A “CPLP”, A LUSOFONIA E OUTRAS FONIAS – por MANUEL SIMÕES

 

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi fundada em 1996, celebrando-se, portanto, agora o seu 25.º aniversário com a cimeira de Luanda. Ora, nestes 25 anos, quem é que se deu conta das vantagens da sua existência, ou da utilidade para os países que a compõem, para além do fórum anual com os respectivos – e inevitáveis – almoços e jantares de gala?

A julgar pela sigla, devia reunir os países de língua portuguesa no sentido de facilitar o intercâmbio a vários níveis, mas bem cedo se percebeu que o interesse dos vários países recaía sobretudo em aspectos económicos e financeiros, quando alguns Estados pretenderam associar-se como observadores, ou sobretudo quando a Guiné Equatorial, creio que pela mão de Timor-Leste, passou a fazer parte integrante da CPLP com a promessa, todos os anos renovada, de este país abolir a pena de morte e respeitar os direitos humanos e a liberdade de imprensa. Uma autêntica utopia supor que Obiang deixará alguma vez de ser ditador para se tornar democrata. Mas mesmo que cumprisse estes requisitos, como justificar a entrada na comunidade de língua portuguesa de um país que não tem o Português como língua oficial. Só se pode justificar por interesses recíprocos na área política e económica.

Tal como o conceito de Lusofonia, a CPLP nasceu com o estigma do neo-colonialismo. O mesmo aconteceu com a terminologia “Literaturas africanas de língua portuguesa/de expressão portuguesa”, que substituiu à pressa a designação “literatura ultramarina”, quando se percebia que era uma terminologia de passagem para os países africanos, enquanto não florescesse e se tornasse autónoma a própria literatura (angolana, cabo-verdiana, etc.), que, aliás, desde o princípio – veja-se o caso de Luandino Vieira e outros – adoptou termos e sintaxe das línguas autóctones.

Mas voltando à CPLP, sabe-se que o Brasil mostrou sempre desinteresse por esta organização (já estava a contas com o Mercosul), designadamente durante a presidência de Dilma Rousseff, a qual se questionava sobre as vantagens económicas dessa adesão.

Em artigo publicado no “Público” de 16/07/2021, Augusto Santos Silva, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, definia os três factores de afinidade da CPLP (a história, os processos sociais e políticos do presente, e a língua comum) e acrescentava: «Língua de todos e de cada um, na variedade respetiva, e com o estatuto que cada um escolheu soberanamente, como a sua ou uma das suas línguas oficiais». Não se entrevê aqui imediatamente a enorme contradição entre a liberdade linguística (“escolha soberana”) e a ideia peregrina do acordo ortográfico que ninguém quer cumprir e que circula passivamente na ortografia burocrática de Portugal? É a enésima demonstração do conhecido provérbio “Gato escondido…”, até porque, como já referiu Nuno Pacheco (parece que é o único jornalista a preocupar-se com este estado das coisas), a palavra “língua” é repetida 25 vezes na declaração de Luanda, como quem quer auto-convencer-se de que a língua portuguesa é o princípio fundamental da CPLP.

Leave a Reply