 8, nº 1, 2001, p. 49-55)

[2] Recordo, por exemplo, que já desde 1988 houve uma série de cimeiras internacionais sobre o mesmo tema que deram origem ao Protocolo de Quioto assinado por 192 Estados em 11 de Dezembro de 1997. Trata-se do primeiro Tratado Internacional visando a redução da emissão dos gases que produzem o efeito estufa e que são a causa do aquecimento global. A ele se seguiram outras cimeiras internacionais que culminaram no Acordo de Paris – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas assinado em 22 de Abril de 2016 e, no entanto, países houve que acabaram por o rasgar e outros que o não cumprem integralmente como seria desejável e imprescindível!!!

__________________________________

(*) Maria do Rosário Pericão nasceu em 1947 na freguesia de Eixo (Aveiro), embora tenha sempre vivido em Coimbra. É licenciada em Geografia e habilitada com o Curso de Bibliotecário-Arquivista (CBA) pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) (1974). Como equiparada a Bolseira pelo Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC) e como Bolseira da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) obteve em França (1979/1980), sob os auspícios da Comissão Francesa da Unesco, o Diplôme d’Etudes Supérieures Spécialisées (DESS – 3ème Cycle) en Information Scientifique, Technique et Economique na Université Claude Bernard de Lyon I.

Após concurso público nacional é destacada, a partir de 23 de Maio de 1975, para exercer funções como Bibliotecária responsável da Biblioteca da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), cargo que assegurou durante 33 anos.

Anteriormente, iniciou a sua actividade como Catalogadora de 1ª classe na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC) (12 Março 1973 a 1 Novembro 1974) ao mesmo tempo que concluía o CBA e o respectivo Estágio obrigatório. A convite do Director-Geral da Administração Local passa a exercer funções como Membro de um Grupo de Trabalho criado naquela Direcção Geral do Ministério da Administração Interna (2 Novembro 1974 a 22 Maio 1975).

Paralelamente, exerceu actividade docente, entre outra, em dois Cursos de Especialização em Ciências Documentais (CECD) da Universidade dos Açores (em blocos compactos distribuídos por 4 anos lectivos), no início do CECD da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2 anos lectivos) e, como Assistente Convidada, no CECD da FLUC (1983/84 a 1996/97), tendo então pedido a rescisão do seu contrato.

Entre as suas múltiplas actividades profissionais, por proposta do Director da BGUC e nomeação do Senhor Reitor da UC, exerceu paralelamente com as funções de Bibliotecária da FEUC as de Coordenadora do Projecto de Gestão Informática das Bibliotecas da UC e da Rede de Informação Bibliográfica da Região Centro (Novembro 1989 a 30 Setembro 1993). Mais tarde, por proposta da FEUC e nomeação do Senhor Reitor da UC e como representante da Universidade de Coimbra, em colaboração com a Université de Nice – Sophia Antipolis e a Ecole Nationale Supérieure des Sciences de l’Information et des Bibliothèques sediada em Lyon, integra o Projecto Comum Europeu TEMPUS-TACIS para a Modernização da gestão da Biblioteca da Universidade do Estado do Turquemenistão em Asgabade (2001/2006), o que implicou cinco missões locais de especial responsabilidade, dificuldade e sensibilidade resultantes das particulares características daquela ex-República Soviética.

Após a aposentação (Agosto 2008) e a formação específica no Instituto de Artes e Ofícios da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva (2009/2010), ao longo de 4 Módulos de curta duração (total de 158 horas), passou a dedicar-se a uma velha paixão – o estudo e execução de tarefas de conservação, restauro e encadernação de livros às quais, em atelier próprio, se vai dedicando.

No exercício das suas funções profissionais várias foram, naturalmente, as vezes em que teve de apresentar relatórios técnicos ou comunicações em Congressos das suas áreas de especialização. Porém, na reforma e a pedido, foi desafiada a produzir alguns textos do género memorialístico e, pelo prazer que a escrita lhe despertou, ousou experimentar outro tipo de textos sobre temas soltos e variados com forte pendor crítico e desafiadora ironia, apenas destinados à leitura entre Amigos.

Entretanto, nestes tempos conturbados das vidas de todos nós, sentiu a absoluta necessidade de ocupar parte do seu tempo de isolamento social para escrever um texto de reflexão que a ajudasse a compreender o momento presente e o próximo futuro e, para não se deixar contaminar, impôs a si própria um jejum quase total de notícias, de comentários e de textos de opinião. Finalizada essa dupla quarentena, e sem quaisquer outras pretensões, decidiu utilizar aquelas páginas virtuais do que intitulou de “Chronos Virus” para envolver, num abraço solidário, os seus mais de 200 contactos de Amigos – próximos e longínquos, presentes e adormecidos – dando-lhes a liberdade, se assim o entendessem, de também as partilharem com outros novos Amigos. Na sequência dessa imensa e avassaladora rede, no Sábado de 4 de Abril, foi apanhada por inesperada notícia justificada pelas gratificantes palavras de Júlio Mota “face à dimensão do texto este deve ser visto como um texto de propriedade colectiva” e daí a decisão, que a transcende, mas pela qual fica reconhecida, da publicação daquele texto neste Blog.

 

 

 

 

 

 

1 Comment

  1. No texto são citados- muito genericamente – um avultado numero de responsáveis pelas condições que tornaram possível a pandemia. Esses comportamentos nada têm que ver com conspiração? Inocência, sim mas não tanta, CLV

Leave a Reply