“As brigas palacianas são apenas pela forma, não pelo conteúdo”. Entrevista especial com Suzeley Kalil Mathias, por Patrícia Fachin
Instituto Humanitas Unisinos, 15 de Abril de 2020
Selecção de Camilo Joseph
A postura do presidente Jair Bolsonaro na gestão da crise gerada pela pandemia de Covid-19 tem sido “inepta e irresponsável”, e, apesar de algumas declarações sugerirem que os militares do primeiro escalão do governo estão orientando o presidente a adotar um discurso moderado ou contribuíram para a manutenção do ministro Luiz Henrique Mandetta à frente do Ministério da Saúde, todos os “sinais” emitidos pelos militares são “de apoio ao presidente”, diz a cientista social Suzeley Kalil Mathias à IHU On-Line. “Embora haja falas que indicam que o grupo de militares do governo está no comando – o que é verdade e também por isso –, as Forças Armadas – FFAA vão continuar sustentando o sujeito na cadeira, pois entendem que se não o fizerem o comprometimento da instituição será muito maior”, resume. Segundo ela, se perguntados sobre a sua posição em relação ao presidente, os militares “repetirão a resposta de Villas Bôas: ele não perdeu apoio militar e estes não o tutelam”. No entanto, pontua, “a própria visita ao ex-comandante do Exército mostra que o catatau sentado na presidência sente a insegurança nas suas ações”.
Na avaliação da pesquisadora, “importa aos militares serem reconhecidos como a voz racional do governo” e a celeuma da semana passada em torno da demissão ou permanência do ministro Mandetta no Ministério da Saúde é um indicativo disso, especialmente a partir da divulgação da notícia de que o ministro da Casa Civil, Braga Netto, convenceu o presidente Bolsonaro a não demitir o ministro da Saúde. “O veículo que divulgou tal ‘notícia’ foi justamente o ‘Defesa Net’, um portal de direita que quer ser porta-voz das FFAA (sublinhe-se: ‘quer ser’), o que indica que é divulgado aquilo que querem que seja veiculado. É um portal que não veicula informações, mas especulações”, afirma.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Suzeley analisa a crise atual à luz da atuação dos militares no Brasil e também comenta a atuação do Congresso e dos governadores no enfrentamento da pandemia. “Existe a percepção que um golpista como o Mourão ou direitistas como Maia (ele é do DEM!!!) e Doria, cujo lema de campanha no segundo turno era bolsodorista, são democráticos quando tudo o que fizeram foi seguir menos do que exigem os protocolos internacionais de combate à pandemia atual. Como diz Chico Teixeira: ‘o partido dirigente no Brasil hoje é o DEM. É ele de fato que governa para o mercado, enquanto Bolsonaro joga pra galera’”.
Suzeley Kalil Mathias é graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestra em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Leciona na Universidade Estadual Paulista – Unesp, atuando nos cursos de Relações Internacionais e no Programa Interinstitucional de Pós-Graduação ‘San Tiago Dantas’, do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais. É membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional – Gedes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a postura do presidente Bolsonaro na gestão da crise atual gerada pela pandemia de Covid-19?
Suzeley Kalil Mathias – Como inepta e irresponsável. Este sujeito não tem condição de dirigir nem automóvel, quanto mais um país. No entanto, acredito que ele continuará sentando na cadeira e fazendo suas estripulias, enquanto os generais continuarão protegendo o capitão.
Este sujeito [Bolsonaro] não tem condição de dirigir nem automóvel, quanto mais um país – Suzeley Kalil Mathias
O projeto do (des)presidente é o caos: caos como método e caos como objetivo. Ele joga o ‘quanto pior, melhor’ para, quem sabe, gerar tanto caos que a saída seja repressão e fechamento ainda maior do regime.
IHU On-Line – Na semana passada, o presidente fez um pronunciamento mais ponderado, mas no dia seguinte já compartilhou vídeos falsos nas redes sociais e voltou a defender o isolamento vertical e a reabertura do comércio. O que essa postura revela sobre o presidente e seu modo de governar?
Suzeley Kalil Mathias – Todas as atitudes dele revelam seu completo despreparo para assumir o cargo que o ‘mercado’, especialmente os financistas, lhe entregaram – não estou dizendo que seja esta a única base de apoio que o elegeu. Sua atitude envergonha-nos, brasileiros, diuturnamente. Em situação de normalidade institucional, o que não existe desde 2016, ele já seria incapaz de governar um país, quem dirá em situação de emergência e esgarçamento institucional. Somos uma jangada completamente à deriva. Pior: temos um genocida na presidência! Ou, como circula na internet, “no Brasil temos dois inimigos: o vírus e o verme”.
Todas as atitudes dele [Bolsonaro] revelam seu completo despreparo para assumir o cargo que o ‘mercado’, especialmente os financistas, lhe entregaram – Suzeley Kalil Mathias
IHU On-Line – Como os militares têm se posicionado nesta crise tanto em relação à postura do presidente quanto em relação ao enfrentamento da pandemia? Há mais consensos ou discordâncias entre eles acerca de como gerir a crise?
Suzeley Kalil Mathias – Creio que aqui é importante fazer uma diferença entre grupos de militares no interior das Forças Armadas – FFAA. Em primeiro lugar, importa notar que todos os sinais são de apoio ao presidente. Isto é, embora haja falas que indicam que o grupo de militares do governo está no comando – o que é verdade e também por isso –, as FFAA vão continuar sustentando o sujeito na cadeira, pois entendem que se não o fizerem, o comprometimento da instituição será muito maior. Segundo, há militares mais preocupados com a instituição, como mostra o pronunciamento (24 de março) do general [Edson Leal] Pujol, comandante do Exército, pois sabem que terão que assumir, em um momento ou outro, a função que cabe às FFAA em situações de calamidade e precisam se preparar para tal, daí o discurso destoar do presidente.
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