CARTA DE BRAGA – “de Lorca e Lucrécio” por António Oliveira

 

Este texto foi escrito na passada sexta feira e, até por isso, se mantém a escrita e a data.

Hoje é dia 5 de Junho, dizem-no do Ambiente e não sei se este texto vai servir para uma Carta no “Viagem” por me debater entre escrever sobre o Ambiente ou sobre o poeta Federico Garcia Lorca, ambos a ser lembrados neste dia.

Mas ouvi o meu amigo do lugar onde compro algumas das minhas leituras, dizer com ar feliz ‘está um dia para se poder respirar bem melhor, não há carros e a gente também é pouca! Só não posso tirar esta coisa!’, apontado o tapa-boca e nariz.

‘Sei bem como é complicado respirar ar já usado, mesmo que seja nosso!’ respondi, pelos problemas ligados ao incómodo uso da máscara, que não consigo ultrapassar de modo nenhum, mesmo reconhecendo as suas vantagens, tanto físicas como psicológicas, para mim e para toda a gente.

Mas hoje também deveria ser dia de Lorca, o Federico, chegado a este mundo num 5 de Junho, já lá vão muitos anos, 1898, o poeta andaluz, de Granada, que Franco mandou fuzilar 38 anos depois, por se julgar dono da vida de qualquer homem, muito mais se ele fosse culto!

E Lorca ainda é ‘o mestre dos cinco sentidos corporais’ garante-me num jornal de hoje, o poeta e ensaísta Alfonso Heitzmann, ‘mais do sexto que é o mistério! E Lorca nunca se equivoca!’ acrescenta, explicando ‘O mistério da poesia também o é para o poeta, que o comunica, mas que muitas vezes o ignora!

Garcia Lorca que teve por companhia nas ‘muitas’ noites da sua curta vida de poeta, dramaturgo, pintor e músico, gente como Buñuel, Dali, António Machado, Alberti, Vicente Aleixandre, Miguel Hernandez e Cernuda, isto só para nomear alguns dos que lhe estiveram mais próximos, ou a lista seria interminável.

Também me lembro, talvez por antecipar o que o esperava, de o poeta ter deixado escrito ‘Há coisas encerradas dentro dos muros que, se saíssem de repente para a rua e gritassem, encheriam o mundo’. E continua a pesquisa para lhe encontrarem os ossos, mandados atirar ao monte como os de um cão vadio!

Só não escreveu mais, nem mais voltou a tocar piano, porque ‘a essência do fascismo é a violência’, nas palavras do escritor António Scurati, ‘para acabar com as conquistas democráticas que muito custaram a obter’.

E também me lembro, se calhar a propósito, de numa entrevista a Walter Cronkite, onde o pivot da CBS, tido então como o homem mais confiável dos EUA, ter ele afirmado ‘a liberdade de expressão não é só importante para a democracia, é a democracia’.

Liberdade, uma palavra hoje posta em causa por muita avantesma, foi em 1858, tema do ensaio ‘Sobre a liberdade’ do inglês John Stuart Mill, que ali escreveu ‘Não há um único motivo para sufocar as opiniões de quem pensa diferente. Primeiro, porque elas poderão estar correctas; segundo, porque poderão estar erradas; terceiro, porque não ser certa nem errada e os erros só poderão ser corrigidos, numa constante troca de opiniões’.

E os campeões de todas as ‘burradas’ a tentar fazer esquecer estas coisas, são o trumpa e o boçalnaro, os do ‘America first’ e do ‘Brasil acima de tudo’, as conhecidas avantesmas que temos à frente de dois dos mais importantes países do mundo.

Já percebemos como a humanidade é a única ‘associação’ em que cada indivíduo está profundamente ligado aos demais, apesar de até podermos ver joelhos bem afincados em pescoços, tentando mostrar-nos como lutar por isso é extremamente perigoso, por lhes poder acabar com os privilégios.

Mas não devemos esquecer, afirmou o filósofo Nuccio Ordine há poucos dias, ‘idiota era quem se ocupava exclusivamente dos seus interesses privados, em oposição aos da cidade, o «idios» contra a «polis», donde procede a «política»’.

Parece indesmentível que só a cultura nos pode alisar o caminho da ‘redenção’ para ficar bem longe dos ‘coronas’ e de quem os usa para impor, de qualquer maneira, toda a classe de produtos padronizadores, com ou sem joelhos, para obviar opiniões diferentes!

Lucrécio, que viveu no séc. I a.C. e também foi poeta e filósofo, deixou escrito, talvez a este propósito ‘a ira política é filha do medo e o medo piora tudo’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

2 Comments

  1. ” Lucrécio, que viveu no séc. I a.C. e também foi poeta e filósofo, deixou escrito, talvez a este propósito ‘*a ira política é filha do medo e o medo piora tudo*’.” *Excelente final .* *Maria *

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