CARTA DE BRAGA – “da fragilidade e do caminhar” por António Oliveira

Todos somos frágeis e desprotegidos, por estes tempos não serem para enfrentar de ânimo leve, tal a quantidade de condicionantes que somos obrigados a considerar e suportar. 

Atenazados’ por um lado pela finança ou pela política que, quase sempre, andam juntas pela vontade do homem, não pela graça de Deus e, de outro ou de mais alguns lados, pelas crescentes desigualdades, provenientes da pesada e avassaladora injustiça na distribuição da riqueza que todos geramos, cada um com as suas possibilidades, mais se faz notar tal fragilidade. 

E não é necessário qualquer estudo, mais ou menos algorítmico ou estatístico, para o confirmar, basta passar pelas ruas e olhar os ‘cabeças baixas’, sem ser os do telemóvel, pelas portadas dos ‘sem abrigo’, ou folhear (uma vez por ano já é demais!) o ‘manha’ de todas as manhãs.

Se, por acaso quisermos avançar nesta pesquisa, poderemos olhar as escolas de bairro à hora da entrada ou da saída, as salas de espera dos centros de saúde e hospitais públicos, olhar bem a frequência da maioria dos ‘lares’ e ‘residências’, onde se depositam os mais vulneráveis, os ‘velhos’ que já são pouco mais do que uma carga complicada e impensável, para os seus aflitos e também vulneráveis descendentes. 

Mas a fragilidade maior está na solidão que esta pandemia veio acentuar, onde a máscara esconde um sorriso, a distância impede ou dificulta um abraço ou um beijo, impõe lonjuras difíceis de ultrapassar, como está ainda na solidão da mulher ‘ofendida’, na criança a pedir escola, na mão calejada a pedir trabalho, no ‘arrumador’ sem outra hipótese de vida, naquele senhor com o mesmo fato de todos os dias em cima dos sapatos cambados, a dar uma volta triste no jardim ou na praça da cidade, para sempre cumprimentar, desbarretando-se, alguém tão vulnerável como ele. 

E está nas palavras que engolimos por não haver possibilidade de resposta, a remeter-nos para o canto dos descartáveis nos salões dos solitários do poder, pois a luta de classes do século XXI é e será, uma luta de devedores e credores, por haver 300 bilhões de dólares em activos líquidos concentrados em poucas mãos, sem contar com os activos patrimoniais à procura de rentabilidade (dos jornais), o que pressupõe conflitos com famílias, com empresas e mesmo com Estados, que sempre requerem recursos, quando o ideal seria a cooperação e não a competitividade.

Só que para isso, esse tal ideal passa pela mediação da palavra, mas aparentemente, tal desiderato não passa de uma utopia que, no texto ‘A espiral vertiginosa’, o  ensaísta e crítico literário João Barrento, explica assim, ‘a nossa cultura do espectáculo, da moda à política e ao mundo da literatura, não é crítica, é performativa, e a nossa contemporaneidade não tem um projecto, só tem estaleiros, é uma cultura de cidadelas, que vive com a crise e a cultiva – mas esta crise deixou de estimular qualquer potencial crítico’.

Convém não esquecer que a palavra marca toda a história do homem, diz Roland Barthes em ‘O óbvio e o obtuso’, porque ‘Durante muitos anos, seguindo um célebre aforismo do Evangelho, opusemos a Letra (que mata) ao Espírito (que vivifica)’, uma ideia de algum modo completada por Cornelius Castoriadis no ensaio ‘A ascensão da insignificância’, ao afirmar ‘O capitalismo não tem necessidade de autonomia, mas de conformismo. O seu actual triunfo reside no facto de vivermos numa época de conformismo generalizado, não só no que diz respeito ao consumo, mas também à política, às ideias, à cultura’. 

De qualquer modo, tudo isto não passa hoje, de uma consequência do impositivo da imagem mediática, a mesma que favorece uma ‘civilização em que se multiplicam os voyeurs e os contemplativos, porque as mitologias revelam aquilo em que se não ousa mais acreditar e que, por isso, se busca em imagem e, muitas vezes, naquilo que só a ficção oferece’, garante Michel de Certeau em ‘A cultura no Plural’.

E, até por isto, por o acto de bem ler ser cada vez mais raro e difícil, também nós somos frágeis e vulneráveis, pois temos de resistir à política da não política, de calar em vez de falar, de ver as montanhas de assessores, publicistas, empresas e vendedores, que se encarregam de campanhas para substituir a militância das ruas (também já rara!), até com propostas para a conseguirem comandar e governar. 

Mas, nunca esqueço um velho ditado africano, ‘Para quem caminha há sempre um sol amanhecendo’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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