Portas giratórias em Espanha… – “Os vínculos entre as elites políticas e as empresas elétricas, uma convivência suspeita”. Por Jorge Otero Maldonado

Seleção e tradução de Francisco Tavares

 

Os vínculos entre as elites políticas e as empresas elétricas, uma convivência suspeita

A lista de políticos do PP e do PSOE que ocuparam os assentos nos conselhos de administração das companhias de electricidade é quase interminável e é encabeçada em letras de ouro com os nomes de três antigos presidentes do governo e dos principais ministros da economia ao longo dos últimos 40 anos.

 

Por Jorge Otero Maldonado

Publicado por  em 15/09/2021 (ver aqui)

 

Manifestação contra o aumento dos preços da electricidade em frente ao Congresso dos Deputados em Madrid na terça-feira. – Rodrigo Jiménez / EFE

 

As medidas aprovadas pelo governo para reduzir o preço da electricidade enfureceram as companhias de electricidade, que estão incomodadas porque o governo pretende cortar as suas margens de lucro extraordinárias, os enormes lucros que caíram do céu. A sua raiva é tal que as companhias de electricidade ameaçam encerrar as suas centrais nucleares e deixar o país sem 25% da sua energia.

Uma ameaça que é surpreendente dadas as relações tradicionalmente excelentes entre o poder político e as grandes empresas de electricidade: pelo menos nos últimos 25 anos, as empresas do sector têm servido como portas giratórias lucrativas para numerosos políticos, especialmente do PP e do PSOE. De facto, ainda é comum as empresas energéticas (um sector que, aliás, está fortemente regulamentado) utilizarem antigos políticos para aproveitarem os seus contactos e experiência em troca de uma retribuição financeira suculenta. Um modelo de convivência que funciona bastante bem e ao qual ninguém põe fim, apesar das críticas recorrentes contra esta prática.

A lista de políticos que ocuparam lugares nos conselhos de administração das empresas de electricidade e energia é interminável. A lista é encabeçada em letras de ouro pelos nomes de José María Aznar, Felipe González e Leopoldo Calvo-Sotelo, antigos presidentes do governo; sem esquecer tão pouco que os mais importantes e mediáticos ministros das finanças dos últimos 40 anos, desde Miguel Boyer a Luis de Guindos, passando por Rodrigo Rato, Pedro Solbes e Elena Salgado, terem tido fortes ligações com as empresas de electricidade.

Só entre 2018 e 2021, até uma dúzia de altos funcionários da administração pública juntaram-se ao conselho de administração de uma empresa de electricidade. Destes, sete antigos altos funcionários – cinco do PSOE e dois do PP – juntaram-se à Red Eléctrica, uma empresa na qual o Estado detém 20% do seu capital através da SEPI e que detém e gere todo o sistema de transmissão de electricidade em Espanha e as suas infra-estruturas. O facto de parte do seu capital ser público facilita as nomeações políticas: Beatriz Corredor, que foi Ministra da Habitação com José Luis Rodríguez Zapatero, tem sido a sua presidente desde Fevereiro de 2020, cargo que assumiu de outro político e ex-ministro Zapatero, Jordi Sevilla. Para além de B. Corredor e Sevilla, três outros antigos ministros socialistas, Luis Atienza, Miguel Boyer e Ángeles Amador, também trabalharam para a empresa. Corredor cobra 546.000 euros brutos por ano.

Enagás, o principal transportador de gás natural em Espanha, também não fica para trás. É o PSG de todas as portas giratórias. O seu conselho de administração está cheio de políticos: nada menos que quatro antigos ministros, dois do PP e dois do PSOE, assim como outros antigos altos funcionários dos governos de José María Aznar, José Luis Rodríguez Zapatero e Mariano Rajoy. Do lado do PP estão Isabel Tocino, chefe do Ministério do Ambiente entre 1996 e 2000, e Ana Palacio, que chefiou a pasta dos Negócios Estrangeiros entre 2002 e 2004. José Montilla, ministro da Indústria, Turismo e Comércio entre 2004 e 2006 e presidente da Generalitat de Catalunya entre 2006 e 2010, e José Blanco, que dirigiu o Fomento entre 2009 e 2011, são os socialistas que se sentam nas almofadadas cadeiras do conselho de administração.

A Endesa é a empresa de electricidade que faz contratações com mais pedigree. Em 2014, a companhia de electricidade contratou o ex-Primeiro Ministro José María Aznar como conselheiro com um salário de 200.000 euros. Passaram pelas suas fileiras, ao longo de diferentes períodos, políticos conhecidos como Marcelino Oreja, Rodolfo Martín Villa (que se tornou presidente da companhia quando esta estava a ser privatizada em 1997), Pedro Solbes e Luis de Guindos. Rodrigo Rato nunca pertenceu ao conselho de administração da Endesa, mas fez negócios importantes com a empresa.

Naturgy, a antiga Gas Natural, também teve o seu momento de glória quando contratou Felipe González. Entre finais de 2010 e 2015, González foi conselheiro da companhia de electricidade. Nos seus pouco mais de quatro anos no posto, González cobrou algo mais de meio milhão de euros. O antigo presidente deixou o cargo porque, confessou mais tarde, se aborrecia.

A Iberdrola também tem ex-ministros na sua folha de pagamentos, e mesmo altos funcionários do sector público que, em princípio, nada têm a ver com o mundo da energia, como é o caso do ex-Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas sob proposta de Mariano Rajoy entre 2011 e 2017, Almirante Fernando García Sánchez, actualmente presidente da Fundação Iberdrola.

Entre os conselheiros da Iberdrola abundam os ligados ao PP: Ángel Acebes, antigo Ministro do Interior e Justiça sob Aznar, e Isabel García Tejerina, Ministra da Agricultura e Ambiente entre 2016 e 2018 sob Mariano Rajoy, e Fátima Báñez, antiga Ministra do Emprego, são actualmente conselheiros independentes da empresa. Segundo El Economista, um conselheiro externo da Iberdrola ganha 374.000 euros por ano.

Agora, com o preço da electricidade a disparar, as portas giratórias estão de volta aos holofotes dos meios de comunicação e estes exemplos estão, mais que nunca, a chamar a atenção. A pergunta é óbvia: existe realmente conluio entre as grandes empresas de electricidade e energia e os poderes políticos em Espanha? É por isso que os preços da electricidade estão a subir? Ninguém o pode dizer com certeza, mas a sombra da suspeita está a alastrar fortemente.

Como Manuel Villoria, professor de Ciência Política e Administração na Universidade Rey Juan Carlos e um dos principais especialistas em transparência e corrupção do país, disse ao Público em Junho passado: “Isso existe. Temos suspeitas, mas nunca foi provado que tenha havido chamadas que tenham influenciado qualquer tipo de decisões”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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