CARTA DE BRAGA – “futuro e inferno” por António Oliveira

Vivemos constantemente a fazer frente ao futuro, mas é o que devíamos temer, pois é a morte disfarçada’ afirmou um dia Erich Kahler, o crítico literário e ensaísta mais vivamente enaltecido por Thomas Mann e Einstein.

O futuro é o Tempo dizia ele, por ser ‘A autoridade com mais peso que conhecemos, pois é dali, não de Roma ou de algum centro religioso, que procedem os dogmas e férreos decretos. É o lugar da ciência como sistema dogmático e do colossal conjunto de interesses assim criado’.

Mas Kahler vai ainda mais longe, ‘As suas plataformas e torreões, estão guarnecidos e ferozmente defendidos por um gigantesco exército de teóricos, experimentadores, investigadores, professores, maestros, técnicos, publicistas e jornalistas’.

E na origem desta parafernália de ‘especialistas’ escolhidos a dedo, está apenas a sobre-exploração da natureza, apesar de ser evidente que ‘Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objectivos da vida humana. Se fosse assim, teríamos de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare’, escreveu Bertrand Russel.

Esta característica, notória até por 22 de Agosto ter sido mais um dia de alerta para a Terra, pois o planeta atingiu nesse dia, o limite das suas capacidades naturais, isto é, foi o dia em que terminaram todos os recursos que é capaz de regenerar durante um ano.

A este propósito e, ainda Bertrand Russel, ‘Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável, justamente por se impor o sobre-trabalho à outra parcela’.

Também se pode confirmar a esta afirmação com outros números ‘Entre 2018 e os primeiros sete meses de 2020, a riqueza dos milionários tecnológicos cresceu 42,5%, até 1,8 bilhões de dólares (1,5 bilhões em euros), ao mesmo tempo que os ricos do sector da saúde viram a riqueza aumentar 50,3%, até aos 658 milhões de dólares (560 milhões de euros)’!

Estes números, obviamente escandalosos, vieram dos órgãos de comunicação social dos primeiros dias de Outubro, exactamente aqueles em que o Banco Mundial alertou para o dilacerante número de 150 milhões de pessoas que passarão a viver em situação de pobreza extrema.

Também já aqui tratei destes números sobre uma outra perspectiva, mas prefiro agora voltar às palavras iniciais de Erich Kahler, por ter tirado de uma peça oratória ‘Cada dia, cada estação e cada ciclo é portador das suas próprias plenitudes, mas cada tempo arrasta a colheita do tempo anterior’.

Talvez fosse bom pensar nisto, ou acabaremos a perguntar, como uma vez o fez Aldous Huxley, ‘E se este mundo for o inferno de outro planeta?

Não haverá nenhum paraíso para aqueles 150 milhões de pessoas!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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