CARTA DE BRAGA – “de ilusões e loucura” por António Oliveira

Estamos a alimentar uma sociedade cada vez mais egoísta, obviamente transgressora, mascarada e isolada com e nos seus telemóveis pois, avocando Watzlawick, o psicólogo especialista na teoria da comunicação, ‘De todas as ilusões, a mais perigosa é pensar que não existe senão uma só verdade, a própria’.

Aliás não é difícil pensar assim, pois aquilo que mais facilmente se impôs nas últimas dezenas de anos, foi uma qualidade de vida directamente proporcional à quantidade de bens, produtos ou mercadorias que, nos põem à frente para, a toda a velocidade, nos cruzarem entendimento e alma.

Basta um clique para nos ‘introduzir’ num mundo em que nada é suficientemente rápido, cabal e com a resposta certa que exigimos e onde é cada vez mais complicado partilhar com o ‘outro’ a noção do comum.

Uma espécie de paradoxo, quando permanentemente nos expomos nas redes sociais, exibindo também quem nos é ou está próximo, com as novas tecnologias a guiarem tudo e todos para uma democracia de alcova, portas escancaradas entusiástica e voluntariamente ao estado e às empresas, mesmo sabendo que no lado de lá, reina o compadrio, a corrupção e ou a tirania.

O problema é que esta situação impera no mundo ocidental ou ocidentalizado, onde as tecnologias tornaram quase natural e rotineiro o uso das máquinas, de tal modo que ‘o capitalismo funcionaria muito melhor sem nós, por só os humanos estarem a mais’.

A sarcástica afirmação é do escritor e filósofo Santiago Alba Rico que, ironicamente, salienta também, ‘só há três coisas que sempre serão impontuais, os namorados, as flores e a morte, por nunca chegarem na hora certa’, isto apesar de todas as nossas tecnologias!

Por outro lado, parece que com as crises do ‘corona’ e das redes sociais, a decorrer em simultâneo, estamos a descobrir ‘a vulnerabilidade do ser humano e que terá havido um excesso de prepotência da nossa parte, a vivermos há anos uma aceleração considerável, que encontrou o primeiro buraco em 2008, mostrando que perdemos a noção dos limites e, quando a humanidade perde os limites, tudo acaba mal’.

São palavras do filósofo Josep Ramoneda, garantindo que nada pode ser mais frágil do que um ser que nasce, se desenvolve e morre num espaço de tempo que, com muita sorte, chegará aos 100 anos, mas só uns milésimos de segundo da história da Terra.

Por outro lado e ao mesmo tempo, de acordo com Daniel Innerarity, ‘o homem é o único do reino dos seres vivos que sabe da existência do futuro. O futuro existe, mas mesmo sabendo isso, não implica que saiba o que fazer com esse saber’.

Um aforismo que parece dar origem a duas reflexões bem próximas do catastrofismo, vindas de dois eminentes pensadores da sociedade e do mundo actual.

Para Umberto Eco, numa conferência recente na Universidade de Turim, ‘Auschwitz não seria possível com redes como o Twitter, porque a notícia se teria difundido como um vírus, mas com o inconveniente de dar o direito de palavra a legiões de imbecis’.

E a ver pelo que Margaret MacMilan, professora de História em Oxford, afirmou ao ‘The Times’ há pouco mais de um mês, ‘se a posteridade vier a analisar a resposta que demos a esta crise, concluirá que o mundo ficou louco’.

Na verdade, neste mundo hiperligado, as redes sociais espalham primeiro as piores notícias, sem ter em atenção que são elas as que permitem maior controlo social, que o medo gera obediência e a incerteza dá asas a qualquer político (reforço este «qualquer»), para melhor gerir as decisões que quiser tomar.

Por tudo isto, pelas experiências e pelos ensinamentos que esta crise nos lega e onde predomina o individualismo, creio mesmo que, quando isto tudo acabar, seremos bem diferentes, mas muito longe de ser melhores!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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