AFEGANISTÃO, por BOB LEFSETZ

 

 

Afghanistan, por Bob Lefsetz

The Big Picture, 22 de Agosto de 2021

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

 

As pessoas não se importam.

Na melhor das hipóteses, é um filme de grande rentabilidade com números que baixam enormemente depois do fim-de-semana de abertura, que nunca foi transmitido por cabo ou num serviço de streaming, que pode procurar se quiser mas a maioria das pessoas não faz nenhum esforço para tal.

Isto é radicalmente diferente do Vietname. Lembro-me de ver a saída na televisão, numa altura em que não via televisão, porque era assim, mas pela graça de Deus, eu vi.

O serviço militar. Podia-se levar um tiro no rabo numa guerra fútil. Porquê ?

Essa era a diferença. Atingia-se os dezoito anos e estava-se em risco de ir para a guerra. Todos aqueles punheteiros preocupados com cartões de vacinas/bancos de dados são bebés em comparação com aqueles de nós que tiveram de se registar para o serviço militar. Não se podia escapar. Se tivesses dezoito anos, e quisesses escapar, eles encontrar-te-iam. Podias ir para o Canadá, mas isso foi antes de a maioria de nós lá ter estado e ter percebido como era fantástico. Ter-se-ia medo. .

Assim, no Vietname, estávamos a travar o comunismo. Havia mesmo um nome para isso, a “Teoria do Dominó”. Se não combatêssemos no Vietname, muitos mais países cairiam no comunismo e…

Sim, o comunismo era o bicho-papão na altura. Tínhamos visto Khrushchev a bater com o seu sapato. Tínhamos visto o muro a subir em Berlim. Havia a corrida espacial. Éramos nós contra eles.

E então Reagan resolveu o problema. O QUÊ?

Qualquer estudante de comunismo sabe que ele caiu de dentro, que Reagan não teve quase nada a ver com isso. Tal como não é realmente da responsabilidade de Biden que o Afeganistão tenha caído nas mãos dos Talibãs, isso ria acontecer, era apenas uma questão de quando nos retirássemos. No Ocidente, estávamos preocupados com os governos religiosos com os maus tratos infligidos às mulheres, enquanto que nos Estados Unidos numerosos são aqueles que auguram um governo religioso e estão envolvidos na saúde pessoal das mulheres enquanto estas se recusam a ser inoculadas contra uma pandemia. Não tente empregar a lógica, ela não se aplica.

Então o que era o inimigo no Afeganistão? TERRORISMO!

Mais uma vez, assim que invadimos o Afeganistão, os chefes fugiram para o Paquistão.

Mais uma vez, o foco estava no Iraque, embora Saddam Hussein não tivesse nada a ver com o 11 de Setembro. E pergunta-se porque é que as pessoas não confiam no governo.

Se tivesse vivido durante a guerra do Vietname, era contra a incursão no Iraque. Eu escrevi-o, eu era contra, veja isto.

Mas a América tinha mudado. Como resultado da situação dos reféns iranianos no final do mandato de Carter. Agora, o que estava em causa era a agressão. O que não é difícil de acreditar se se ouvisse a música. Os anos sessenta eram sobre paz e amor, a FM não estava formatada, para os hipsters, para os exploradores. Mas quando chegámos ao final dos anos setenta, tínhamos anos de agressividade formatada e a carne e as batatas balançavam em FM em cada aldeia e em cada burgo e esta era a música que alimentava o yahooism daqueles que nunca tiveram de enfrentar serviço militar, os rufias que não tinham estado em lado nenhum e pensavam que os EUA eram o mais indomável país do mundo e sem falhas.

E depois ficou pior.

O legado de Reagan é realmente a desigualdade de rendimentos. Talvez isso seja bem sublinhado nas gerações vindouras, depois da sua unção como santo se ter desvanecido no espelho retrovisor. Reagan baixou os impostos sobre os ricos e, de repente, era a época da abertura da caça, todos os que se amavam nos anos sessenta, ir-se-iam enriquecer. E Clinton acabou por sobretaxar tudo e apaziguou a direita ao longo do caminho, eviscerando os benefícios sociais. Agora deixámos de estar todos juntos no mesmo barco, agora havia os trabalhadores e os preguiçosos, os doadores e os tomadores, os ricos e os pobres, e se alguém não fosse um vencedor, era um perdedor, e seria denegrido pela sociedade.

E depois veio a Internet. E de repente os bilionários estavam por todo o lado. Não eram apenas os banqueiros. E vieram as redes sociais, que nos colocaram a todos no nosso próprio buraco com as nossas próprias influências/notícias. E a política já não se tratava de fazer as salsichas, mas de fixar os pés e batermo-nos uns contra os outros, no caso dos republicanos os líderes disseram literalmente que queriam ter a certeza de que Obama, e agora Biden, não conseguiam que nenhuma das suas ideias fosse aprovada por lei. Desta forma, podiam solidificar a sua base como uma multidão de basquetebol de liceu e depois…

…A multidão tomou conta do asilo. De repente, já não eram os ricos de direita que controlavam a situação mas a base que outrora era democrata , mas      foi ignorada pelos tecnocratas quando a globalização se tornou dominante. E as pessoas ficavam desagradadas. E os democratas falharam, os republicanos aproveitaram essa falha e, depois aperceberam-se que os seus valores tradicionais do mercado sem restrições gerido pela elite, já não funcionavam.

Aconteceu que a classe desfavorecida da direita queria cuidados de saúde tal como a esquerda. Assim, o que temos agora é um bando de autoridades  eleitas a falarem à toa, movimentando-se politicamente numa base teórica, e prejudicando ao mesmo tempo os seus constituintes. Este é o caso DeSantis, este é o caso de Abbott. Em que espécie de mundo é que o governo INSISTE em não proteger o seu povo? INSISTE num mundo livre para todos? Tudo em nome da liberdade, quando a verdade é que esse termo costumava significar algo nos tempos do comunismo, mas agora a maior parte da Europa é mais livre do que os EUA e os Talibãs podem exigir burkas, mas temos uma guerra cultural interminável nos EUA, discutimos se os padeiros têm de fazer bolos para casamentos gay. Será que as pessoas se preocupam realmente com isto? Não! Mas estes são pontos sensíveis que as autoridades eleitas acreditam que irão irritar a sua base eleitoral.

Como Benghazi. Rápido, peça a um republicano para encontrar Benghazi num mapa. Rápido, peça a QUALQUER ORGANIZAÇÃO nos EUA para encontrar Benghazi num mapa! Quase ninguém consegue, porque eles simplesmente não se importam, foi realmente uma luta sobre Hillary Clinton, não sobre as pessoas que lá morreram.

Portanto, a natureza do nosso país mudou, mas os “boomers” que governam a nação pensam que continua a ser a mesma coisa. Que estamos horrorizados, absolutamente horrorizados, digo-vos, que os Talibãs invadiram o Afeganistão numa questão de dias e os afegãos estavam em massa no aeroporto. Fotos fixes, mas o que é que isso tem a ver comigo, o cidadão americano médio? Os nossos aeroportos estão num caos. Estamos a lutar por máscaras em aviões, a fixar os passageiros com fita adesiva aos seus lugares, nem sequer sabemos como lutar pelas nossas próprias vidas. E quando somos confrontados com a opção de o fazer, para nos salvarmos, uma incrível camada da população do país diz não, nós iremos não vacinados e sem máscaras, que se danem os efeitos colaterais, precisamos da nossa liberdade! É positivamente tribal, em muitos aspetos não é diferente do Afeganistão!

E o presidente afegão estava impotente e os Mujahidines eram fanfarrões sem pasta, para não falar do desejo de poder, e os Talibãs voltaram ao poder. Não foi radicalmente diferente da tomada do poder pelos republicanos em 2016. Como é que todos assumimos que a tecnologia mudará constantemente mas assumimos que não muda a política, que não muda a temperatura do nosso país? Mais uma vez, as autoridades eleitas podem ter ouvido falar do TikTok, mas nunca o utilizaram, e se pensarmos que os jovens não têm o poder, não compreendemos o poder da tecnologia, a sua capacidade de reunir e mudar as mentes. Em muitos casos com a utilização da desinformação.

Por isso, levámos vinte anos para perder. Não que o resultado não tenha sido selado, estabelecido, garantido, logo quando começámos. O filme já tinha passado antes, com os russos, que estiveram quase uma década no Afeganistão e partiram com o rabo entre as pernas, não tendo conseguido nada. Porque é que a América pensou que era diferente? Nunca se chegou a fazer essa pergunta. É que a América pensava que era tão poderosa que podia ganhar em qualquer lugar. E levou vinte anos para que a nação acordasse e percebesse que isto não era verdade.

Se quiser que algo não se quebre, não compre americano. Eles continuam a dizer-nos que a indústria transformadora deve voltar, mas até os nossos iPhones são feitos na Ásia.

Eu nunca compraria um carro americano. Exceto talvez um Tesla. Mas mesmo esse faz-me hesitar, devido à sua má qualidade de construção.

Vê-se que os americanos têm tudo a ver com estilo de vida, não querem trabalhar muito, e porque é que tu, quando não consegues avançar, quando não consegues ganhar, quando os sindicatos foram eviscerados e Jeff Bezos utiliza jactos para o espaço com o dinheiro que ele ganhou com o excesso de trabalho dos empregados dos armazéns Amazon? Verifique os números, a Amazon está prestes a tornar-se o maior empregador da América. E claro, esse é o dinheiro de Bezos, legalmente, mas porque é que não havia impostos mais elevados? E a maioria dos americanos nem sequer investem no jogo de Wall Street.

Está tudo armadilhado.

Por isso, agora temos cabeças falantes que discutiam sobre as guerras culturais de ontem opinando sobre o Afeganistão hoje. O jogo é mais importante que os jogadores. Como o assunto não é pertinente, é apenas uma discussão interminável. E Lorraine Ali, uma velha crítica de rock que se tornou crítica de TV do “Los Angeles Times”, tem razão quando diz que sobre estas “notícias” que não têm ninguém no terreno no Afeganistão, estes lugares distantes, por isso não tem havido um fluxo contínuo de notícias e a verdade é que todas estas estações citam o “New York Times”, que toda a gente parece odiar porque se autoflagela em público, tentando resolver os seus problemas de autonomia à luz do dia, quando todos os outros media têm uma cortina de ferro e não alinham nas ideias estúpidas da direita. Sim, as tomadas de posição nos media de direita dizem-nos que Trump ganhou… O tipo de MyPillow conseguiu muito mais cobertura do que qualquer coisa que aconteça no Afeganistão, vejam só.

Veja-se Lorraine Ali: “American TV ignored Afghanistan. Until parachuting in to watch it fall”: https://lat.ms/3mafPG5

Assim, esta semana, os holofotes brilharam no Afeganistão. Assumindo que prestou atenção, e a verdade é que a maioria das pessoas não o fazem, verifique as audiências dos noticiários televisivos, elas são minúsculas, foi horrível. Mas a maioria das pessoas provavelmente viu uma notícia online e depois seguiu em frente. Quanto a avaliar o que isto significa para a América em geral? As pessoas perderam o poder de pensar. As escolas estão tão preocupadas com a possibilidade de as crianças possam aprender algo sobre a escravatura, ou outra coisa equivalente, que não ensinam os alunos a analisar, a peneirar a verdade a partir da escória, a separar o trigo do joio. As pessoas são literalmente INCAPAZES de o fazer. Portanto, é tudo emoção, durante todo o tempo. E a emoção não pode competir com os factos. Mais uma vez, aprendemos na última administração que os factos são fungíveis, Kellyanne Conway disse-nos literalmente isso, e agora a verdade está literalmente a ser capturada.

Portanto, o Afeganistão está realmente muito longe. Muitos americanos odeiam, em princípio, os muçulmanos. As pessoas estão a sofrer tanto que querem cuidar primeiro da América, em vez de gastarem milhões de milhões no estrangeiro. Quanto ao impacto a longo prazo…bem, atualize-se, atrás das alterações climáticas e de muito mais. Os jovens preocupam-se com o futuro, mas os velhos estão demasiado ocupados a equilibrar os interesses dos fornecedores de combustíveis fósseis, pesando as consequências comerciais, enquanto a América continua à deriva, como um veleiro com uma vela de proa.

Entretanto, a variante Delta está a fazer grandes estragos e as empresas estão a ser postas perante dificuldades (é um facto, pode ler no “Wall Street Journal”) e, apesar das restrições apertadas da Covid, a economia da Califórnia está a mexer e os cofres do estado estão carregados de massa e…

Se conseguir encontrar sentido nisto, está a passar muito tempo a prestar-lhes  atenção.

Mas a maioria das pessoas não tem nem o tempo nem a inclinação para isso. A sua prioridade não é o Afeganistão, não são as notícias, e uma vez que as notícias se tornaram entretenimento, e todos sabemos disso, porque devemos agora levá-las a sério?

Mas se estiver em casa, com dezoito anos de idade, preocupado em ser enviado para o estrangeiro para um lugar que nunca conheceu, e em que se arrisca a levar um tiro no rabo numa guerra fútil, estaria muito preocupado. Ficaria realmente feliz por os EUA se retirarem do Afeganistão. Porque isso significaria que estaria salvo. Além disso, estaria também a questionar estas incursões estrangeiras. Tudo em nome da humanidade, da sua própria segurança. Mas uma vez que o exército composto por voluntários existe, os políticos enviam a nossa juventude para o estrangeiro para serem mortos a torto e a direito e…

O resto da população diz apenas que se alistaram como voluntariou para isso.

Mas a verdade é que muitos deles não tinham outra opção. Eles precisavam do dinheiro. Ou não viam um futuro viável. Vá lá, sem um diploma universitário é quase impossível chegar-se à frente na América. Pode-se dizer que o exército faz de Faculdade para os grupos sociais de menores rendimentos. Eles aprendem a disciplina, uma profissão, e esperemos que isto lhes dê dividendos quando regressarem à sua terra natal. Mas isso é um risco e tanto, um risco que o americano médio não quer correr!

Portanto, a verdade é que não temos nenhum investimento no Afeganistão, quase nenhum, excepto as tropas que lutaram e morreram lá por nada, tal como fizeram no Vietname, e com certeza, vamos ter alguns filmes a passar nas salas de cinema, mas isso não vai substituir as suas pernas, nem a sua vida.

Mais uma vez, os americanos nem sequer querem proteger as suas próprias vidas, preferem brincar à Roleta Russa, não se vacinam acreditando que não vão ser apanhados pela variante Delta, e acabam num ventilador e possivelmente morrem. Sim, veem os perdedores deste jogo nas notícias todos os dias e os não vacinados não se importam, como se pode  achar que eles realmente se importam com o Afeganistão?

Não devíamos ter lá estado, certamente não durante tanto tempo. Mas as pessoas têm tanto medo do TERRORISMO!

Mas o verdadeiro terrorismo, o cibercrime, fica por resolver. E assim o constante compromisso dos computadores do governo, sem olhar aos casos de resgates. Mas ainda estamos ocupados a construir infraestruturas para uma guerra terrestre que nunca acontecerá enquanto as nossas próprias infraestruturas não podem ser reparadas. Sim, leia sobre os milhões de milhões gastos no Afeganistão basicamente para nada, e depois pense no buraco que rasgou o seu pneu e dobrou a sua jante. E pergunta-se porque é que as pessoas estão zangadas. Precisamos de nos concentrar mais de baixo para cima do que de cima para baixo. Temos de educar, informar e tomar conta dos desfavorecidos. Temos de lhes dar a oportunidade. Mas não podemos, porque estamos no meio de uma guerra tribal.

Quanto à retirada do Afeganistão causar  um golpe na nossa reputação internacional…a verdade é que a América já caiu aos olhos do resto do mundo. Basta ir a algum lado e ouvir. Mas não, é melhor ser uma avestruz a acreditar numa fantasia até que tudo tenha acabado.

Agora não me diga sobre a  América, ama-se ou abandona-se, isso é uma estupidez. Claro, há grandes coisas nos Estados Unidos e, claro, as pessoas clamam para vir aqui, mas não toda a gente. Porque é muito bom em muitos países. E a verdadeira razão pela qual as pessoas vêm para a América é a oportunidade económica, que nós suprimimos em cada curva, assegurando que os pobres permaneçam pobres  e que os ricos os dominem.

Antigamente, podíamos contar com artistas para estabelecer a verdade. Sim, os músicos disseram-nos que a Guerra do Vietname era um esforço falso com custos enormes. Mas hoje em dia as notícias sobre música são sobre extensão das marcas e da riqueza. É um pouco diferente da luta-livre. E os filmes são sobre super-heróis fictícios, não há aí literalmente nenhuma  verdade. Há um vácuo de verdade e de honestidade, mas é muito claro porque é que isso acontece porque…a verdade, a honestidade, isso não compensa! E a vida é dura, e ao contrário dos anos sessenta e setenta, não se consegue sobreviver com o salário mínimo.

Por isso, esta história do Afeganistão esfumar-se-á  e não terá pernas para andar, exceto para os políticos que a usam como forma de denegrir  Biden, sem falar de Bush II e Cheney que  nos meteram nesta confusão, nem falar de Obama e Trump que  continuaram a politica daqueles. Temos o jogo da culpa. Na esperança de que votem a favor dos “inocentes”, assumindo que podem mesmo votar. É verdade, na América de hoje, não só não se pode fazê-lo  economicamente, como não se pode sequer votar.

Pois então continuem a dizer-nos quão má está a situação no Afeganistão, quão mal a situação foi gerida, Se quiserem que a gente pare e escute, podem ao menos arranjar algumas imagens de nus, alguns clips de vídeos do Tik-Tok, algum filme de ficção em que apareça um super herói que venha salvar o dia? Porque se assim não for… NÃO ESTAMOS INTERESSADOS!


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