A GALIZA COMO TAREFA – mais samba – Ernesto V. Souza

 

17 de maio, e mesmo com a que está caindo, celebramos, na Galiza universal, o Dia das letras galegas. Como saberão, neste ano oferecido a Ricardo Carvalho Calero: polígrafo redondo, poeta, ativista, jurista, historiador, professor, linguista, académico e um dos percorridos intelectuais, políticos e sociais mais completos do galeguismo do século XX. E também, como saberão, por autoridade e dignidade, um dos mais importantes representantes históricos da corrente reintegracionista galega.

Condição esta última que destacam, num repasso nas redes e imprensa, e por ir atingindo em ecos lusófonos, espaços diversos e até marcando presença em Portugal.

Com este reconhecimento, que tardou, mas chegou, está nestes momentos na centralidade a questão da ortografia do galego, e ganha mais presença esse caminho de reintegração com o Português. Proposta divergente da escolha institucional, mas discurso crescente na sociedade galega, proposto e defendido pelo próprio Carvalho Calero a partir dos anos 80 do século XX.

Nesta altura e após décadas de ostracismo o que foi primeiro catedrático de língua e literatura galega da Universidade Galega, tem quem lhe escreva, quem o leia, e tem até quem escreva dele e da sua obra. Ficam por diante, e provavelmente também até uma possível repetição o vindeiro 17 de maio do 2021, publicações, atos, destaques, artigos e homenagens diversos à figura do “professor”.

Deixemos estar. Fica a notícia dada e pago o respeito oportuno, daí com qualquer navegador os leitores saberão procurar, e não paga a pena insistirmos. Trabalhar por trabalhar quem quiser.

Porque essa é a questão urgente da língua, ter à maior brevidade possível e com o mínimo esforço, aquilo que destacava o professor: “um galego rendível, é dizer, económico e competitivo”.

Samba_1956_Cenas_brasileiras_Cândido Portinari
Samba. Cenas brasileiras, Cândido Portinari (1956)

Os últimos 40 anos (por sobre décadas de sobrevivência e séculos de ausência dos espaços cultos) foram extenuantes tanto para os ativistas quanto para os gramáticos, filólogos e escritores. Reconstruirmos uma língua culta e funcional não é doado.

Não é tarefa para nenhuma das duas vias, nem também não é para a sociedade. Não somos titãs nem heróis medram nos campos. Os anos e trabalhos na via isolacionista com apoio institucional e reconhecimento académico, na procura de um modelo de aproveitamento imediato da alfabetização castelhana com base na escola pública, têm dado um resultado social à vista, sem permitir nos poupar nenhum esforço na construção técnica da língua.

Porém, a via reintegracionista, por fora do esquema institucional, político e académico aceite pelo Estado, tem conseguido com esforço social aumentado, não apenas ir ganhando presença pública, senão ir construindo e fixando as bases de um modelo aparentemente mais hostil e de mais difícil conquista, mas na realidade, médio e longo prazo muito mais sólido, barato e competitivo.

“Menos Samba e mais trabalhar” é um dito popular na Espanha, ganhou fama de um sketch televisivo de humor, originado num programa de Emilio Aragón. A piada era básica e preconceituosa, a imitação de língua efetiva para um castelhano, e aí ficou, a força do ritmo, no repertório coletivo:

No discurso galeguista contemporâneo foi-se fixando a ideia de resistência e esforço, da necessidade de mais recursos e capitais e também do muito e muito que se trabalha e precisa trabalhar para pouco ou nada, numa corrida contra a morte e aniquilação. Trabalhar não apenas para que se normalize a língua e para re-construir um padrão sólido e coerente senão já apenas para que a língua galega não esmoreça na Galiza.

Porém talvez valorizar esse trabalho e esforço como mérito ou necessidade é um erro de perspetiva. Os galegos não funcionamos nas dinâmicas espanholas e as suas piadas normalmente são para resolver a contrário. É um feito, na Galiza trabalha-se avondo e até de mais, quando realmente o que se precisaria é abrir os ouvidos e as portas ao Samba.

Porque na realidade não se precisa construir o que já está construido. É mais doado apanhar e adaptar que levantar de zero. E assim a contrário do que os olhos parecem indicar, o modelo que menos esforço e energia leva, o que parece mais rendível passadas as primeiras jornadas de desconcerto é o do reintegracionismo.

A consequência é pois: samba e mais samba e menos trabalhar. A música por outra banda é boa e o ritmo acompanha melhor que os tambores das galeras. E atendamos à letra – já que podemos – que não desmerece.

1 Comment

  1. Muito bom, Ernesto.
    Reparache que o.nacionalismo.balizado nos limites e esquema que espanha promove de língua fácil, o saibamos castelhano, a língua mais verdadeira, etc, ao escreverem de Carvalho Calero são trocáveis polo que escreveria qualquer pluma ao serviço dos Ppsoe…ainda que se chamarem não sei que de marcistasleninistas…e o mais imptesionante, que são incapazes de percebé-lo, ao não terem o espelho português

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