UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (119) – Reposição

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A SENHORA ALVELOS E O HOTEL DO LOUVRE

Maria Henriqueta de Lemos e Alvelos, possuidora de uma beleza estonteante, há muito que fazia razia nos corações dos que com ela privavam, e também dos que a desejavam. Divorciada de João de Mena, de Pinhel, após um rocambolesco processo de abandono, pensão de alimentos e falsa maternidade (ver Gomes Monteiro em Feras do Povoado), após o que foi posta na rua por indecente e má figura, ganhou as graças e a generosidade de Manuel Marçal, de Foz Côa, com quem se amancebou. Em pouco tempo já ela estava contemplada no seu testamento. Manuel Marçal, amigo do Marechal Saldanha, tinha influência a nível do governo e muitos inimigos. A 18 de Maio de 1861, perto da uma da manhã, foi cobardemente assassinado em Tábua, pelos irmãos Rodrigo e João Balsemão, de Lourosa.
A morte de Manuel Marçal foi, para Maria Henriqueta Alvelos, de uma grande perda. Só Manuel Marçal conseguia, com seu pulso férreo, dominar-lhe os ímpetos que a sociedade do século XIX lhe não perdoava nem admitia. Mas, apesar dos seus quarenta anos, Maria Henriqueta atraía ainda olhares cheios de cobiça e de desejos encapotados. Os despeitados não perdiam tempo a feri-la com os seus dichotes cruéis. Decidiu-se então, em 1870, a fixar residência no Porto.
Pouco tempo depois, vendendo tudo o que recebera por morte do Marçal, apurou verba suficiente para tomar de trespasse o Hotel do Louvre. Este Hotel, fundado em 1864, ocupava o prédio que fazia esquina na rua do Rosário com a rua do Triunfo (actual D. Manuel II). O Hotel, que já era luxuoso, sofreu, graças à vontade e fantasia da nova proprietária, algumas obras, que lhe deram ainda maior imponência. Era um requinte de elegância, a que só as pessoas ricas poderiam almejar, e os preços cobrados correspondiam a essa qualidade.

ESQUINA DA RUA DO ROSÁRIO COM A RUA D. MANUEL II HOTEL DO LOUVRE
ESQUINA DA RUA DO ROSÁRIO COM A RUA D. MANUEL II
HOTEL DO LOUVRE

Quando o Imperador do Brasil, D. Pedro II [(1825-1891), filho de D. Pedro IV de Portugal], se decidiu a visitar o Porto, tratou, o Cônsul Brasileiro na cidade, de preparar alojamento condigno. Seria necessário um hotel que tivesse pelo menos dezasseis salas. Não havia, no Porto, nenhum que obedecesse a tais condições. Nem o Estado nem o Município se dignaram oferecer qualquer palácio dos que por cá havia, para alojar o Imperador.
O Hotel do Louvre, foi sugerido ao Cônsul como o único no qual se poderiam efectuar obras de melhoramento e expansão, para o efeito.
Recebido por D. Henriqueta, e apoquentado pela extrema necessidade, o Cônsul aceitou as condições que lhe foram impostas. Transformações no edifício, expansão para o edifício anexo na rua do Rosário, novo mobiliário, novas forras de seda e de damasco, etc. Tudo muito dispendioso, mas que teve a anuência do emissário, aliviado com a solução encontrada.
À chegada do Imperador ao Porto, em Fevereiro de 1872, tudo estava em ordem e preparado para receber condignamente sua Majestade Imperial.

Nos jornais da época, assim se noticiava:

“Hotel do Louvre
Fora tomado por conta do Imperador este hotel, situado à entrada da rua do Triumpho. Tornou-se digno de menção e objecto de curiosidade a grandeza e o gosto com que a sua proprietária o decorou. O primeiro andar foi destinado aos Imperadores, e o segundo á sua comitiva. O hotel foi expressamente modificado em algumas das suas disposições para este fim extraordinário, e o esmero que se empregou nesses trabalhos, bem como na decoração interna da casa, tornavam-no digno de receber os altos personagens a quem se destinava.”

 

Dom Pedro II (2 de Dezembro de 1825 — 5 de Dezembro de 1891), alcunhado de "O Magnânimo", foi o segundo e último monarca do Império do Brasil, tendo reinado o país durante 58 anos
Dom Pedro II (2 de Dezembro de 1825 — 5 de Dezembro de 1891), alcunhado de “O Magnânimo”, foi o segundo e último monarca do Império do Brasil, tendo reinado o país durante 58 anos

Durante quatro dias, o Imperador e a sua comitiva ficaram alojados no Hotel, sem que nada lhes faltasse, após o que seguiram rumo a Norte, ficando o Cônsul encarregado de satisfazer a conta do hotel.
A senhora Alvelos, apresentou a conta e …
– Mil libras? Isto não pode ser! Não posso pagar essa exorbitância. – exclamou o Cônsul.
– Não pode? Até aí sei eu… Mas não foi o sr. Cônsul que eu hospedei, mas o senhor D. Pedro II, Imperador do Brasil, que aqui comeu e bebeu à tripa forra e que por isso terá de puxar os cordões à bolsa. Esse pode pagar – disse a hoteleira.
E brandiram argumentos, ora para cá, ora para lá, com uma a dizer que exigia o pagamento, e o outro a dizer que era uma “conta calada” e que por isso a não pagava.
Face ao impasse, D. Henriqueta fez instaurar um processo na justiça, e o escândalo rebentou, com os jornais a explorarem o assunto minuciosamente. Rafael Bordalo Pinheiro, publicou até um folheto, Viagem do Imperador do Brasil, no qual, o soberano, aparecia caricaturado, a vomitar as tripas que comera, visto não querer pagar a conta respectiva.
E o caso tomaria proporções nunca vistas, não fosse ter surgido a intervenção de quatro “brasileiros de torna viagem” que, tendo enriquecido no Brasil resolveram abafar o escândalo.
De acordo com o que entre eles combinaram, um dos quatro dirige-se ao Hotel do Louvre para falar com a Srª D. Henriqueta, à qual entregou um cheque, no valor de mil Libras, para pagamento da conta de sua Alteza Imperial. Só que o cheque teria de ser pago no Brasil. D. Henriqueta, para receber o valor que lhe deviam, teria que atravessar o mar. Para esse efeito, o capitalista entregou-lhe ainda, seiscentos mil reis, em dinheiro, para custear a viagem.
Ficou dessa forma paga a dívida e acabado o escândalo.
D. Henriqueta partiu para o Brasil e regressou passados alguns meses.
Encontrou o seu adorado hotel em pantanas, mal administrado e sem clientes.
Não desanimando, resolveu fechá-lo e abrir um outro, com o mesmo nome, na Foz do Douro.

 

 

VISTA NASCENTE DA ESQUINA DA RUA DE DIU COM A RUA CÂNDIDA SÁ DE ALBERGARIA
VISTA NASCENTE DA ESQUINA DA RUA DE DIU COM A RUA CÂNDIDA SÁ DE ALBERGARIA

 

VISTA POENTE DA ESQUINA DA RUA DE DIU COM A RUA CÂNDIDA SÁ DE ALBERGARIA
VISTA POENTE DA ESQUINA DA RUA DE DIU COM A RUA CÂNDIDA SÁ DE ALBERGARIA

A escolha acabou por recair numa casa da Avenida de Carreiros (actual Av. do Brasil), que alugou (desconheço qual teria sido a casa). Não tinha a imponência do anterior, mas a senhora Alvelos, depositou nele todas as esperanças e muita vontade. No entanto, o empreendimento não cumpriu com os objectivos, fechando um ano depois.
Não sendo mulher de desistir, nem de se dar por convencida, mudou-se de armas e bagagens para uma casa na esquina da rua do Gama (actual rua de Diu) com a rua do Túnel (actual rua Cândida Sá de Albergaria) onde instalou o terceiro Hotel do Louvre. Por ali passava a Máquina em direcção a Matosinhos e em direcção ao Porto, e seria um local bem melhor do que o outro frente à praia, longe dos transportes (não há certezas quanto ao saber-se qual a casa em questão).
A Foz do Douro continuava a ter um Hotel com o prestigioso nome de Louvre!
Mas, infelizmente para a a Srª. D. Henriqueta, também este poucos meses durou.
Desistiu de ser hoteleira e com a idade a pesar-lhe, com as estravagâncias e a opulência de uma vida desregrada e caprichosa, a orgulhosa Maria Henriqueta de Lemos e Alvelos, que durante mais de cinquenta anos impusera vontades, conquistara o mundo e escandalizara a sociedade, chegava ao fim da vida sem hotel, sem prestígio e sem dinheiro.
A braços com a miséria, de decadência em decadência, Maria Henriqueta morreu, não sem que a sua morte viesse estampada em todos os jornais.

 

ONTEM FOI DESTA MANEIRA

 

FOZ LITERÁRIA

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(P.F. clicar em cima da ligação acima para visualizar o vídeo)

 

HOJE FOI ASSIM

 

 

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2 Comments

  1. Interessante a crónica sobre Henriqueta e os “Louvre”…Parabéns! Já que estás em viagem pela Foz, que tal
    escrever sobre a Rua do Teatro – onde ficava o Teatro Vasco da Gama? E a Rua dos Prazeres, qual ou quais as razões de ainda hoje ter esse nome…um abraço!

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