O FEITICEIRO DE OZ, caderno de textos de apoio organizado por Luís Peres Lopes

 O Feiticeiro de Oz

É este o tempo do regresso ao mundo político,

económico, social e monetário de Oz?

Gravura na capa
Dorothy encontra o Leão Cobarde
Gravura da primeira edição do livro The Wonderful Wizard of Oz, 1900
W. W. Denslow
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Cowardly_lion2.jpg

É este o tempo do regresso ao

mundo político, económico, social

e monetário de Oz?

Sessão de Cinema e Debate
Projeção do filme
O FEITICEIRO DE OZ
de Victor Fleming, EUA, 1939, 97 min
Comentários de Joaquim Feio
Realização no âmbito da unidade curricular de Economia Política Internacional II
Organização de Luís Lopes

Caderno de textos de apoio

 

Faculdade de Economia

Universidade de Coimbra

9 de abril de 2013

 

 

ÍNDICE

 

 

 

A Idade do Ouro

Parte 1. Uma relíquia bárbara

Parte 2. Memórias douradas

Satyajit Das

Dinheiro e política na Terra de Oz

Quentin Taylor

A teia da dívida: A verdade chocante do nosso sistema monetário e como nos podemos dele libertar  

Ellen Hodgson Brown

Segredos de O Feiticeiro de Oz

Rumeana Jahangir

_______________

 

 A Idade do Ouro

Satyajit Das

EconoMonitor

Parte 1

Uma relíquia bárbara

5 de dezembro de 2012

Na Alemanha, o ouro já está disponível e à venda a partir de máquinas colocadas nos aeroportos e nas estações dos caminhos de ferro – Gold to Go. Os clientes podem comprar uma “bolacha” de um grama de ouro ou um barra maior de 10g. Na procura de segurança para as suas economias, as pessoas já compraram 150 toneladas de ouro, principalmente na forma de moedas. Investidores aplicaram as suas economias em fundos especiais (conhecidos como fundos negociados em bolsa – os ETFs) que as reúnem para comprar mais de mil toneladas de ouro.

Tendo anteriormente vendido as suas reservas de ouro, alguns bancos centrais estão agora a refazê-las, recomprando-o.

As refinarias estão agora incapazes de satisfazer a procura de barras de ouro e moedas. Estão a ser construídos novos cofres próprios para assegurar o seu armazenamento seguro.

Como a crise financeira global continua e o tratamento que está a ser feito através da liquidez se mostra tão perigoso como a doença, o preço do ouro aumentou de cerca de 250 dólares por onça troy em 2001 para um máximo de cerca de 1.900 dólares em 2011. Agora está a ser comercializado em torno de 1.750 dólares por onça.

Como escreveu o poeta John Milton: Time will run back and fetch the age of gold.[1]

O ouro como reserva de valor…

Ouro, símbolo químico Au e número atómico 79, é um metal denso, maleável e brilhante. É altamente dúctil e não enferruja em contacto com o ar ou com a água tornando-o útil em odontologia e eletrónica.

O ouro é inclusive comestível. Este metal pode ser apresentado em folhas superfinas muitas vezes translúcidas – um único grama pode ser apresentado numa folha de um metro quadrado, ou uma onça pode ser apresentada numa área de 27 metros quadrados. O ouro pode ser apresentado em papel superfino que se utiliza para cobrir mesmo certos doces indianos, por exemplo. Mas a menos que dele se necessite muito para restaurações dentárias ou para colocar num sarcófago faraónico a utilizar numa viagem para o além, a utilização efetiva de ouro é limitada.

O ouro tem qualidades desejáveis para a sua utilização como moeda – é raro, durável, divisível, fungível, fácil de identificar, de fácil transporte e possui um alto valor em relação ao peso. O ouro e outros metais preciosos, principalmente a prata, formaram a base da moeda em praticamente toda a recente história económica da humanidade. Somente a partir dos anos de 1970 é que o dinheiro em forma de papel-moeda passou a ser utilizado à escala mundial. Para alguns, só o ouro cunhado é que continua a ser considerado verdadeiramente como moeda, universalmente reconhecido e aceite como tal e trocável enquanto tal por bens ou serviços e a igualmente como reserva de valor igualmente.

As razões de ser da utilização do ouro pelo homem são complexas. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na Índia, onde o ouro está profundamente enraizado na sua cultura.

Na Índia todos os eventos importantes na vida requerem a dádiva em ouro. O batismo de uma criança ou o ato de comer o seu primeiro alimento sólido, geralmente arroz, exige ofertas em ouro. Pela tradição, o casamento exige um dote em ouro – colares pesados, braceletes ornamentados, brincos, anéis incrustados de pedras preciosas, peças delicadas ornamentais para a cabeça assim como delicados e finos saris tecidos também com fios de ouro.

Para além do seu significado cultural, para os indianos o ouro é, por fim, uma reserva de valor que pode ser penhorado ou usado como garantia para levantar dinheiro rapidamente. Para as mulheres indianas, o ouro pode também ser o único ativo de propriedade verdadeiramente seu, assim como representa a esperança de segurança financeira – o seu único “pé-de-meia”.

A violência e abusos relacionados com questões de dote são bastante frequentes. Para as famílias menos favorecidas, a incapacidade de oferecer um dote adequado em ouro restringe a escolha do marido numa sociedade onde a maioria dos casamentos são combinados pelos pais. Em muitos casos, os requisitos do dote em ouro está para além dos meios disponíveis dos pais, condenando-se assim as filhas a uma vida de solteira ou forçando os pais a assumirem dívidas perante agiotas usurários para evitar a vergonha de ficarem com uma filha solteira. O infanticídio feminino assim como o aborto seletivo também é comum para salvar as famílias do fardo de terem uma filha.

As conquistas douradas…

Ao longo da história, o papel monetário do ouro e da prata conferiram riquezas extraordinárias àqueles que o controlam e foi já a chave para a riqueza e para o domínio económico. A sede de ouro alimentou as guerras e as conquistas. Como o disse uma vez o rei Fernando V de Castela: “Tragam ouro, humanamente se puderem, mas independentemente dos riscos tragam ouro”.

Os espanhóis, que seguiram Colombo, levaram cerca de meio século para sacar os maiores tesouros de ouro e prata que os povos indígenas da América do Sul e Central tinham acumulado. Neste processo, os espanhóis escravizaram e saquearam as nações índias ricas até elas terem ficado sem, literalmente, haveres nenhuns para que o saque continuasse.

O ouro espanhol derretido em lingotes e as obras de arte e ícones culturais em prata eram depois enviados para a Europa tendo-se salvo apenas algumas peças. Albert Durer, o artista alemão, que viu alguns dos artefactos antes de eles terem sido transformados e cunhados em moedas observou: “Nunca na minha vida tinha visto nada que alegrasse tanto o meu coração como o que eu vi, pois entre elas estavam muitas obras de arte maravilhosas e fiquei maravilhado com a subtileza do engenho dos homens em terras estrangeiras.”

Hoje, os grupos armados lutam pelo controle das minas de ouro na República Democrática do Congo. São os rendimentos obtidos com a exploração das minas de ouro que permitem a compra de armas e que financia as guerras. Os governos têm sancionado a expulsão e deslocação forçada das populações locais e dos mineiros de pequena escala para abrir o caminho para as operações de exploração de ouro em larga escala comercial na Indonésia e Peru.

Como o ouro se esgotou nas minas de ouro de mais fácil acesso, a sua exploração em locais mais remotos, inóspitos e em meios ambientais mais frágeis origina danos ambientais e humanos irreversíveis. A exploração mineira destrói montanhas e florestas virgens. Extrair uma única onça de ouro requer, por vezes, a extração de cerca de 250 toneladas de minério e de rochas. O mercúrio, usado para separar o ouro do restante minério, é altamente tóxico. A extração deste metal gera provavelmente resíduos em muito maior quantidade por onça do metal extraído do que qualquer outro metal comparável. A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) estima que uma elevada percentagem do mercúrio libertado para o meio ambiente seja o resultado da exploração de ouro.

As minas de ouro levam à criação de emprego, riqueza e desenvolvimento. Nos países pobres, os mineiros trabalham geralmente em condições perigosas por vezes a grandes profundidades (que chegam a atingir perto dos quatro quilómetros). A temperatura nessas minas é de cerca de 35 graus centígrados, apesar das toneladas de gelo bombeadas para dentro da mina por hora. O trabalho é perigoso e a taxa de mortalidade entre os mineiros é alta. A exploração mineira artesanal de pequena escala de ouro, tem poucas salvaguardas e riscos muito elevados. Na mina de La Rinconada, no Peru, os mineiros têm um ditado: “Al labor me voy, no se si volvere”.[2]

Estatuto monetário

No século XIX e início do século XX o ouro desempenhou um papel fundamental no sistema monetário internacional, sendo usado como suporte monetário. O valor internacional da moeda de cada país era determinado pela sua relação fixa com o ouro, e em que o metal precioso era utilizado nos pagamentos internacionais. O sistema padrão‑ouro mantinha as taxas de câmbio fixas, o que reduzia o risco de negociar com os outros países.

Os desequilíbrios da balança comercial de cada país eram liquidados pelas transferências físicas de barras de ouro. Um país com um défice na balança comercial (o valor das importações maior do que o valor das exportações) iria reduzir as suas reservas de ouro e, assim, consequentemente a sua oferta de moeda, diminuindo a procura de importações e aumentando as exportações em resultado da diminuição de preços. É através deste mecanismo que o défice comercial é ajustado. Um país com uma alta taxa de inflação perde ouro à medida que os seus detentores convertem o papel-moeda em ouro, diminuindo a quantidade de moeda disponível, reduzindo-se portanto a pressão inflacionista.

O sistema funcionou continuamente, embora, de vez em quando, alguns países tivessem abandonado o padrão‑ouro. A Grã-Bretanha suspendeu a convertibilidade de libras em ouro em 1914 para poder financiar as operações militares durante a I Guerra Mundial. Um relutante Winston Churchill, fortemente criticado por John Maynard Keynes, reintegrou a Grã-Bretanha no sistema padrão‑ouro em 1925, tendo-o abandonado em 1931.

O ouro monetário é guardado em barras de 400 onças troy – cada barra pesa cerca de 28 libras (cerca de 11 quilogramas). Ao preço atual de 1.750 dólares por onça, cada barra vale então 700.000 dólares. Cada barra tem uma marca de contraste gravada e em que se regista a quantidade e a qualidade do ouro assim como a casa da moeda.

Os lingotes de ouro são armazenados em locais ultras secretos e altamente seguros como Fort Knox e o Banco de Inglaterra, em cofres-fortes individuais. Cada cofre-forte pertence a um proprietário, talvez um banco central (o Banco de Inglaterra, a Reserva Federal dos Estados Unidos, o Bundesbank) ou mesmo um banco privado (N. M. Rothschilds, Republic Bank of New York). Em tempos marcados, homens bem corpulentos vestidos com monótonos uniformes de cor cinza movimentam as barras de ouro, usando paletes e esteiras transportadoras, de um cofre numerado para outro para a liquidação das compras e vendas entre os operadores, ou seja, entre os compradores e os vendedores. Este movimento de barras de ouro, de curta distância, significa grandes mudanças na fortuna e riqueza de países e de reis.

Em 1998, Warren Buffett, o cético investidor em ouro sublinhava o absurdo: “o ouro obtém-se escavando a terra em África, ou noutro qualquer lugar. Depois, derretemo-lo, cavamos outro buraco, e enterramo-lo novamente e termos ainda de pagar a seguranças para vigiarem o local onde está a ser conservado. Não tem assim nenhuma utilidade. Alguém que veja a isto a partir de Marte ficará a interrogar-se, coçando a cabeça, por nada perceber do que andaríamos a fazer com o ouro.”

Feiticeiros de onça…

Nos anos de 1890, a questão do ouro tornou-se central para a cruzada improvável de William Jennings Bryan, o senador democrata populista do Estado do Nebraska e um sério candidato a presidente. Os agricultores do sul dos Estados Unidos tinham contraído empréstimos junto dos banqueiros do nordeste para financiarem as suas propriedades, equipamentos e culturas. A dívida tinha que ser reembolsada em ouro. Como o preço do ouro tinha subido e os dos produtos agrícolas tinham caído, os rendimentos dos agricultores caíram e o valor da sua dívida em termos nominais e reais cresceu, o que alimentou o seu ressentimento contra os banqueiros.

Nos Estados Unidos, estava a debater-se se o país deveria adotar ou não o padrão‑ouro. Os agricultores queriam mais moeda em circulação e defendiam a utilização tanto da prata como do ouro – posição conhecida como “bimetalismo”. Bryan assumiu esta causa e na Convenção Democrata de 1896 discursou com paixão: “não devemos deixar cair sobre a testa de quem trabalha esta coroa de espinhos. Não se deve crucificar a humanidade numa cruz em ouro.” Bryan foi derrotado nas eleições de 1896 e de 1900 por William McKinley[3] e os Estados Unidos adotaram o padrão‑ouro em 1900.

O debate sobre o bimetalismo gerou a obra de Frank Baum, O Feiticeiro de Oz, hoje um ícone, uma sátira sobre este debate. O Feiticeiro de Oz é na realidade o Feiticeiro da Onça de ouro.[4]

Dorothy, a menina da quinta do Kansas, representa a América rural. O Espantalho sem miolos, o Lenhador de Lata e o Leão Cobarde representam os agricultores, os operários fabris e Bryan, respetivamente. A caminhada de Dorothy e dos seus companheiros de viagem ao longo da grande estrada dos ladrilhos amarelos para a Cidade das Esmeraldas, representa a marcha do “Exército de Coxey” em 1894 (assim batizada devido ao seu mentor, Jacob Coxey), com os homens desempregados para garantir uma outra emissão pública de 500 milhões de dólares de papel-moeda e a criação de empregos. Os feiticeiros e as bruxas são os diabólicos políticos e os banqueiros. O Feiticeiro de Oz é uma caricatura de Marcus Hanna, que era largamente visto como a força que dominava a política económica da administração McKinley.

Na trama de Baum este coloca Dorothy e os seus companheiros a exporem os demoníacos feiticeiros e bruxas como autores de fraudes e a quererem estabelecer uma nova ordem monetária com base no ouro e na prata. Dorothy regressa a Kansas City, devido aos seus sapatos mágicos em prata. Na versão cinematográfica, os sapatos de Dorothy são vermelhos numa concessão à cinematografia de Hollywood.

Dorothy, encontra Goldfinger!

Os problemas de ouro como moeda também dominam o romance Goldfinger de Ian Fleming, de 1959, e que deu origem ao filme 007 – Contra Goldfinger. James Bond é enviado para investigar Auric Goldfinger, o misterioso financeiro suíço que faz contrabando com o ouro, e para inevitavelmente “acabar com ele, provocando-lhe o maior prejuízo possível”. O verdadeiro objetivo de Goldfinger é aumentar o valor do ouro através de um audacioso ataque contra o local onde grande parte dele é guardado, Fort Knox.

Na versão cinematográfica, o ataque seria feito com gás letal que atinge o sistema nervoso e que deveria ser atirado por uma esquadrilha de aviões equipados com pulverizadores utilizados na agricultura. Os pilotos são um grupo de atraentes mulheres lésbicas dirigidas por uma vilã, a terrível Pussy Galore, interpretada por Honor Blackman.

O plano de Goldfinger tinha por objetivo a contaminação do ouro fazendo explodir um dispositivo nuclear, uma bomba suja na era do terror. O ouro não contaminado de Goldfinger cresceria astronomicamente de valor com este processo. James Bond descobre a lógica de tudo isto através de uma aritmética mental deslumbrante – 15 mil milhões de dólares em ouro no Fort Knox equivalem a mais de 400 milhões de onças que pesam aproximadamente 12,2 mil toneladas, tornando difícil o seu transporte.

Em Goldfinger, o coronel Smithers explicou o papel monetário do ouro de forma sucinta: “O ouro e as moedas garantidas por ouro são a base de crédito internacional… Nós só podemos dizer qual será a verdadeira força da libra…sabendo qual a quantidade [de ouro] que temos por detrás da nossa moeda.”

O estatuto monetário do ouro atraiu até mesmo Oscar Wilde que, na peça A Importância de Ser Earnest, de 1895, tem Miss Prism, a preceptora, a instruir a sua aluna da seguinte forma: “Cecily, leia, durante a minha ausência, a Economia Política. Pode omitir o capítulo sobre a queda da rupia. É um pouco sensacional de mais. Até estes problemas metálicos têm o seu lado melodramático.”[5]

Relíquia bárbara…

Em julho de 1944, políticos, economistas e banqueiros reuniram-se no Hotel Mount Washington, em Bretton Woods, New Hampshire,[6] para estabelecerem a nova ordem monetária e financeira internacional que iria funcionar após a segunda Guerra Mundial. As figuras fundamentais foram o famoso economista John Maynard Keynes, em representação do Reino Unido e Harry Dexter White, em representação dos Estados Unidos. White era um economista, um alto funcionário do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e, provavelmente, um espião soviético.

O padrão‑ouro não seria o mecanismo aconselhável para a economia do pós-guerra. Não havia ouro suficiente para responder à procura derivada de um comércio internacional e do investimento, ambos em rápido crescimento. A União Soviética, comunista, que emergia como uma potência rival relativamente aos Estados Unidos na ordem internacional do pós guerra, também controlava uma parte considerável das reservas de ouro conhecidas.

Keynes, com a conhecida caracterização do padrão‑ouro como “uma relíquia bárbara”[7], propôs uma solução arrojada e imaginativa – um mundo em que a moeda de reserva seria o “bancor” e a ser administrada por um Banco Central global. White, que representava a nação mais rica do mundo e, também, o maior credor, rejeitou a proposta: “Temos sido perfeitamente inflexíveis neste ponto. Nós tomámos a posição de dizer absolutamente Não.”

Os Estados Unidos eram agora indiscutivelmente a maior potência económica e militar. Estes procuraram assegurar um papel de liderança nos assuntos monetários globais. Os britânicos e os franceses haviam sido devastados por duas guerras mundiais. Estes foram incapazes de competir e precisavam da moeda americana para reconstruírem as suas economias. Prevaleceu pois a visão de White.

Na reunião, pretendia-se ter as vantagens do padrão‑ouro sem se as suas desvantagens. Bretton Woods estabeleceu um sistema de taxas de câmbio fixas, usando o dólar como moeda de reserva. Os países poderiam estabelecer a paridade da sua moeda nacional em termos de ouro (o peg) e manter as taxas de câmbio dentro do intervalo ou banda de mais e menos 1% face à taxa de paridade.

Na prática, os outros países teriam fixado o valor das suas divisas, o peg, relativamente ao dólar dos Estados Unidos como sendo esta moeda a principal “moeda de reserva” e – uma vez a convertibilidade restaurada – poderiam comprar e vender dólares para manter as taxas de câmbio de mercado dentro da banda de mais ou menos 1% relativamente à taxa de paridade. O dólar dos Estados Unidos, efetivamente, assumiu o papel que o ouro tinha desempenhado no sistema financeiro internacional no regime padrão‑ouro.

O dólar dos Estados Unidos tinha uma relação fixa com o ouro (35 dólares por onça). O governo dos Estados Unidos obrigava-se e assumia o compromisso de conversibilidade plena da sua moeda por ouro. Eles converteriam os dólares em ouro e à taxa fixa a que estava o dólar. Este foi o sistema que ficou em substituição do padrão‑ouro, uma vez este removido. O dólar era agora “tão bom quanto o ouro”. Mais, o dólar era até mais atrativo que o ouro uma vez que, ao contrário do ouro, dava origem a juros. O dólar dos Estados Unidos reinou como moeda suprema à escala mundial.

Barbárie – o ouro – tinha triunfado. Keynes foi derrotado. George Bernard Shaw observou: “Tem de se escolher entre confiar na estabilidade natural do ouro e … na honestidade e na inteligência dos membros do governo… Eu aconselho qualquer um, enquanto o sistema capitalista durar, a votar no ouro.”[8]

Colapso…

O sistema de Bretton Woods foi em última instância minado pelo declínio do poder dos Estados Unidos. Em 1944, os Estados Unidos produziram metade dos bens manufaturados do mundo e detinham mais de metade das suas reservas (26 mil milhões de dólares em reservas de ouro num total estimado de 40 mil milhões de dólares). Com o decorrer do tempo, o peso da Guerra Fria e o facto de estar no centro do sistema financeiro global foi determinante para os Estados Unidos.

Nos anos de 1960, a administração do Presidente Lyndon Johnson[9] recusou-se a aumentar os impostos para pagar quer a guerra do Vietname que, por seu lado, estava a ficar cada vez mais cara, quer os seus programas da Grande Sociedade. Isso levou ao aumento das emissões em dólares para pagar as despesas e criou a inflação. O dólar tornou-se sobreavaliado relativamente ao marco alemão e ao iene japonês, forçando os Estados Unidos ou a desvalorizar o dólar ou a impor medidas protecionistas. O Presidente Johnson reconheceu o problema: “A oferta mundial de ouro é insuficiente para tornar viável o sistema atual, particularmente tanto quanto a utilização do dólar como moeda de reserva é essencial para criar a liquidez internacional necessária para sustentar o comércio mundial e o crescimento.”

No início dos anos de 1970, a proporção do ouro relativamente às disponibilidades em dólares tinha-se deteriorado, caindo de 55% para 22%. Os titulares de dólares perderam a confiança na capacidade dos Estados Unidos assegurarem a convertibilidade em ouro. Cada vez mais desregulado, os mercados monetários globais colocaram uma enorme pressão sobre as reservas norte-americanas com os traders a venderem dólares a descoberto e procurar ganhar assim lucros rápidos com a eventual desvalorização. Os traders trocaram os dólares por ouro.

A 15 de agosto de 1971, o Presidente Richard Nixon[10], que não é conhecido pelas grandes iniciativas económicas, fechou de forma unilateral a janela de ouro, acabando com o sistema de ligação do dólar ao ouro, tornando o dólar inconvertível diretamente em ouro. O “choque Nixon”, como passou a ser conhecida esta medida, foi anunciado num discurso na televisão nacional numa noite de domingo. Nixon estava hesitante quanto a interromper ou não o programa popular da TV, a série Bonanza. A necessidade de fazer um anúncio antes que os mercados abrissem na segunda-feira obrigou o Presidente a arriscar antagonizar os fãs do drama cowboy.

Seguiram-se, depois, frenéticos esforços para desenvolver um novo sistema de gestão monetária internacional. Com o acordo do Smithsonian Institute desvalorizou-se o dólar, para 38 dólares por onça, com bandas cambiais relativamente a este valor de mais e menos 2,25%. Mas a venda de dólares continuou. Em 1972 o ouro foi negociado a 70,30 dólares por onça. Outros países começaram a abandonar a ligação entre a sua moeda e o dólar. Em fevereiro de 1973, acabaram os mercados cambiais estabelecidos no quadro dos acordos de Bretton Woods. O mundo mudou-se para a era das taxas de câmbio flutuantes, sem qualquer ligação ao dólar e ao ouro. A idade de ouro que até aí tinha prevalecido acaba assim, pelo menos por uns tempos.

Parte 2

Memórias douradas

6 de dezembro de 2012

O regresso do ouro…

Desde a substituição do padrão‑ouro pelo padrão-dólar, o preço do ouro tem oscilado bastante. Em janeiro de 1980, o preço do ouro atingiu um pico de 850 dólares por onça, refletindo as altas taxas de inflação e a incerteza económica. Subsequentemente, a recuperação da economia mundial viu o preço do ouro a cair durante quase 20 anos, atingindo um mínimo de 253 dólares por onça (8.131 dólares por quilo) em junho de 1999.

A partir de 2001, o preço do ouro começou a subir devido a uma série de fatores. Um deles foi o aumento da procura, especialmente de países emergentes, como a Índia e a China. Em 2007/2008, o ouro recebeu um impulso adicional com e a partir do início da crise financeira global. As preocupações com um colapso do sistema bancário levaram a que o preço do ouro tenha subido fortemente e, por consequência, que ultrapassasse o elevado preço de 1980 alcançando os 865 dólares por onça em janeiro de 2008.

No final de 2009, o preço do ouro retomou a sua evolução ascendente passando os 1.200 dólares em dezembro de 2009 e com esta tendência chegou aos 1.913 dólares por onça em agosto de 2011. O aumento de 500% no preço do ouro desde abril de 2001 leva a que se possa especular sobre a existência de uma nova era do ouro.

Na realidade, o aumento foi impulsionado pelo medo. A profundidade da crise financeira, a preocupação com a segurança de outros ativos, incluindo nestes os títulos governamentais supostamente livres de risco e um sistema bancário frágil levou a que se saltasse para o ouro como sendo este um porto seguro. As políticas monetárias dos governos e dos bancos centrais, dando ênfase às taxas de juro baixas e ao aumento da emissão monetária para reativar a economia global, também estão na base do preço tão alto do ouro.

Os alemães queriam o retorno ao seu deutschmark, agora substituído pelo euro, ansiando para quando o “Mark gelich Mark – papel ou ouro, o marco é o marco”. O pesadelo de Weimar, a erosão do valor do papel-moeda, do dinheiro, pairava como pano de fundo. Com os governos a contraírem empréstimos de valores cada vez mais altos, os cidadãos comuns temiam que até mesmo os títulos governamentais que serviam de colateral pudessem ficar sem valor. Assim perguntou um banqueiro a uma velha senhora em 1918: “onde está o Estado que lhe garantiu esses títulos? Ele está morto.”

Um dólar americano fraco e as perspetivas bem questionáveis sobre o valor de outras moedas importantes, como o euro e o iene, também levaram ao aumento da procura por ouro, como moeda de facto.

David Einhorn da Greenlight Capital, um hedgefund, resumiu da seguinte maneira a procura de ouro: “O ouro, vai bem, quando as políticas monetária e fiscal são pobres e vai mal quando estas aparecem sensatas…. Quando eu vejo o presidente do Fed Bernanke, os secretários Geithner e Summers na TV a lerem discursos escritos pelos governadores do Fed, quando observo o “estímulo” do buraco negro, e quando penso sobre a nossa visão de curto prazo e sobre a falta de disciplina orçamental e de vontade política, o meu instinto é não querer assumir posições longas em dólares. Mas, então eu olho para as outras moedas ditas principais. O euro, o iene e a libra britânica podem ser ainda piores. Assim, concluo que escolher uma dessas moedas é como ser eu próprio a escolher a melhor forma de me arranjarem os dentes. E assim, sou levado a tomar posições longas em ouro como sendo seguramente melhor do que manter o notas ou moedas, especialmente agora, em que ambos não geram nenhum rendimento.”

Tal como outros investidores, os bancos centrais, especialmente nas nações emergentes, como a China e a Índia, aumentaram as participações em ouro. Com uma grande parte das suas reservas investidas em moedas dos países desenvolvidos e em que estas estavam a perder valor, os bancos centrais procuram mudar as suas reservas para o ouro, assim como para outros ativos reais. Em 2009, a China anunciou que ao longo dos últimos 7 anos tinha adquirido 454 toneladas de ouro. Parecia que os bancos centrais se lembraram das palavras de J.P. Morgan para o Congresso em 1912: “O ouro é dinheiro. Tudo o resto é crédito.”

Este medo de redução no valor do papel-moeda tem assombrado o sistema de moeda fiduciária ou de papel-moeda desde o início. Keynes reconheceu o risco da determinação do valor da moeda pelos governos e políticos: “Por um processo contínuo de inflação, o governo pode confiscar, secreta e anonimamente, uma parte importante da riqueza dos seus cidadãos.”

O antigo presidente do Fed, Alan Greenspan, abordou levemente este problema: “sob o padrão‑ouro, um sistema bancário livre permanece como sendo o protetor da estabilidade de uma economia e do seu crescimento equilibrado… O abandono do padrão‑ouro tornou possível aos defensores do Estado Providência a utilização do sistema bancário como um meio para uma expansão ilimitada de crédito… Na ausência do padrão‑ouro, não há nenhuma maneira de proteger a poupança do confisco pela inflação.” Ironicamente, durante o seu mandato na presidência do Fed, Greenspan usou o sistema bancário para expandir o crédito de forma insustentável e que foi a base de lançamento da crise financeira global de 2007.

No seu estudo sobre o inconsciente humano, Sigmund Freud referiu-se a uma associação marcante entre o dinheiro e os excrementos: “Eu li um dia que o ouro que o diabo deu às suas vítimas é regularmente transformado em excrementos.” Muitas pessoas agora pensam que uma possível consequência das atuais políticas governamentais de se poder estar a transformar dinheiro em excremento é um risco preocupante, real, forçando-os então a voltarem-se para o ouro.

Meio para um fim dourado…

Para os investidores, o investimento em ouro também tem problemas. As ações de empresas de extração de ouro podem não os satisfazer em termos de rendimentos esperados face à exposição aos preços do ouro.

O valor das empresas extrativas enquanto tal depende mais do mercado bolsista do que propriamente do preço do ouro. Isso reflete as operações da empresa, que podem incluir a exploração. A empresa extrativa pode ter investimentos noutros tipos de produtos o que dilui a sua exposição ao ouro. As decisões para cobrir o preço do ouro podem afetar a sensibilidade dos resultados da empresa face ao preço do ouro. Há problemas de fusões e aquisições, compra e venda de operações, de empréstimos e questões diversas como a má gestão e a fraude.

A maioria dos investidores prefere o investimento direto no metal precioso, no metal amarelo. Este assume a forma de negociação em instrumentos como contratos futuros sobre o ouro ou mesmo em compras diretas de ouro.

Futuros do ouro e contratos semelhantes exigem o conhecimento sobre como trabalhar com os mercados derivados. O ouro físico é caro e é também difícil de armazenar e de ser coberto pelo seguro. As formas populares de investimento em ouro físico como em moedas refletem um prémio face ao seu conteúdo real em ouro, aumentando o seu custo.

Para superar os problemas de investimento físico em ouro, alguns bancos oferecem contas de caderneta para contabilização em ouro, especialmente aos pequenos investidores. Operando como uma conta bancária normal, este tipo de conta permite que os investidores possam comprar e vender pequenas quantidades de ouro. O banco reúne os fundos dos investidores para depois comprar e vender ouro para estar de acordo com os valores devidos aos investidores.

Os investidores usam, cada vez mais, os ETFs sobre o ouro, que são uma extensão da conta em ouro. Os ETFs são estruturados como fundos mútuos ou como fundos comuns, introduzidos em bolsa de valores sendo aí negociáveis. Os investidores compram ações fracionadas de um ETF em que eles estão a investir o seu dinheiro em ouro. Alguns ETFs investem no próprio metal. Outros sintetizam a exposição ao ouro utilizando instrumentos ligados ao preço de ouro, tais como contratos futuros sobre o ouro e seus derivados. Alguns ETF permitem alavancar recursos, com empréstimos para aumentar a contribuição do investidor e com a finalidade de aumentar a sensibilidade às flutuações do preço do ouro.

Os ETFs em ouro criam novos riscos. Quando o ETF utiliza derivados e outros instrumentos financeiros para se defender da exposição ao ouro, está-se a expor ao risco de incumprimento por parte das instituições financeiras com as quais se contratou. Mesmo quando os recursos são aplicados em ouro físico, o metal é guardado em depositários, frequentemente instituições financeiras, muitas vezes, expondo-os à falência destas mesmas entidades.

Isso é irónico, dado o facto de que o investimento em ouro é especificamente motivado pelo medo do fracasso do sistema financeiro. Em 2011, o Presidente Hugo Chávez ordenou ao banco central venezuelano a repatriação de 211 das suas 365 toneladas de reservas de ouro (no valor de cerca de 11 mil milhões de dólares) dos Estados Unidos, da Europa, do Canadá, dos bancos suíços e também do Banco de Inglaterra. Parte dos motivos para esta ordem foi a preocupação com as economias desenvolvidas e os seus sistemas bancários. Mais recentemente, o Bundesbank, banco central alemão, solicitou uma auditoria às suas reservas de ouro.

Os investidores também se preocupam com o risco de confiscação do ouro detido. Na realidade, qualquer governo pode confiscar seja o que for – o ouro, as poupanças, as propriedades – o que eles quiserem nos momentos de emergência económica.

Em 1933, o Presidente Roosevelt[11] emitiu a Ordem Executiva 6102, proibindo a detenção privada de ouro e exigindo aos cidadãos norte-americanos que entregassem as suas barras de ouro, pois caso contrário enfrentariam ou uma multa de 10.000 dólares (o equivalente a 170.000 dólares, hoje) ou 10 anos de prisão. Em resposta, os comerciantes oportunistas que negociavam em moedas incentivaram os investidores a comprar moedas caras com interesse “numismático” ou “colecionáveis” aproveitando a vantagem da isenção na ordem de 1933 que protegia esses ativos da apreensão governo.

Procurando acalmar os investidores, alguns ETFs instalaram cabos de fibra ótica ligados a câmaras nos seus cofres onde guardam o ouro. Os investidores podem então monitorar as suas participações através da Internet. Naturalmente, esta inteligente jogada de marketing não protege o investidor da falha de quem o é responsável pela guarda do ouro, o tem em custódia, ou da falha da contraparte financeira, bem como do risco de confiscação.

Os limites mínimos sobre o ouro criados por Brown…

O processo de investimento em ouro é confuso. O valor tático do ouro em períodos específicos é significativo.

O período de 1999 a 2001 é referido como o “Brown Bottom”e pertence a um período de 20 anos em que o mercado do ouro esteve em baixa com os preços em queda. A referência é feita à malfadada decisão imposta por Gordon Brown, o então Chanceler do Tesouro da Inglaterra e depois o seu primeiro-ministro, de venda de metade das reservas de ouro do Reino Unido através de leilão que decorreu entre 1999 e 2002. Na época, as reservas de ouro do Reino Unido valiam qualquer coisa como 6,5 mil milhões de dólares, que constituíam cerca de metade das reservas cambiais do Reino Unido.

A decisão de vender cerca de 400 toneladas de ouro no ponto mais baixo do ciclo de preço custou ao contribuinte do Reino Unido perto de 10 mil milhões de libras ou cerca de 600 libras por família britânica (dependendo do preço do ouro que for utilizado). Os comentadores compararam este valor com o custo de 3,3 mil milhões de libras para os contribuintes do Reino Unido na quarta-feira negra de 1992, quando o Reino Unido foi obrigado a retirar-se do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio depois de uma tentativa falhada pelo Tesouro e pelo Banco da Inglaterra para defender a libra.

Qualquer investidor que tenha comprado o ouro vendido pelo astuto financeiro que era o chanceler britânico terá feito um lucro substancial.

Mas o ouro não é em si mesmo uma grande reserva de valor, pelo menos, sobre períodos de tempo muito longos.

Os excitados “gold bugs” especulam sobre o pico de 2.300 dólares a atingir no preço do ouro. Mas mesmo àquele preço, o ouro teria atingido apenas o pico de janeiro de 1980, ajustado pela inflação, o que significa que o titular não teria ganho nada com o investimento ao longo de quase 30 anos!

O preço do ouro ajustado pela inflação é o mesmo que o preço do ouro na idade média. Dylan Grice do banco Société Générale resumiu o caso para o ouro como reserva de valor nos seguintes termos: “Uma pessoa que acredita nas vantagens em ter ouro como reserva de valor e que assim o tenha comprado no século XV e em que se tenha mantido toda a sua riqueza em ouro, legou-o aos seus filhos e exigiu-lhes que fizessem o mesmo, essa pessoa ficaria mais do que apenas zangado quando olhasse para baixo do seu celestial lugar de descanso ao ver a riqueza real da sua linhagem real cair em quase 90% ao longo dos 500 anos decorridos.”

O preço do ouro também pode ser muito volátil. No final de 2011, depois de ter atingido níveis recordes, o preço do ouro caiu quase 20% e muito rapidamente.

Warren Buffet observou que se os investidores em ações são impulsionados pelo otimismo sobre as perspetivas então “o que motiva muitos dos compradores de ouro é a sua crença de que as filas irão crescer.” Harry “Rabbit”Angstrom, a personagem central nos romances de John Updike dos anos de 1970 sobre a vida na América suburbana, gasta 11 mil dólares na compra de 30 kruggerrands em ouro (moedas sul-africanas cunhadas em ouro). Rabbit explica a compra à sua esposa da seguinte maneira: “A beleza do ouro é o que o ouro ama as más notícias”.

Na situação de caos económico, guerra, ou colapso, o ouro reaparece, reafirmando o seu controlo sobre a humanidade.

Regresso ao futuro…

O revivalismo do interesse no ouro é também estimulado pelo debate de um regresso ao padrão‑ouro. Defensores tão variados como o candidato libertário nas presidenciais Ron Paul e o partido de Libertação Islâmica (Hizb ut-Tahrir) argumentam que o padrão‑ouro é uma solução para os problemas profundos da economia global.

O padrão‑ouro, argumenta-se, teria como papel o de promover a estabilidade económica e a prosperidade, principalmente, criando estabilidade nos preços, nas taxas de câmbio fixas e na colocação de limites aos défices governamentais assim como nos desequilíbrios da balança comercial. Além disso, também vai limitar a oferta de crédito dominada pelos períodos de alta e baixa do ciclo económico através de restrições sobre a oferta de moeda.

O padrão‑ouro, argumentam os seus opositores, limitaria a flexibilidade dos governos e dos bancos centrais na gestão das economias, restringindo a capacidade de ajustarem a oferta de moeda, os orçamentos públicos e as taxas de câmbio. Os adversários deste sistema também sublinham que a rigidez do padrão‑ouro pode ter contribuído para a gravidade e para a longa duração da grande depressão.

Um retorno ao padrão‑ouro também proporcionaria uma natural vantagem financeira para os países que produzem ouro, tais como os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Austrália e a África do Sul. As considerações geopolíticas e a concorrência global tornam isto bastante improvável.

Há também limites da oferta. Em toda a história humana, apenas cerca de 140.000 a 170.000 toneladas de ouro terão já sido extraídas. A produção anual está em torno de 2.400 toneladas de ouro.

O volume mundial de ouro existente é equivalente a cerca de três piscinas olímpicas. O valor desse montante de ouro é superior a 6 milhões de milhões de dólares, ou seja, cerca de 10% de tudo o que o mundo produz apenas num só ano e uma pequena fração da riqueza global e dos ativos.

As reservas limitadas detidas pelos bancos centrais limitam o regresso ao sistema padrão‑ouro. Os bancos centrais de Estados Unidos, da Alemanha e da França têm as suas reservas de ouro avaliados em 250% a 300% das suas reservas de divisas. A China, a Índia, a Rússia, o Brasil e a Coreia do Sul terão entre 0,5% e 10% dos seus ativos em reservas cambiais detidos em ouro.

Se os bancos centrais da China, da Índia, da Rússia, do Brasil e da Coreia do Sul procurassem aumentar as suas reservas de ouro para simplesmente uns 15% das suas reservas em divisas estrangeiros, estes países seriam necessidade de adquirir mais de 10.000toneladas de ouro. Os Estados Unidos, o maior detentor de reservas em ouro do mundo, tem pouco mais de 8.000 toneladas.

Max Weber, o pai da ciência social, definiu o Estado como a agência que com êxito monopoliza o uso legítimo da força. O Estado, através do seu monopólio sobre a emissão de papel-moeda, tem controlo quase total sobre a moeda nacional e sobre a economia. O papel-moeda é agora uma questão de pura confiança. Os dólares americanos ainda têm as palavras: “Em Deus, nós confiamos”. Mas Deus não é diretamente responsável pelo controle da moeda, são os governos e os bancos centrais. Os políticos e os decisores das políticas públicas não estão disponíveis para ceder de bom grado o poder que o sistema de papel-moeda lhes confere.

As mortes do ouro…

À medida que o preço do metal subia, um spa na Virgínia Ocidental estava a oferecer aos seus clientes ricos um tratamento em que todo o corpo é coberto com uma camada de ouro de 24 quilates. O seu custo é de 420 euros por tratamento e os proponentes afirmam que com este tratamento se obtêm vantagens, não confirmadas, como o retardar dos efeitos visíveis da idade, a hidratação e a elasticidade da pele.

Tendo mudado dos investimentos financeiros tradicionais para o ouro e para preservar a sua riqueza, os investidores esperam ter os benefícios de saúde com o tratamento do ouro ao invés de outro fim possível. No filme Goldfinger, Jill Masterson, interpretada por Jill Eaton, é assassinada por estar pintada da cabeça aos pés com tinta feita à base de ouro — uma das cenas mais representativas na história do cinema.

O poder mitológico do ouro tem alimentado a imaginação da humanidade ao longo de grande parte da sua história. Mas como Peter Bernstein, o historiador financeiro e autor de O Poder do Ouro – A História de uma Obsessão, escreveu: “o ouro tem… este tipo de magia. Mas nunca ficou claro se somos nós que temos o ouro – ou se é o ouro que nos tem a nós.”

Traduzido de http://www.economonitor.com/blog/author/sdas3/

Satyajit Das trabalha na área dos derivados financeiros e da gestão de risco. Trabalhou na área da economia financeira (em bancos como o Citicorp Investment Bank e o Merrill Lynch) e na área da economia real, tendo sido tesoureiro de um grupo de distribuição (o TNT Group). Editou vários livros na área da economia financeira como, por exemplo, Extreme Money: Masters of the Universe and the Cult of Risk, em 2011 e Traders, Guns and Money, em 2012.

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Dinheiro e política na Terra de Oz

Quentin Taylor

The Independent Review, v. IX, n. 3, verão, 2005, p. 413–426.

Resumo

L. Frank Baum afirmou ter escrito O Feiticeiro de Oz “para agradar às crianças” da sua época, mas os académicos encontraram semelhanças suficientes entre a odisseia de Dorothy na estrada de ladrilhos amarelos e as políticas populistas dos anos de 1890 que sugerem adicionalmente uma outra leitura também. Será que Baum pretendia colocar no papel uma sátira política subtil sobre a reforma monetária, ou simplesmente uma fantasia divertida?

A história

A história de “O Feiticeiro de Oz“foi escrita exclusivamente para deleite das crianças de hoje” (Dighe, 2002: 42). Assim escreveu L. Frank Baum na introdução à popular história infantil publicada em 1900. Apesar da sua fértil imaginação, Baum dificilmente poderia ter concebido que o seu “conto de fadas modernizado” iria alcançar a imortalidade quando foi adaptado ao cinema 40 anos depois. Apesar de não ter sido um grande sucesso na época do seu lançamento, O Feiticeiro de Oz logo conquistou o coração do público cinéfilo e manteve a sua garra desde então. Com a sua comovente história, as suas personagens coloridas e a sua música memorável (para não falar de um desempenho brilhante de Judy Garland), o filme tem encantado jovens e adultos desde há três gerações. No entanto, como todos sabem, O Feiticeiro de Oz é mais do que apenas um outro clássico de celuloide; tornou-se uma parte permanente da cultura popular americana.

Oz como Alegoria

Será Oz, porém, apenas uma história para crianças, como o próprio autor alegou? Durante o quarto de século após a sua estreia no cinema, ninguém parecia pensar de outra forma. Este ponto de vista iria mudar completamente quando um obscuro Professor da escola secundária publicou um ensaio no American Quarterly alegando que o encantador conto de Baum escondia uma alegoria sensata sobre o movimento populista, a revolta agrária que varreu o Centro-Oeste nos anos de 1890. Num ato ingénuo de imaginação académica, Henry M. Littlefield alinhou os personagens e o enredo do conto de Oz pelo cenário político dos anos de 1890, os anos da Mauve Decades, os anos de prosperidade. A descoberta foi pouco menos do que surpreendente: a história infantil de Baum foi, de facto, uma “parábola sobre o populismo” no seu expoente máximo, um “retrato vibrante e irónico” da América, nas vésperas do novo século (Littlefield, 1964: 50).

Em apoio a esta tese, Littlefield lembrou a experiência de Baum como jornalista antes de ele escrever O Feiticeiro de Oz. Como editor de um pequeno jornal em Aberdeen, Dakota do Sul, Baum tinha escrito sobre política e sobre os acontecimentos nos finais dos anos de 1880 e início dos anos de 1890, período que coincidiu com a formação do Partido Populista. Littlefield referiu também que Baum mostrava simpatia pelo movimento populista, que tinha apoiado William Jennings Bryan na eleição de 1896, e, embora não um ativista, sempre tinha votado em candidatos democratas. (Em 1896, os populistas juntaram-se aos democratas no apoio à candidatura presidencial de Bryan.) Finalmente, Littlefield salientou também a tendência de Baum para a sátira política como também evidenciado no seu segundo conto sobre o mundo de Oz[12], que satiriza o feminismo e o movimento sufragista.

Ao ligar as tendências políticas e literárias de Baum, Littlefield construiu a sua leitura a partir do trabalho de Martin Gardner e B. Russel Nye, que estavam entre os primeiros a mostrar um interesse sério em “na verdadeira história de Oz”. De acordo com Nye, Baum sempre foi levado a admitir que os seus escritos continham um subtexto veladamente, confessando o seu desejo de que as histórias por si escritas “levem o selo da nossa época e retratem as fadas progressistas do dia” (Gardiner e Nye, 1957: 1). Para Littlefield, a revelação de Baum torna-se decisiva. No entanto, mesmo sem ela, os numerosos paralelos e analogias entre a história de Oz e a história política contemporânea são “demasiado consistentes para serem apenas coincidência” (Littlefield1964, 58). E, embora a parábola permaneça em “tom menor” e não seja permitido interferir com a fantasia, a “intenção alegórica do autor parece clara”, isto é, produzir “uma crítica suave e amigável à lógica populista da Região Centro-Oeste dos Estados Unidos” (Gardiner e Nye, 1957: 50, 58, 57).

A reação a Littlefield foi, previsivelmente, mista. Estudiosos e professores, que viram a leitura alegórica (como o próprio Littlefield teve) como um útil “mecanismo de ensino”, tendiam a ser demasiado entusiasmados. Muitos de entre os fãs de Oz, no entanto, não ficaram impressionados, inclusive o bisneto de Baum, que rejeitou secamente a tese de alegoria e classificou-a como “insana” (Moyer, 1998: 46). Apesar de nenhum dos lados ter produzido provas irrefutáveis para as suas posições, a interpretação de Littlefield ganhou uma aceitação generalizada nos círculos académicos, e nos anos de 1980 assumiu mesmo as proporções de uma “lenda urbana”, à medida que os livros de história e os trabalhos académicos sobre o populismo prestavam homenagem à alegoria de Oz.

A alegação de que Oz é uma parábola política habilmente trabalhada atingiu o seu apogeu nas páginas eruditas do Journal of Political Economy. Num artigo intitulado “O ‘Mágico de Oz’ como uma alegoria monetária”, Hugh Rockoff examinou as analogias entre as imagens usadas por Baum e as políticas monetárias da era populista. Na versão literária de Oz, Dorothy pisa a estrada de ladrilhos amarelos em sapatos de prata, não em sapatos de cor rubi. Sapatos de prata numa estrada dourada? Um elemento-chave na plataforma populista era uma exigência de “prata livre”, isto é, “cunhagem livre e ilimitada de prata e ouro” numa proporção fixa de 16 para 1.

Os populistas e outros proponentes “prata livre” defenderam cunhagem ilimitada do metal branco, a fim de aumentar a oferta de dinheiro, tornando-se assim mais fácil aos agricultores endividados a obtenção de mais crédito e a liquidação das suas dívidas. Na Convenção Nacional Democrata de 1896, os delegados reunidos nomearam William Jennings Bryan, um ávido defensor da “prata livre”, como candidato presidencial. A nomeação de Bryan criou uma divisão no Partido Democrata, com os delegados defensores do padrão‑ouro a encerrarem a convenção. Quando os populistas se reuniram duas semanas depois, eles decidiram nomear Bryan, tendo apostado tudo numa estratégia reformista baseada na “prata livre”. Quando Bryan foi redondamente derrotado pelo republicano “moeda mercadoria” William McKinley, defensor da ideia do padrão‑ouro, o Partido Populista, que tinha tido um considerável apoio na região Centro-Oeste e Sul, teve um declínio rápido. Em 1900, quando Bryan foi novamente derrotado por McKinley, o populismo já tinha um pé na cova política.

De acordo com Rockoff, a política monetária da campanha de 1896, que dividiu o eleitorado em silverites e goldbugs[13], forneceu o cenário central para a adaptação alegórica de Baum. Incorporando as analogias desenvolvidas por Littlefield e outros, e adicionando algumas de sua autoria, Rockoff proporcionou uma análise detalhada e sustentada das questões políticas e económicas simbolicamente retratada n’ O Feiticeiro de Oz.

Com Rockoff, a interpretação alegórica atingiu a sua sofisticação máxima, mas o seu posterior declínio não foi menos abrupto do que o do próprio Partido Populista. Em 1991, Michael Hearn, um estudioso de referência da obra de Baum, publicou uma carta no New York Times que deitou por terra os argumentos de Gardner e de Nye (baseada em entrevistas ao filho de Baum e ao seu biógrafo) que Baum era um democrata e um defensor de Bryan. Na verdade, os registos mostram isto mesmo. Os seus editoriais para o Aberdeen Saturday Pioneer manifestaram o apoio aos candidatos republicanos e criticaram o movimento populista nascente. Mais tarde, durante a campanha de 1896, Baum publicou um poema defendendo McKinley e as suas políticas económicas:

Our merchants won’t be trembling

At the silverites’ dissembling

When McKinley gets the chair![14]

Evidências posteriores, descobertas a partir de livros e de atividades de Baum, indicam que ele, se não era um republicano regular, também não era certamente, um democrata ou um populista.

Com base nestas revelações, Hearn não encontrou “nenhuma evidência de que a história de Baum era de alguma forma uma alegoria populista”, e concluiu que a leitura de Littlefield “não tem base na realidade” (Hearn, 1992). Em resposta, Littlefield admitiu que “não há nenhuma base para, de facto, considerar que Baum seja um apoiante da ideologia populista na mudança de século”, acrescentando que independentemente de quais forem as intenções de Baum ao escrever Oz, ele as manteve para si próprio (Littlefield: 1992). Os puristas de Oz só se podiam alegrar.

A análise post-mortem na leitura simbólica da obra de Baum apareceu logo a seguir. Em A Ascensão e Queda de O Feiticeiro de Oz como uma “parábola sobre o populismo”, David Parker contou a curiosa história interpretativa do primeiro livro de Oz. Apesar das vénias à evidência, Parker tentou salvar a interpretação alegórica ao estar a considera-la como “um dispositivo pedagógico útil… [para] ilustrar uma série de questões da Era Dourada[15]” (Parker, 1994: 58), mas sugeriu igualmente que outras interpretações podem ser “apenas como convincente “(Parker, 1994:59). Dada a riqueza das imagens usadas e o sugestivo enredo, a história de Baum, concluiu Parker, pode ser “qualquer coisa que queremos que seja, inclusive, se quisermos, uma parábola sobre o populismo” (Parker, 1994:59).

Este julgamento parece ser a palavra final sobre o que é, certamente, um dos enigmas mais fascinantes literários do século XX. De uma forma superficial, este veredicto é confirmado por Ranjit S. Dighe numa edição recente do conto imortal de Baum. No livro a Visão histórica do Feiticeiro de Oz: A leitura do clássico de L. Frank Baum como uma alegoria política e monetária, Dighe conclui que a história “não é quase certamente uma consciente alegoria populista”, mas, tal como Parker, ele acredita que “o livro funciona” como se o seja (Dighe, 2002: 8).

Realmente a última palavra?

Esta “solução” para o enigma pode ter sido planeada para puxar a cortina sobre um debate já sem interesse, mas fez com que se colocasse a questão: se Oz “funciona” tão bem como uma alegoria, porquê desvalorizar a possibilidade de o livro ter sido pensado como uma alegoria? Ironicamente, Dighe fornece amplas provas circunstanciais de que assim é. Primeiro, Baum estava, se não politicamente ativo, então, sem dúvida, bem informado. Como jornalista e editor, ele estava familiarizado com os acontecimentos políticos e controvérsias do dia, tendo comentado com generosidade vários deles. Em segundo lugar, todos concordam que Baum terá acrescentado a sátira política em alguns dos seus últimos trabalhos, incluindo o musical de 1902 de Oz, que parodiava os populistas, entre outros. Um sinal último e talvez mais revelador é encontrado na personalidade enigmática que é Baum. Amigos e familiares atestaram a sua propensão para a brincadeira e para a dissimulação. “Tudo o que ele dissesse tinha de ser tomado como estando a brincar e não como estando a falar a sério, lembrou um conhecido (citado em Dighe, 2002: 8). Da mesma forma, um sobrinho salientou o hábito de Baum de “contar contos com animais selvagens, com um rosto de perfeitamente espantado, e de uma forma sincera, como que se ele realmente acreditasse também neles” (citado em Dighe, 2002: 8). Há também uma anedota que refere que Baum falou em nome de um candidato republicano num dia, e noutro dia, fez o mesmo discurso mas em favor de um democrata (Hearn, 1992).

Tomados em conjunto, esses fatos sugerem que, se alguém era suscetível de criar uma sátira política de história para crianças inocentes, era L. Frank Baum (Koupal, 2001). Mas Baum era um satírico sofisticado, que provavelmente entendeu que a sátira mais eficaz é inocente e mantém o leitor a adivinhar a verdadeira intenção do autor (Koupal: 1989). Essa sofisticação explica o aviso na introdução: a alegação de que “a história de O Feiticeiro de Oz foi escrita apenas para agradar às crianças de hoje.” Dighe sugere que esta “ressalva estranha” pode ter sido uma “dica” para o facto de Baum ter intenção de ocultar uma mensagem no texto (Dighe,2002: 42). Na verdade, ao fazê-lo foi totalmente coerente com a sua personalidade e com escritos posteriores. Se não foi por esta razão, porquê então afirmar que um livro para crianças foi “escrito apenas” para as crianças, a menos que o autor queira dar a entender exatamente o oposto? À luz dos paralelos óbvios e correspondências em Oz, a isenção revela-se por aquilo que ele realmente é: a encenação preliminar de um elaborado desmentido. Que a maioria dos leitores não “a tenha percebido” só contribuiu para o seu sucesso, para Baum, um conhecedor dos absurdos, para nutrir os prazeres das piadas privadas (ver a introdução de William Leach a Baum [1900] 1991).

Com essas considerações em mente, o alegado “triunfo” da visão revisionista é não uma vitória qualificada e tentada, mas nenhuma vitória em qualquer dos seus sentidos. Primeiro, nunca Littlefield e os seus partidários afirmaram ter provado que Baum escreveu uma parábola deliberada, consciente. É verdade que Littlefield propôs “demonstrar” a presença de “uma alegoria simbólica” em Oz, mas ele admitiu que os seus resultados específicos foram “teóricos” (Littlefield, 1992: 50, 58). Segundo, ele dificilmente pode ser responsabilizado pelas informações erróneas sobre as inclinações políticas de Baum. Mais importante, a posição política de Baum, que era altamente eclética, teve pouca influência sobre a questão da existência ou não em Oz de uma alegoria simbólica. Os críticos de Littlefield, apresentam muitas vezes credenciais de Baum quase-republicanas e antipopulistas como “prova” de que ele não poderia ter a intenção de escrever uma parábola populista. A suposição baseia-se na alegação de que ele interpretou Oz numa veia pró-populista, se bem que, Littlefield leu a alegoria de Baum como uma “crítica da racionalidade populista,” não como uma defesa. Finalmente, Littlefield reconheceu que o valor principal da interpretação alegórica era pedagógico; a intenção do autor era apenas uma consideração secundária.

Os revisionistas exageram claramente a sua posição, e os observadores, como Parker e Dighe permitiram muita coisa. Mesmo Michael Gessel, o editor cético da newsletter de Baum, admite que “O Feiticeiro pode ser visto como uma fábula política” (Gessel, 1992). A admissão de Gessel ressalta a dificuldade em simplesmente descartar a interpretação alegórica ou atribuindo-a ao “subconsciente” de Baum. Apesar do ceticismo próprio de Dighe, a sua recente edição, que lista praticamente todos as alegadas analogias político-monetárias em Oz, só acrescenta mais peso ao facto de que a tese de Littlefield era essencialmente correta. Apesar de alguns dos paralelos serem mais ténues do que outros, muitos são tão óbvios e palpáveis que desafiam a coincidência. O seu efeito cumulativo, não apenas em número, mas também em coerência garante uma presunção forte de que o conto de Baum contém um subtexto político consciente. Em conjunto com o que se sabe sobre Baum e a sua obra, é razoável concluir que os objetivos d’O Feiticeiro de Oz teriam sido os que Littlefield linha estabelecido há quarenta anos. Afinal o “enigma” de Oz não é um enigma: ele é “resolvido” da mesma forma que se identifica um pato, com base nos seus atributos.

A questão da intenção de Baum ao escrever O Feiticeiro de Oz, embora de interesse para o curioso literário, é claramente secundária à alegoria em si. Agora que os diversos elementos de parábola de Baum foram recolhidos e assentados, pode parecer que pouco resta a ser dito. Talvez nada original ou inovador permaneça desconhecido, mas porque Dighe apresenta estes elementos como anotações ao texto de Baum, falta pois uma exposição integrada que incorpore as metáforas e analogias relevantes. Reconhecendo de antemão a minha dívida para Littlefield, Rockoff, e Dighe, tento fazer essa exposição aqui. Com o objetivo da coerência e clareza, assumo a leitura alegórica como dada e evito geralmente qualquer linguagem qualificativa. Uma série de analogias são reconhecidamente sujeitas a mais de uma interpretação, e eu não argumento que Baum optasse por uma em particular. Em vez disso, eu escolhi (e, ocasionalmente, embelezei) as que melhor se encaixam na parábola populista.

Dorothy (e Toto) de Kansas

Dorothy, a protagonista da história, representa um ideal individualizado do povo americano. Ela é cada um de nós no nosso melhor tipo, mas com autorrespeito, sem maldade, mas equilibrado, saudável, mas corajosa. Ela é semelhante ao americano comum, ou ao americano normal. Dorothy vive no Kansas, onde praticamente tudo – a pradaria sem árvores, a relva massacrada pelo sol, a casa com a pintura descascada – mesmo a tia Em e tio Henry – é monótono, cinzento e sem vida. Esta descrição sombria reflete a condição desesperada no Kansas, em finais dos anos de 1890 e início dos de 1880, quando uma combinação de secas escaldantes, invernos severos, e uma invasão de gafanhotos reduziu a pradaria a um deserto inabitável. O resultado para os agricultores e todos os que dependiam da agricultura para a sua subsistência foi devastador. Muitos atribuíram o seu infortúnio aos elementos naturais, desistiram e seguiram em frente. Outros culparam os banqueiros, as companhias ferroviárias, e os vários intermediários que pareciam lucrar às custas dos agricultores, pelos tempos difíceis que estavam a passar. As vítimas zangadas com a calamidade no Kansas também olharam para os políticos, que muitas vezes pareciam indiferentes à sua situação. O movimento populista uniu-se em torno destes problemas económicos e políticos.

No final dos anos de 1880 e início dos de 1890, o populismo espalhou-se rapidamente por todo o Centro-Oeste e pelo Sul igualmente, mas o Kansas foi sempre a sua região para os seus elementos mais populares e mais radicais. Em 1890, os candidatos populistas começaram a ganhar lugares nas legislaturas estaduais e do Congresso, e dois anos mais tarde os populistas no Kansas ganharam o controlo da câmara baixa, elegeram um governador populista, e colocaram um populista no Senado dos Estados Unidos. O ciclone que transportou Dorothy para Oz simboliza o ciclone populista que varreu o Kansas no início dos anos de 1890. Baum não foi o primeiro a usar esta metáfora. Mary E. Lease, uma oradora populista de discurso intimidante e violento, foi muitas vezes referida como o “ciclone do Kansas”, e o movimento que defendia a livre circulação da prata foi muitas vezes comparado a um turbilhão político que tomou o país de assalto. Embora Dorothy não se compare a Lease, Baum deu-lhe (na versão teatral) o último nome “Gale”, mais um trocadilho na metáfora do ciclone[16].

O nome do companheiro canino de Dorothy, Toto, também é um trocadilho, uma referência aos abstémios. Os proibicionistas estavam entre os aliados mais fiéis dos populistas, e a esperança populista William Jennings Bryan foi ele próprio um”proibicionista”. Como Dorothy caminha na estrada de ladrilhos amarelos, Toto trota “sóbrio” atrás dela, assim como os proibicionistas seguiam sobriamente os populistas.

A Bruxa de Baum

Quando a casa de Dorothy, transportada por um ciclone vai a rodopiar até Oz, cai mesmo em cima da Bruxa Má do Leste, matando-a instantaneamente. A menina assustada sai da casa para e entra numa terra estranha de notável beleza, cujos habitantes, os pequenos Munchkins, rejubilam com a morte da Bruxa. A Bruxa representa os interesses financeiros e industriais do leste e os seus aliados políticos no padrão‑ouro, os principais alvos do veneno populista. Os agricultores do Centro-Oeste atribuem as responsabilidades pelas suas desgraças às práticas nefastas dos banqueiros de Wall Street e dos capitães da indústria, que eles acreditavam estarem envolvidos numa conspiração para “escravizar” os “pequenos”, assim como a Bruxa do Leste havia escravizado os Munchkins. Os populistas viam os políticos do establishment, incluindo os presidentes, como peões impotentes ou mesmo cúmplices. Não foi o Presidente Cleveland[17]que se curvou aos interesses dos banqueiros orientais, revogando a Lei de Compra de Prata em 1893, portanto, restringindo ainda mais o tão necessário crédito? Não foi McKinley (solicitado pelo industrial rico Marcus Hanna) que tornou o padrão‑ouro a peça central de sua campanha contra Bryan e a prata livre?

É possível, então, que Dorothy fique com os sapatos de prata da Bruxa Má do Leste a pedido da Bruxa Boa do Norte, que representa o eleitorado da região Centro–Oeste, onde o populismo ganhou um apoio considerável. (Mais tarde na história, as bruxas boas são identificados com a cor branca; a prata é conhecida como “o metal branco”) Ainda assim, devido a toda a sua bondade, a Bruxa do Norte, tal como os eleitores do Centro-Oeste setentrional, não está à altura das forças malignas do Oriente, não obstante o “beijo” suave na testa de Dorothy (apoio eleitoral).A morte da Bruxa Malvada, porém, é motivo de alegria das “pessoas pequenas” (devido à destruição do poder do leste) que estão agora livres. Tudo junto, os Munchkins estavam vagamente conscientes de que o seu cativeiro estava de alguma forma ligada aos sapatos de prata, mas o poder exato dos sapatos nunca foi conhecido. Da mesma forma, apesar de Wall Street e do establishment deles conhecerem o poder da prata, os agricultores comuns pouco sabiam de questões monetárias, e o bimetalismo não dizia nada aos trabalhadores do leste, que votaram em massa contra Bryan.

Depois de Dorothy e os seus companheiros chegarem à Cidade das Esmeraldas, o Feiticeiro envia-os para matarem a Bruxa Malvada do Oeste. Esta bruxa é também uma escravizadora cruel, e parece representar simultaneamente as forças malignas da natureza que assolaram os agricultores no Centro-Oeste e os pequenos corretores do poder da região. Estas ameaças são espelhadas pelo domínio da bruxa, que recorda as planícies secas do oeste do Kansas, e os lobos ferozes, os corvos selvagens, e as abelhas venenosas que ela envia para destruírem Dorothy e os seus amigos. Cada predador é chamado pelo sopro de um apito de prata, outro exemplo do uso malicioso do metal branco. Quando os lacaios da Bruxa são eles próprios destruídos, ela chama os Macacos Alados, usando uma feitiçaria com um Gorro Dourado. O Gorro Dourado já tinha sido usado duas vezes, uma para escravizar os Winkies e outra para expulsar o Feiticeiro da terra do Oeste, injustiças cometidas pelo poder do ouro. No entanto, com a convocação dos Macacos, a Feiticeira esgota o poder do Gorro, e os Macacos Alados (que tinham sido forçados a ajudá-la nas suas más ações) são libertados. O poder do ouro prova-se finito e ilusório, o que exige a coexistência com a prata (bimetalismo) para sustentar seu poder. Não admira que a bruxa esteja tão interessada em possuir os sapatos prateados de Dorothy.

A manipulação maligna de ouro e prata pela Bruxa Malvada do Oeste representa a outra metade da ameaça ocidental: os malabarismos com a moeda metálica feitos por interesse próprio pelos nababos ocidentais. McKinley, de Ohio, por exemplo, apoiou a Lei Sherman da Compra de Prata de 1890, votou a favor da sua revogação, em 1893, e fez do padrão‑ouro a pedra angular de sua candidatura presidencial de 1896. Marcus Hanna, também do Ohio, atuou como o gestor da campanha de McKinley e seu assessor próximo, tendo sido amplamente visto como o Richelieu por detrás do trono. (vilipendiado pelos populistas, Hanna viu o ataque mordaz de William Allen White aos populistas – “Qual é o problema com o Kansas?” – foi um lema que circulou em todo o país durante a campanha.) Não surpreendentemente, o Feiticeiro requer a morte da Bruxa Malvada do Oeste antes de ele conceder à “fação” de Dorothy os seus desejos. A morte da Bruxa Malvada com água termina o seu reinado malvado, liberta os seus escravos, e devolve o sapato a Dorothy que ela própria lhe tinha roubado. De uma só vez, as terras ressequidas são regadas, os agricultores são libertados, e a prata é devolvida ao seu legítimo proprietário, o povo.

A quarta bruxa, Glinda do Sul, é uma bruxa boa que, ao contrário da sua homóloga do Norte, compreende o poder de sapatos prateados de Dorothy. Em 1896, Bryan ganhou a nomeação como candidato presidencial no Congresso Democrático-Populista com os apoios dos Estados do Sul, e no Congresso alguns dos mais fortes silverites eram do Sul, enquanto os apoios dos Estados do Norte a Bryan e à “prata livre” foram mais moderados. Em Oz, os habitantes do Sul, os Quadlings, são descritos como uma raça estranha que nunca viajaram para a Cidade das Esmeraldas e que não gostam de estranhos que viajam pelas suas terras. Nunca, desde os anos de 1860, um sulista foi presidente, e os imigrantes e os nortistas eram geralmente indesejáveis no sul. Além disso, o caminho para o País dos Quadlings é perigoso e repleto de perigos. Para aqueles que eram muito “diferentes” (inclusive os afro-americanos residentes), o Sul poderia ser um lugar perigoso.

Os Três Amigos

Na esperança de que o Feiticeiro a ajude a regressar ao Kansas, Dorothy caminha pela estrada de ladrilhos amarelos para a Cidade das Esmeraldas. Depois de viajar vários quilómetros, ela encontra o Espantalho, que não “sabe nada”, porque ele “não tem miolos.” O Espantalho sem miolos representa os agricultores do Centro-Oeste, cujos anos de dificuldades e de sujeição ao ridículo lhes tinham criado um sentimento de inferioridade e insegurança. Os líderes populistas, como William Peffer e “Sockless” Jerry Simpson foram retratados frequentemente como simplórios iludidos que não conseguiram compreender as verdadeiras causas da sua situação económica. A “estupidez” dos populistas ‘também foi atestada pela sua retórica apocalíptica, pelas suas teorias da conspiração, e pela agenda radical, que incluía a nacionalização das companhias ferroviárias, um imposto progressivos sobre o rendimento, e a cunhagem ilimitada da prata. Os seus críticos zombaram das suas retóricas ocas exageradas, escarneceram do seu estilo paranoico, e rejeitaram as suas panaceias simplistas classificando-as como os delírios de “socialistas de pouca inteligência e de baixo estatuto social”.

A imagem do Espantalho não é tão parcial. A sua conduta ao longo da viagem através de Oz é marcada pelo senso comum, pela resiliência e pela retidão. Ele afinal não é tão idiota. Tal como se vê perto do final da história, o Espantalho, que é o agricultor americano, tinha os miolos todos, talvez os miolos suficientes para compreender as verdadeiras causas da sua miséria e os fundamentos da política monetária.

No trilho pela floresta, onde a estrada está acidentada, o Espantalho tropeça e cai sobre os “irregulares ladrilhos[amarelos]”, uma referência à afirmação populista que o padrão‑ouro teve um impacto negativo sobre os agricultores e as pessoas em geral. Ainda assim, o Espantalho “nunca se magoou” com as suas quedas, o que sugere que o metal amarelo não era o verdadeiro culpado dos males do agricultor.

Prosseguindo no caminho, a dupla encontrará o Lenhador de Lata. Uma vez quando ainda saudável e produtivo, o Lenhador foi amaldiçoado pela Bruxa Malvada do Leste, perdeu a destreza, e acidentalmente cortou os seus membros. Cada membro perdido foi substituído por membros de lata, até ele ser feito inteiramente de lata. Na prática, a Bruxa do Leste (a simbolizar as grandes empresas) reduziu o Lenhador de Lata a uma máquina, um trabalhador desumanizado que já não sente, que não tem coração. Como tal, o Lenhador de Lata representa os trabalhadores do país, em particular os trabalhadores industriais dos quais os populistas esperavam apoio. A sua condição de enferrujado representa a condição prostrada do trabalho durante a depressão de 1890; como muitos trabalhadores desse período, o Lenhador de Lata está desempregado. No entanto, com algumas gotas de óleo, ele é capaz de retomar os seus trabalhos – um remédio semelhante às medidas impulsionadoras da economia que os populistas defendiam.

Tendo ajudado o Lenhador de Lata, o trio continua o seu caminho pela floresta, parando apenas para ser abordado por um leão que ruge. Ele não é senão William Jennings Bryan, o representante do Estado do Nebraska no Congresso e, posteriormente, o candidato presidencial democrata nas eleições de 1896 e 1900. Bryan[18] era conhecido pela sua retórica estridente e foi ocasionalmente retratado na imprensa como um leão, como foi o próprio Partido Populista. Bryan adotou o mantra “prata livre” e ganhou o apoio dos populistas para a sua primeira corrida presidencial contra McKinley. Como o Leão de Oz, Bryan foi o último a “juntar-se” ao partido. A sua derrota nas eleições presidenciais foi em grande parte devido à sua incapacidade de ganhar o apoio dos trabalhadores do Leste, da mesma forma que as garras do Leão de Oz”nenhum estrago fizeram” ao Lenhador de Lata.

Embora os apoiantes de Bryan o considerassem corajoso, os seus críticos consideravam-no “cobarde” por se opor à guerra com a Espanha em 1898 e à posterior anexação das Filipinas. No entanto, para os anti-imperialistas, entre os quais se encontravam muitos populistas, a posição impopular de Bryan era corajosa, de fato. Menos corajosas, no entanto, foram a sua decisão final para votar pela anexação (embora como um movimento tático) e a sua incapacidade de lutar vigorosamente pela “prata livre” na eleição de 1900, decisões estas que desapontaram os populistas.

Ainda assim, o Leão, apesar de pensar que não é corajoso, ele realmente tem coragem. Perto do fim da história, ele mata um monstro que parece uma aranha que está a aterrorizar os animais da floresta. A besta predatória simboliza os grandes trust e corporações que foram pensados para dominar a vida económica na viragem do século. Considerados como os vilões principais do drama populista, os trusts foram retratados frequentemente como “monstros” de um tipo ou de outro. “Sockless” Jerry Simpson chamou às companhias ferroviárias uma “aranha gigante que controlava o nosso comércio e transporte” (citado em Clanton, 1991: 51), e o autor de Escola Financeira da Moeda, o panfleto dos anos de 1890 que defendia a “prata livre”, representou o Rothschild Money trust como um polvo. Baum usou a metáfora de monopólio como um polvo numa série de obras posteriores, incluindo uma referência específica à Standard Oil Company. Quebrar os trusts e nacionalizar as companhias ferroviárias eram elementos-chave da agenda populista, e Bryan defendia o fim dos trusts ou a sua nacionalização sem rodeios. Consequentemente, o Leão ataca e mata a grande fera separando a sua cabeça. Libertos do monstro de oito patas, os moradores da floresta agradecidos juram fidelidade ao Leão conquistador. Não teriam os populistas feito o mesmo se Bryan tivesse derrotado McKinley e, presumivelmente, destruído os trusts?

Ratos e Macacos

Outro arranhão com uma besta ameaçadora recapitula a metáfora. Quando os olhos vermelhos de um “grande gato selvagem amarelo” brilhavam sobre a Rainha dos Ratos do Campo, o Lenhador de Lata decapita-o com uma machadada rápida. Por ter salvo a Rainha do seu “inimigo”, aquele jura obediência ao Lenhador de Lata. O seu primeiro serviço é resgatar o Leão do “campo de papoilas mortíferas”, onde o forte odor das plantas fez adormecer o rei dos animais.

Os pequenos roedores representam o povo, e o gato “amarelo” é mais uma referência ao poder maligno do ouro. Ao matar o gato amarelo, o Lenhador de Lata simbolicamente mata um chefe “inimigo” do povo. O apoio atempado dos ratos simboliza a importância do povo comum na caminhada de Bryan para a presidência.

Os Macacos Alados, os servis involuntários da Bruxa do Oeste, acrescentam uma nova dimensão à alegoria de Oz. Estas criaturas representam os índios das planícies. Tal como o chefe dos macacos refere, “éramos um povo livre que vivia feliz na grande floresta, voando de árvore em árvore, comendo nozes e frutos e fazendo aquilo que nos apetecia, sem termos de tratar ninguém por dono”. O chefe dos macacos admite terem por vezes sido demasiado “traquinas”, mas nada que justifique o tratamento duro que os Macacos receberem por “Oz ter surgido das nuvens para vir governar esta terra.” Os macacos foram inicialmente sequestrados, uma referência para a política de reserva do governo. Mais tarde, eles são tornados escravos da Bruxa Malvada do Oeste, que lhes impões os seus desejos com o Gorro Dourado. No entanto, os macacos não são intrinsecamente maus; eles tornaram-se maus apenas com uma força não natural e malvada. Este cenário representa a visão dos reformadores que culparam a condição dos índios pelas práticas brancas desumanas. Sob a influência da benevolente Dorothy, os macacos são gentis e prestáveis.

Chinatown e os Winkies Amarelos

Na viagem para encontrar Glinda, a Bruxa Boa do Sul, Dorothy e a sua companhia entram no Frágil País de Porcelana, passando por cima de um muro branco alto. China e a sua Grande Muralha são as referências óbvias. Mas o que é que a China tem a ver com a política da Idade do Ouro? Primeiro, a China estava em processo de divisão pelas grandes potências (incluindo os Estados Unidos) por “esferas de influência” para fins de exploração comercial. Em 1899 e 1900, o secretário de Estado, John Hay aplicou as famosas políticas de “portas abertas”, como um esforço para evitar que as nações rivais ganhassem vantagens económicas “injustas” na China. Em segundo lugar, a China era a única grande nação ainda no padrão prata. Parece pois certo que a parede e o chão do Frágil País de Porcelana sejam brancos, a cor dos lingotes de prata. Terceiro, a destruição descuidada pelo Leão de uma igreja de porcelana lembra a”cisão” territorial da China por intrusos estrangeiros e do proselitismo ativo por missionários cristãos. Finalmente, a princesa da China, que rejeita o convite da Dorothy para visitar Kansas, assemelha-se a uma imperatriz viúva, que se opôs fortemente à presença estrangeira na China. Os últimos dois paralelos recordam o anti-imperialismo que Bryan e outros defendiam.

Outro tema anti-imperialista aparece na forma dos Winkies, chamados de “amarelos” porque residem na Terra do Oeste. Os Winkies, que são escravos da Bruxa do Oeste, representam o “homem amarelo” da Ásia, especialmente os imigrantes chineses e os filipinos nativos. Durante décadas, os chineses haviam imigrado para o Far West para o trabalho em várias áreas. Dada a sua aparência “exótica”, hábitos de clã, e disponibilidade para trabalhar por salários baixos, eles foram muitas vezes alvo de abuso, discriminação e até mesmo de assassinato. Sob pressão das autoridades na Califórnia, o Congresso aprovou a Lei de Exclusão (1882), que proibiu a imigração chinesa durante 20 anos.

Os Winkies também lembram os filipinos, que, após a anexação de seu país pelos Estados Unidos, se encontraram (mais uma vez), submetidos a uma potência ocidental. Foram negadas as reivindicações de independência com o argumento que o povo era “impróprio” para o autogoverno. A suposição de que os Estados Unidos sabiam o que era melhor para os indígenas foi satirizada por Baum no texto original da versão para teatro de Oz, em que o Espantalho refere, “Não são as pessoas que vivem num país que mais sabem sobre ele…. Olhe-se para os filipinos. Qualquer um sabe mais sobre o seu país do que eles próprios”(citado em Dighe, 2002: 93).

Oz, Cidade das Esmeraldas e o Feiticeiro maluco

A Terra de Oz, com a sua paisagem variada e os seus diversos habitantes, é um microcosmos da América, e a Cidade das Esmeraldas, o seu centro e a sede do governo, representa Washington, D.C.. Esforçando-se para verem os seus desejos realizados, Dorothy e seu grupo viajam para a capital para ver o Feiticeiro, que presumivelmente terá o poder de lhos conceder. A viagem para a Cidade das Esmeraldas corresponde ao esforço dos populistas para conquistarem o poder em Washington, e os viajantes relembram os “exércitos industriais”, que marcharam sobre a capital durante a depressão de 1893-1897. O mais famoso deles, o “Exército de Coxey”, foi liderado por um homem de negócios bem-sucedido que pediu ao governo para financiar programas de obras públicas (mais notavelmente uma “lei de boas estradas”) para aliviar o desemprego. Coxey, que esperava poder reunir com o Presidente Cleveland, foi preso por invasão de propriedade, e as suas propostas foram ignoradas. Dorothy e os seus companheiros também enfrentaram perigos no caminho para a Cidade das Esmeraldas e são afastados pelo Feiticeiro, que mostra pouca simpatia pelos problemas deles.

O Feiticeiro, que “pode tomar qualquer forma que quiser”, representa os políticos multiformes da época, especialmente os presidentes da Idade de Ouro. Dada a divisão até mesmo entre democratas e republicanos, e as maiorias com margens muito apertadas das eleições presidenciais, os candidatos raramente assumiram posições muito claras sobre as questões. Como resultado, os eleitores muitas vezes tinham dificuldade em determinar o que os candidatos representavam. O Feiticeiro encaixa esta descrição, para “quem o que verdadeiro Oz é”, dizem a Dorothy, “não há vivalma que o possa dizer.” Na verdade, quando o quarteto entrar na sala do trono, o Feiticeiro aparecerá a cada um numa forma diferente. Como muitos políticos, ele não está disposto a ajudá-los sem receber algo em troca: “Nunca concedo favores sem alguma retribuição.”

Os políticos também são famosos por não cumprirem as promessas que fazem, e o grande Oz não é diferente. Quando o grupo de Dorothy regressa depois de ter morto a Bruxa malvada do Oeste, o Feiticeiro fá-los esperar, para depois os mandar embora. Por acidente, o todo-poderoso Feiticeiro é exposto e a sua verdadeira identidade é revelada. Longe de ser um mago poderoso, “Oz, o Terrível” é apenas uma “farsa”, um homem mirrado velho cujo “poder” é alcançado através de atos elaborados de embuste. O Feiticeiro é simplesmente um político manipulador que aparece às pessoas sempre da mesma maneira, mas trabalha nos bastidores para alcançar os seus verdadeiros objetivos. Tais figuras são aterrorizadoras até serem expostas; o Feiticeiro pede a Dorothy para baixar a voz para que ele não venha a ser descoberto e “arruinado”.

Percebe-se depois que o Feiticeiro vem de Omaha, cidade localizada no Nebraska onde se tornou um ventríloquo talentoso e depois balonista num circo. Bryan era do Nebraska, era famoso pela sua oratória calorosa mas de conteúdo oco[19], e na mente dos seus críticos era tido como um apresentador de circo. Nebraska era também um bastião do populismo, e Omaha a cidade escolhida para a Convenção Nacional Populista de 1892, onde o partido aprovou a “plataforma de Omaha”, o manifesto do movimento. Após a convenção do partido do ano anterior, Judge, uma revista popular, parodiou os populistas na sua capa, ao mostrar um balão de ar quente[20] feito de remendos com os nomes dos grupos e partidos que se reuniram ao movimento populista: Cavaleiros do Trabalho, Partido Proibicionista, Socialistas, Aliança dos Agricultores, e assim por diante. Na cesta do balão estavam as caricaturas dos líderes populistas, pregando a “Plataforma de loucura.”

A identificação do Feiticeiro com Bryan parece levantar um problema óbvio. Bryan está representado pelo Leão e então como é que também aqui aparece o Feiticeiro? Bryan nunca foi presidente, mas ele era um político magistral e um aspirante à Casa Branca. Em conjunto com referências a Omaha, ao ventriloquismo, e ao balão, a ligação entre Bryan e Feiticeiro é uma inferência razoável. Assim como algumas das metáforas de Baum são um composto, o Leão e o Feiticeiro representam diferentes facetas de Bryan.

As Cores do Dinheiro

A Terra de Oz é, no mínimo, colorida e O Feiticeiro de Oz é repleto de referências a ouro, prata e verde. Algumas destas referências já foram observadas, mas a história faz várias outras. As referências ao ouro e à prata ecoam a proeminência da política monetária na década de 1890, especialmente a cruzada bimetálica liderada por Bryan e os populistas. Além disso, o ouro e a prata são retratados frequentemente a trabalhar em conjunto. A Bruxa do Oeste evoca os seus lacaios com um apito de prata e um Gorro Dourado, o Lenhador de Lata recebe um machado novo feito de ouro e prata, bem como uma nova almotolia que contém ambos os metais. E claro, há Dorothy na sua viagem através de Oz “com os seus sapatos de prata a tilintar alegremente no pavimento amarelo e rijo”. A própria palavra oz é a abreviatura de uma onça, de ouro ou prata. Há referências adicionais ao ouro e à prata, mas os dados aqui ilustram amplamente o uso que Baum faz da metáfora monetária.

O verde, frequentemente em combinação com o ouro, é também uma imagem recorrente. Naquele tempo, como agora, o verde era a cor do dinheiro de papel. O Partido Greenback, um precursor dos populistas, defendeu a expansão da oferta de dinheiro através do aumento da circulação dos “Greenback”[21]. Jacob Coxey era ele próprio um greenbacker, como era também James B. Weaver, o candidato populista presidencial em 1892. A maioria das imagens verde em Oz é de natureza geral e não parecem indicar paralelos específicos. Toto usava uma fita verde que perdeu a cor e ficou branca (prata), e mais tarde ele recebe uma coleira ouro, assim como o leão. Na Cidades das Esmeraldas, todos são obrigados a usar óculos verdes com bandas de ouro, de modo que quase tudo o que aparece em um verde resplandecente. O líquido da “coragem” dado ao Leão é derramado de uma garrafa verde para um prato de ouro esverdeado, e o balão do Feiticeiro é feito com seda verde de vários tons. Tal como num espetáculo de magia se cria uma ilusão, o líquido da coragem do leão é apenas um placebo, o balão é uma colcha de retalhos simples, e por isso a procura de papel-moeda é exposta como uma panaceia para os problemas dos agricultores.

No final da história, o Espantalho substitui o Feiticeiro como o soberano da Cidade das Esmeraldas, o Lenhador de Lata é feito soberano do país do Oeste, e o Leão torna-se o rei dos animais. Dorothy transporta-se de volta para o Kansas, batendo com os calcanhares dos seus sapatos prateados três vezes um no outro. Tudo isto é conseguido com a ajuda de Glinda, a Bruxa Boa do Sul. Qual é a mensagem? O populismo triunfa, o objetivo de ganhar o poder político é alcançado. Ou não é? Nem ao Espantalho, nem ao Lenhador de Lata, nem ao Leão, a nenhum deles faltava realmente o que cada um acreditava que lhe estava a faltar; provou-se que os poderes do grande Feiticeiro eram ilusórios, tendo Dorothy também o poder de ela própria transformar a sua condição, regressando a casa, e tinha-o logo desde o início. Essas características da história apontam para um resultado mais ambivalente. Na verdade, o fracasso total do populismo é sugerido quando os sapatos de prata de Dorothy caem no deserto e nele para sempre se perdem. Após a derrota de Bryan, em 1896, o movimento da “prata livre” entrou em rápido declínio. A reeleição de McKinley e a adoção legal do padrão‑ouro em 1900 fizeram esquecer as propostas políticas dos populistas.

Conclusão

Os críticos da leitura alegórica de O Feiticeiro de Oz fizeram muito do trabalho para a descoberta que L. Frank Baum não era um democrata ou um apoiante de Bryan. Em si mesma, no entanto, esta descoberta não prova nada. No máximo, ela sugere que Oz não é uma parábola pró-populista, algo bem diferente da alegação de que não há “nenhuma evidência de que a história de Baum é de forma alguma uma alegoria populista”, como Hearn (1992) argumentou. O autor da interpretação alegórica caracterizou Oz como uma “crítica” do populismo, não uma defesa. A afirmação de que não há “nenhuma evidência” de uma alegoria é simplesmente míope. Como mostram as reconstruções anteriores, a evidência que se pode tirar do texto é esmagadora, e, à luz do passado político de Baum, da sua personalidade malandra, e dos seus trabalhos posteriores, é todo ele bem conclusivo: O Feiticeiro de Oz é um trabalho deliberado de simbolismo político.

Mais uma vez, esta conclusão não exige que cada correspondência que citei tenha servido para fazer intencionalmente uma alegoria ou que represente uma intenção precisa de Baum. Também não implica que cada referência simbólica específica tenha uma correlação precisa, muitas vezes as metáforas e analogias são meramente sugestivas. Por outro lado, a presença de “inconsistências” e a ausência de uma moral óbvia de maneira nenhuma faz diminuir a realidade da simbologia.

O Feiticeiro de Oz é claramente não uma parábola pró-populista nem uma parábola antipopulista. Estritamente falando, não é de todo uma parábola se se definir parábola como uma história com um propósito didático. Baum pretendia não ensinar, mas entreter, não dar uma aula, mas divertir. Portanto, o conto de Oz é melhor visto como uma representação simbólica e satírica do movimento populista e da política da época, assim como uma história infantil. Muito simplesmente, Oz opera em dois níveis, um literal e pueril, e outro simbólico e político. A sua capacidade de fascinar em ambos os níveis atesta o saber, a imaginação e a criatividade, em que em todas estas características o fazem simplesmente notável.

Referências

Baum, L. Frank. [1900] 1991. The Wonderful Wizard of Oz. Edited by William Leach. Belmont, Calif.: Wadsworth.

Clanton, Gene. 1991. Populism: The Humane Preference in America. Boston: Twayne.

Dighe, Ranjit, ed. 2002. The Historian’s Wizard of Oz: Reading L. Frank Baum’s Classic as a Political and Monetary Allegory. Westport, Conn.: Praeger.

Gardner, Martin, and Russel B. Nye. 1957. The Wizard of Oz and Who He Was. East Lansing: Michigan State University Press.

Gessel, Michael. 1992. Tale of a Parable. Baum Bugle (spring): 19-23.

Hearn, Michael Patrick. 1992. “Oz” Author Never Championed Populism. New York Times, January 10.

Koupal, Nancy Tystad. 1989. The Wonderful Wizard of the West: L. Frank Baum in South Dakota, 1888-91. Great Plains Quarterly 9: 203-15.

Koupal, Nancy Tystad. 1989. 2001. Add a Pinch of Biography and Mix Well: Seasoning the Allegory Theory with History. South Dakota History 31: 153-62.

Littlefield, Henry M. 1964. The Wizard of Oz: Parable of Populism. American Quarterly 16: 47-58.

Littlefield, Henry M.. 1992. “Oz” Author Kept Intentions to Himself. New York Times, February 7.

Moyer, David. 1998. Oz in the News. Baum Bugle (winter): 46.

Parker, David B. 1994. The Rise and Fall of the Wonderful Wizard of Oz as a “Parable on Populism.” Journal of the Georgia Association of Historians 15: 49-63.

Rockoff, Hugh. 1990. The “Wizard of Oz” as a Monetary Allegory. Journal of Political Economy 98: 739-60.

Traduzido de http://www.independent.org/publications/tir/article.asp?issueID=40&articleID=504

Quentin P. Taylor é Professor de História e Ciência Política na Rogers State University, Claremore, Oklahoma.

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A teia da dívida: A verdade chocante do nosso sistema monetário e como nos podemos dele libertar

Ellen Hodgson Brown

Baton Rouge, Third Millennium Press

2012

Introdução

Capturados pela Aranha da Dívida[22]

O Presidente Andrew Jackson[23] denominou o cartel bancário de “monstro de muitas cabeças, como a hidra a devorar a carne do homem comum”. O presidente da câmara de Nova Iorque, John Hylan, chamou-o, nos anos de 1920, de “polvo gigante” que “captura nos seus longos e poderosos tentáculos os nossos responsáveis executivos, os nossos corpos legislativos, as nossas escolas, os nossos tribunais, os nossos jornais e todas as instituições criadas para a proteção pública”. A aranha da dívida devorou propriedades agrícolas, lares e todos os países que ficaram presos na sua teia. Num artigo de fevereiro de 2005 intitulado “A morte da banca”, o comentador financeiro Hans Schicht escreveu:

O facto de ao banqueiro ser permitido conceder crédito várias vezes superior à sua própria base de capital e de os cartéis bancários, os bancos centrais, serem autorizados a emitir dinheiro de papel fresco em troca de papéis do tesouro, proporcionou-lhes almoços gratuitos para a eternidade… Através de uma rede de aranhas financeiras anónimas a tecerem a teia, apenas um punhado de Banqueiros Reis globais possui e controla isto tudo… Tudo, pessoas, empresas, Estado e países estrangeiros, todo se tornam escravos aprisionados ao Banqueiro pelos grilhões do crédito.

Schicht escreve que durante a sua carreira teve oportunidade de observar as manigâncias das finanças a partir de dentro. O jogo ficou tão centralizado e concentrado, afirma ele, que a maior parte da banca e das empresas dos Estados Unidos está agora sob o controle de um pequeno grupo fechado de homens. Ele denomina o jogo de “aranhas tecedeiras”. As suas regras incluem:

•   Tornar invisível qualquer concentração de riqueza.

•   Exercer controlo através de “alavancagem” – fusões, tomadas, cadeias partilhadas de holdings em que uma companhia possui ações de outras companhias, condições anexadas a empréstimos e assim por diante.

•   Exercer administração e controle pessoal duros, com um mínimo de iniciados (insiders) e de homens de fachada, os quais têm apenas um conhecimento parcial do jogo.

O falecido Dr. Carroll Quigley foi escritor e Professor de História na Georgetown University e ali foi mentor do Presidente Bill Clinton[24]. O Dr. Quigley escreveu a partir do seu conhecimento pessoal acerca de uma clique de elite de financeiros globais empenhados em controlar o mundo. O seu objetivo, disse ele, era “nada menos do que criar um sistema mundial de controlo financeiro em mãos privadas capaz de dominar o sistema político de cada país e a economia do mundo como um todo”. Este sistema era “para ser controlado de um modo feudal pelos bancos centrais do mundo a atuarem em concertação, por acordos secretos”. Ele chamava a este clique simplesmente os “banqueiros internacionais”. A sua essência não era raça, religião ou nacionalidade mas apenas uma paixão pelo controle sobre outros humanos. A chave para o seu êxito era que controlassem e manipulassem o sistema monetário de um país enquanto permitiam que ele parecesse ser controlado pelo governo.

Os banqueiros internacionais tiveram êxito em fazer mais do que simplesmente controlar a oferta monetária. Hoje eles realmente criam a oferta monetária, embora fazendo com que a mesma pareça ser criada pelo governo. Este esquema tortuoso foi revelado por Sir Josiah Stamp, diretor do Banco da Inglaterra e o segundo homem mais rico da Grã-Bretanha na década de 1920. Ao falar na Universidade do Texas em 1927, ele lançou esta bomba:

O sistema bancário moderno fabrica dinheiro a partir do nada. O processo é talvez a mais espantosa peça de prestidigitação alguma vez já inventada. A banca foi concebida na desigualdade e nasceu no pecado… Os banqueiros possuem a terra. Tome-a deles mas deixem-nos o poder de criar dinheiro e, com um toque de caneta, eles criarão bastante dinheiro para comprá-la outra vez… Retirem-lhes este grande poder e todas as grandes fortunas, como a minha, desaparecerão, e então isto seria um mundo melhor e mais feliz para nele viver… Mas se quiserem continuar a serem escravos de banqueiros e pagarem o custo da sua própria escravidão, então deixem os banqueiros continuar a criar dinheiro e controlar o crédito.

O Professor Henry C. K. Liu é economista licenciado por Harvard e presidiu um departamento na Universidade da Califórnia-Los Angeles antes de se tornar conselheiro de investimento de países em desenvolvimento. Ele considera o atual esquema monetário como “farsa cruel”. Quando acordarmos para este facto, afirma ele, toda a nossa visão económica do mundo precisará ser reordenada, “assim como a física foi sujeita a reordenamento quando a visão do homem mudou com a perceção de que a terra não é estacionária nem é o centro do universo”. A farsa é que não há virtualmente nenhum dinheiro “real” no sistema, apenas dívidas. Exceto para moedas, as quais são emitidas pelo governo e constituem apenas cerca de um milésimo da oferta monetária, toda a oferta monetária dos Estados Unidos consiste agora de dívida a bancos privados, pois eles criam o dinheiro com entradas nas suas contabilidades. Tudo é feito por prestidigitação e, como num truque de mágico, temos de assisti-lo muitas vezes antes de percebermos o que está a acontecer. Mas quando o fizermos, isto tudo muda. Toda a história tem de ser reescrita.

Os capítulos seguintes rastreiam a teia de enganos que nos afundou na dívida e apresenta uma solução simples que poderia tornar o país solvente outra vez. Não é uma nova solução mas remonta à Constituição: o poder de criar dinheiro precisa ser devolvido ao governo e ao povo que ele representa. A dívida federal poderia ser paga, os impostos sobre o rendimento poderiam ser eliminados e os programas sociais poderiam ser expandidos; e tudo isto poderia ser feito sem impor medidas de austeridade sobre o povo ou sem atear inflação galopante. Utópico como possa parecer, isto representa o pensamento de alguns dos melhores e mais brilhantes homens da América, históricos e contemporâneos, incluindo Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin[25]. Dentre outros factos impressionantes explorados neste livro destaca-se que:

•   O “Federal” Reserve não é realmente federal. É uma corporação privada possuída por um consórcio de bancos multinacionais muito grandes. (Capítulo 13)

•   Exceto quanto a moedas, o governo não cria dinheiro. As notas de dólar são criadas pelo privado Fed, o qual as empresta ao governo. (Capítulo 2)

•   A divisa tangível (moedas e notas de dólar) em conjunto constitui menos de 3 por cento da oferta monetária dos Estados Unidos. Os outros 97 por cento existem apenas como entradas de dados em ecrãs de computador, e todo este dinheiro foi criado por bancos na forma de empréstimos. (Capítulos 2 e 17)

•   O dinheiro que os bancos emprestam não é reciclado a partir de depósitos pré-existentes. É dinheiro novo, o qual não existe até ser emprestado. (Capítulos 17 e 18)

•   Trinta por cento do dinheiro criado pelos bancos com entradas na contabilidade é investido nas suas próprias contas. (Capítulo 18)

•   O sistema bancário americano, o qual no passado concedia empréstimos produtivos à agricultura e à indústria, tornou-se hoje uma máquina gigante de apostas. Uns estimados 370 milhões de milhões de dólares estão agora a cavalgar complexas apostas de alto risco conhecidas como derivados – 28 vezes os 13 milhões de milhões de dólares do produto anual de toda a economia dos Estados Unidos. Estas apostas são financiadas por grandes bancos dos Estados Unidos e são feitas em grande medida com dinheiro emprestado criado num ecrã de computador. Os derivados podem ser, e têm sido, utilizados para manipular mercados, saquear negócios e destruir economias competidoras. (Capítulos 20 e 32)

•   A dívida federal dos Estados Unidos não tem sido liquidada desde os dias de Andrew Jackson[26]. Só os juros são pagos, enquanto o principal continua a crescer. (Capítulo 2)

•   O imposto federal sobre o rendimento foi instituído especificamente para coagir os contribuintes a pagarem os juros devidos aos bancos sobre a dívida federal. Se a oferta monetária houvesse sido criada pelo governo ao invés de ser emprestada dos bancos que a criaram, o imposto sobre o rendimento teria sido desnecessário. (Capítulos 13 e 43)

•   Só os juros sobre a dívida federal em breve serão maiores do que os contribuintes podem permitir-se pagar. Quando não pudermos pagar, o sistema do dólar baseado na dívida da Reserva Federal deve entrar em colapso. (Capítulo 29)

•   Ao contrário da crença popular, a inflação rastejante não é provocada pela impressão irresponsável de dólares por parte do governo. É provocada pelos bancos que expandem a oferta monetária com empréstimos. (Capítulo 10)

•   A maioria das inflações galopantes vistas nas “repúblicas de bananas” foi provocada não por governos nacionais a imprimirem excesso de dinheiro e sim por especuladores institucionais globais a atacarem e a desvalorizarem-nas nos mercados internacionais. (Capítulo 25)

•   A mesma espécie de desvalorização especulativa poderia acontecer ao dólar dos Estados Unidos se os investidores internacionais o abandonassem como divisa global de “reserva, algo que eles estão agora a ameaçar fazer em retaliação pelo que entendem ser o imperialismo económico americano. (Capítulos 29 e 37)

•   Há um caminho para a saída deste pântano. Os colonizadores americanos primitivos descobriram-no, tal como Abraham Lincoln e alguns outros líderes nacionais: o governo pode recuperar, tomando de volta, o poder de emitir dinheiro dado aos bancos. (Capítulos 8 e 24).

As notas dos banqueiros do Fed e as moedas do governo representam dois sistemas monetários separados que têm estado a competir pelo domínio ao longo da história. Houve tempo em que o direito de emitir moeda era o direito soberano do rei; mas aquele direito foi usurpado por agiotas. Hoje, o soberano é o povo e as moedas, que constituem menos de um milésimo da oferta monetária, são tudo o que restou da nossa soberania monetária. Muitos países emitiram com êxito o seu próprio dinheiro, pelo menos durante algum tempo; mas o dinheiro-dívida dos banqueiros geralmente infiltrou o sistema e acabou por tomá-lo. Estes conceitos são tão estranhos em relação ao que nos tem sido ensinado que pode ser difícil envolver as nossas mentes em torno deles, mas os factos foram fundamentados por muitas autoridades confiáveis. Para citar umas poucas:

Robert H. Hemphill, Administrador de Crédito da Reserva Federal de Atlanta, escreveu em 1934:

Estamos completamente dependentes dos bancos comerciais. Alguém tem de tomar emprestado todo o dólar que temos em circulação, cash ou crédito. Se os bancos criam muito dinheiro sintético estamos prósperos; se não, passamos fome. Estamos absolutamente sem um sistema monetário permanente. Quando alguém obtém um domínio completo do quadro, o absurdo trágico da nossa posição sem esperança é quase incrível, mas ali está. Este é o assunto mais importante para pessoas inteligentes investigarem e refletirem.

Graham Towers, Governador do Banco do Canadá de 1935 a 1955, reconheceu:

Bancos criam dinheiro. Isso é o que eles fazem… O processo de fabricação do dinheiro consiste em fazer uma entrada num livro. Isso é tudo… Cada vez que um banco faz um empréstimo… novo crédito bancário é criado – dinheiro novo em folha.

Robert B. Anderson, Secretário do Tesouro no governo Eisenhower, disse numa entrevista publicada no número de 31 de agosto de 1959 da U.S. News and World Report:

Quando um banco faz um empréstimo, ele simplesmente acrescenta à conta de depósito do tomador naquele banco a quantia do empréstimo. O dinheiro não é tomado do depósito de qualquer outra pessoa, ele não foi pago anteriormente ao banco por qualquer pessoa. É dinheiro novo, criado pelo banco para a utilização do tomador.

Michel Chossudovsky, Professor de Ciências Económicas na Universidade de Ottawa, afirmou, durante a crise de divisas asiática de 1998:

As reservas monetárias mantidas nas mãos de “especuladores institucionais” excedem de longe as limitadas capacidades dos bancos centrais do mundo. Estes últimos, a atuarem de forma individual ou coletiva, já não são capazes de combater a maré de atividade especulativa. A política monetária está nas mãos de credores privados que têm a capacidade de congelar orçamentos de Estado, paralisar processos de pagamento, impedir o desembolso regular de salários para milhões de trabalhadores (como na antiga União Soviética) e precipitar o colapso de programas de produção e sociais.

Hoje, as notas emitidas pelo Fed e os empréstimos em dólares dominam a economia do mundo; mas esta divisa internacional não é dinheiro emitido pelo povo americano ou o seu governo. É dinheiro criado e emprestado por um cartel privado de banqueiros internacionais, e este cartel capturou os próprios Estados Unidos irremediavelmente numa teia de dívida. Em 2006, a dívida conjunta pessoal, corporativa e federal nos Estados Unidos atingiu uns estarrecedores 44 milhões de milhões de dólares – quatro vezes o rendimento nacional coletivo, ou 147.312 dólares para todo homem, mulher e criança no país. Os Estados Unidos estão legalmente em bancarrota, definido no dicionário como ser incapaz de pagar as próprias dívidas, estar insolvente, ou ter passivos em excesso em relação a um valor de mercado razoável dos ativos possuídos. Em outubro de 2006, a dívida do governo dos Estados Unidos atingiu uma quantia de cortar a respiração: 8,5 milhões de milhões de dólares. Os governos locais, estaduais e nacional estão tão pesadamente endividados que têm sido forçados a liquidar ativos públicos para satisfazer credores. Escolas apinhadas, estradas apinhadas e cortes nos transportes públicos estão a erodir a qualidade de vida americana. Um relatório de 2005 da American Society of Civil Engineers atribuiu à infraestrutura do país uma graduação global de D, incluindo suas estradas, pontes, sistemas de água potável e outras obras públicas. “Os americanos estão a gastar mais tempo paralisados no tráfego e menos tempo com as suas famílias”, disse o presidente do grupo. “Precisamos estabelecer um plano abrangente e a longo prazo de infraestrutura”. Precisamos mas não podemos, porque o governo está arruinado a todo nível.

Dinheiro na Terra de Oz

Se os governos por toda a parte estão em dívida, a quem devem? A resposta é que estão em dívida para com bancos privados. A “farsa cruel” é que os governos estão em dívida de dinheiro criado num ecrã de computador, dinheiro que poderiam eles próprios ter criado. O vasto poder adquirido através deste passe de mágica por uma pequena clique de homens a puxarem os cordéis do governo nos bastidores evoca imagens de O Feiticeiro de Oz, um conto de fadas clássico americano que se tornou uma rica fonte de imagens para comentadores financeiros. O editorialista Christopher Mark escreveu numa série intitulada “O grande engano”:

Bem-vindo ao mundo do Banqueiro Internacional, o qual, tal como no famoso filme O Feiticeiro de Oz, fica por trás das cortinas a orquestrar os decisores da política nacional e internacional e os chamados líderes eleitos.

O falecido Murray Rothbard, economista da escola clássica austríaca, escreveu:

Dinheiro e banca foram feitos aparecer como processos misteriosos e herméticos que devem ser guiados e operados por uma elite tecnocrática. Eles não são nada disso. Em matéria de dinheiro, ainda mais do que nos restos dos nossos assuntos, temos sido trapaceados por um maligno Feiticeiro de Oz.

Em 2002, num artigo intitulado “Quem controla o Sistema de Reserva Federal?”, Victor Thorn escreveu:

Na essência, o dinheiro tornou-se nada mais do que ilusão – um número ou quantia eletrónica num ecrã de computador…. Com o andar do tempo, temos uma tendência crescente para sermos sugados dentro deste vórtex de irrealidade do Feiticeiro de Oz [por] sacerdotes-mágicos que utilizam a ilusão do dinheiro como seu dispositivo de controlo.

James Galbraith escreveu no The New American Prospect:

Nós ficamos… com a ideia de que o Fed Board não sabe o que está a fazer. Isto é a teoria “Feiticeiro de Oz”, na qual afastamos as cortinas só para encontrar um velho com uma face enrugada, a brincar com luzes e alto-falantes.

As analogias com O Feiticeiro de Oz funcionam por uma razão. Segundo os mais recentes comentadores, o conto escrito realmente como uma alegoria monetária, numa época em que a “questão monetária” era um assunto chave na política americana. Na década de 1890, os políticos ainda estavam a debater apaixonadamente quem deveria criar o dinheiro do país e do que ele deveria consistir. Deveria ser criado pelo governo, com plena responsabilização para com o povo? Ou deveria ser criado por bancos privados por trás de portas fechados, para as finalidades privadas dos próprios bancos?

William Jennings Bryan, o candidato populista à presidência em 1896 e novamente em 1900, montou o último desafio sério ao direito de banqueiros privados criarem a oferta monetária nacional. Segundo os comentadores, Bryan foi representado por Frank Baum, em 1900, no livro O Feiticeiro de Oz como o Leão Cobarde. O Leão finalmente provou que era o Rei dos Animais ao decapitar uma aranha gigante que aterrorizava todos na floresta. A aranha gigante que Bryan desafiava na viragem do século XX era o cartel bancário Morgan/Rockefeller, o qual pretendia usurpar o poder de criar o dinheiro do país ao povo e ao seu governo representativo.

Antes da I Guerra Mundial, dois sistemas opostos de economia política competiam pelo predomínio nos Estados Unidos. Um operava a partir da Wall Street, o distrito financeiro de Nova Iorque que veio a ser o símbolo das finanças americanas. O seu endereço mais importante era Wall Street 23, conhecido como a “Casa de Morgan”. J. P. Morgan era um agente de poderosos interesses britânicos. Os feiticeiros da Wall Street e os banqueiros do Velho Mundo a puxarem seus cordões procurando estabelecer uma divisa nacional que fosse baseada no “padrão‑ouro”, uma divisa criada de forma privada pela elite financeiro que controlava o ouro. O outro sistema remontava a Benjamin Franklin e operava a partir de Filadélfia, a primeira capital do país, onde foi efetuada a Convenção Constitucional e a “Society for Political Inquiries” de Franklin planeou a industrialização e obras públicas que libertariam a nova república da escravidão económica à Inglaterra. A fação de Filadélfia favorecia um banco de acordo com o modelo estabelecido na Pensilvânia, onde um gabinete estadual de empréstimos emitia e emprestava dinheiro, arrecadava os juros e devolvia-o ao governo provincial para ser utilizado no lugar de impostos. O Presidente Abraham Lincoln retornou ao sistema colonial de dinheiro emitido pelo governo durante a Guerra Civil, mas ele foi assassinado e os banqueiros reclamaram o controlo da máquina do dinheiro. O golpe silencioso da fação da Wall Street culminou com a aprovação do Fed Act em 1913, algo que eles alcançaram enganando Bryan e outros congressistas desconfiados levando-os a pensar que o Fed era realmente federal.

Hoje, o debate sobre quem deveria criar a oferta monetária nacional é ouvido raramente, principalmente porque poucas pessoas percebem mesmo que isso é uma questão relevante. Políticos e economistas, assim como toda a população, simplesmente assumem que o dinheiro é criado pelo governo e que a “inflação” de que todos se queixam é provocada por um governo fora de controlo que faz funcionar as impressoras do dólar. Os mestres dos fantoches que trabalhavam a máquina do dinheiro eram mais visíveis na década de 1890 do que são hoje, em grande medida porque eles ainda não haviam tido êxito em comprar os media e dominar a opinião pública.

A teoria económica é um assunto árido e amedrontador que foi tornado intencionalmente complexo pelo interesse dos bancos em esconder o que realmente está a acontecer. É um assunto que precisa de esclarecimento urgente, com imagens, metáforas, personalidades e um enredo. Assim, antes de entrar nos tediosos pormenores do sistema moderno de dinheiro-baseado-na-dívida, efetuaremos uma excursão ao passado, a um tempo mais simples, quando as questões monetárias eram mais óbvias e ainda assim tópico de discussões candentes. A linha mestra do enredo de O Feiticeiro de Oz foi traçada para a primeira marcha de sempre sobre Washington, liderada por um obscuro homem de negócios de Ohio que, em 1894, procurou persuadir o Congresso a retornar ao sistema de Lincoln de dinheiro emitido pelo governo. Além de disparar um século de marchas de protesto e o mais famoso conto de fadas do país, este visionário pouco conhecido e o bando de desempregados que ele liderou podem realmente ter tido a solução para todo o problema monetário, então e agora.

Disponível em http://resistir.info/financas/ellen_brown.html#nr

Ellen Brown é advogada em Los Angeles, autora de vários livros, viveu vários anos em países em desenvolvimento (Honduras, Guatemala e Nicarágua) tendo por isso investigado sobre os problemas desses mesmos países.

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Segredos de O Feiticeiro de Oz

Rumeana Jahangir

BBC News

17 de março de 2009

rumeana - I

O Feiticeiro de Oz é um dos contos de fadas mais famosos e amados do mundo. À medida que o filme de Judy Garland se aproxima do seu 70º aniversário, quanto dos seus seguidores saberão que a história é uma parábola económica?

A Dorothy do Kansas evoca pensamentos nostálgicos de Natais passados de crianças que se escondem da Bruxa Malvada do Oeste atrás do sofá. Ou dos Macacos Alados.

É improvável que os seus jovens fãs tenham pensado em deflação e em política monetária.

 rumeana - IIO filme de 1939 é a evocação mais famosa da história

Mas, à história estão subjacentes referências económicas e políticas que a tornam uma ferramenta popular para o ensino secundário e universitário – principalmente nos Estados Unidos, mas também no Reino Unido – da história da depressão económica do final do século XIX.

Numa altura em que alguns economistas temem o início de um período de deflação e em que as certezas económicas se derretem tão rapidamente como a Bruxa Malvada se derreteu, o que pode ser aprendido com Oz?

O filme, estreado em 1939 com a jovem Judy Garland, baseou-se no livro de Lyman Frank Baum, O Feiticeiro de Oz, publicado em 1900. Conta a história de uma menina órfã do Kansas transportada por um ciclone para um mundo fantástico, mas que quer voltar para casa dos seus tios.

Pensando que o grande Feiticeiro de Oz lhe pode conceder esse desejo, ela vai procurá-lo com o seu amado cão Toto, com o Espantalho, o Lenhador de Lata e o Leão Cobarde.

Baum publicou o livro em 1900, logo após os Estados Unidos terem saído de um período de deflação e depressão. Os preços haviam caído, nos 16 anos anteriores, cerca de 22%, causando uma enorme dívida.

Os agricultores estavam entre os mais afetados e o Partido Populista foi criado para representar os seus interesses e os interesses dos trabalhadores industriais.

Os Estados Unidos estavam então a operar no sistema padrão‑ouro – um sistema monetário baseado numa relação fixa do dólar com o ouro e em que o dólar era convertível em ouro, de acordo com esta taxa fixa. Os populistas queriam um sistema bimetalista baseado no ouro, mas também na prata. Isso teria originado um aumento da oferta de moeda dos Estados Unidos, o consequente aumento dos níveis de preços e a redução dos encargos da dívida dos agricultores.

 

Código dos ladrilhos amarelos

Em 1964, o Professor do ensino secundário Henry Littlefield escreveu um artigo descrevendo a alegoria subjacente ao livro de Baum. Neste artigo, disse que a história do livro era uma “suave e amigável” crítica ao pensamento populista e que poderia ser usada para ajudar os estudantes à compreensão da situação política e económica no fim do século XIX.

Desde a sua publicação, os professores têm usado esta visão sobre o conto para ajudar as suas turmas a entender as questões que na época se colocaram.

rumeana - III

E a teoria de Littlefield tem sido muito debatida. Ele acreditava que os personagens poderiam representar as personalidades e as questões económicas e políticas do final do século XIX, com Dorothy a encarnar o espírito do homem comum americano.

O homem político e historiador dos Estados Unidos, Quentin Taylor, que apoia esta interpretação, diz: “numerosos paralelos e analogias entre a história de Oz e a história política contemporânea”.

“O Lenhador de Lata representa o trabalhador industrial, o Espantalho o agricultor e o Leão Cobarde representa William Jennings Bryan.”

Bryan foi um candidato presidencial democrata que apoiou a causa de prata. Mas ele não conseguiu ganhar os votos dos trabalhadores do leste e perdeu a eleição de 1896. Da mesma forma, as garras do Leão Cobarde quase desapareceram com a armadura metálica do Lenhador de Lata.

A Bruxa Malvada do Oeste é associada a uma variedade de personalidades controversas, entre elas o industrial Marcus Hanna, diretor de campanha do Presidente William McKinley.

Neste cenário, a estrada de ladrilhos amarelos simboliza o padrão‑ouro, a Cidade Esmeralda torna-se Washington DC e o Feiticeiro caracteriza o presidente – em que ele é exposto como sendo tudo menos um homem que fala a verdade.

Fora para ver o presidente

No entanto, nada pode ajudar Dorothy no regresso para casa. Eventualmente, ela descobre que os seus sapatos de prata (cor alterada para rubi no filme) têm o poder de a levar de volta para o Kansas.

rumeana - IV A alegoria ainda é ensinada nas escolas

A possível implicação é que o ouro por si só não pode ser a solução para os problemas enfrentados pelo cidadão comum. Mas o Professor Taylor acha que é improvável que o livro escolha um dos lados. Em vez disso, ele diz que o objetivo era explicar a história do movimento populista, alguns dos quais marcharam em Washington DC, em 1894, para exigir do governo uma melhoria das suas condições.

A exigência, por parte deste movimento, do uso da prata a par do ouro como padrão monetário não foi cumprida, apesar de após alguns anos, a inflação ter voltado com as descobertas de ouro na África do Sul e noutras partes do mundo.

Na história de Baum, Dorothy perde os seus sapatos de prata no deserto antes que ela consiga chegar a casa – uma possível imagem do declínio da causa prata depois de 1896.

Mas nem todos acreditam que O Feiticeiro de Oz inclua quaisquer significados ocultos.

“Ninguém o sugeriu até 1964”, diz Bradley Hansen, que é Professor de Economia na Universidade de Mary Washington.

“Não há nenhuma evidência sólida de que Baum tenha escrito uma alegoria monetária”, acrescenta. “Embora possa ter despertado o interesse dos estudantes, realmente não lhes ensina nada sobre o padrão‑ouro e, em particular, o debate sobre o padrão‑ouro”.

O Prof. Hansen pensa que o autor estava apenas a tentar criar um novo tipo de conto de fadas, o “Harry Potter de seu tempo”.

rumeana - V

Logo após a publicação, Baum adaptou o seu livro para um musical para adultos, que estreou em 1902. Ranjit Dighe, que escreveu O Historiador do Feiticeiro de Oz, diz que zombou de Theodore Roosevelt e os populistas, mas Baum estava à espera de gargalhadas, como o Jay Leno espera.

Pouco pode ser aprendido a partir de Baum sobre a crise económica moderna, diz o Professor Taylor, embora, em ambos os casos, as pessoas tenham começado a exigir mais ação por parte do governo.

O Banco da Inglaterra tem – como os populistas há mais de 100 anos atrás o exigiram – fornecido um impulso para a oferta de moeda, embora o termo “flexibilização quantitativa” fosse, provavelmente, pouco conhecido nos anos de 1890. E, finalmente, os Estados Unidos derrotaram a deflação, criando moeda a partir de novas descobertas de ouro no exterior.

L. Frank Baum morreu antes de os debates sobre a sua verdadeira intenção terem começado. Mas, na introdução do livro, ele afirmou que só foi escrito para agradar às crianças.

Ele estava sem dúvida inconsciente da atração futura que os estudantes de economia iriam por ele ter.

Traduzido de http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/magazine/7933175.stm

Rumeana Jahangir é jornalista da Ariel, fazendo parte dos quadros da BBC.

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[1] (N.T.) Este verso pertence ao poema “Hymn on the Morning of Christ’s Nativity”, escrito em 1629. Está disponível em http://www.bartleby.com/101/307.html.

[2] (N.T.) Este ditado pode-se traduzir por “Para o trabalho eu vou, e dele não sei se regressarei”.

[3] (N.T.) William McKinley foi o 32º Presidente dos Estados Unidos (1897 a 1901), tendo sido assassinado. McKinley levou o país à vitória na Guerra Hispano-Americana (1898), implementou tarifas para promover a indústria americana e manteve o país no padrão-ouro, rejeitando as propostas inflacionistas dos bimetalistas.

[4] (N.T.) Este livro foi a fonte para o filme O Feiticeiro de Oz, de 1938, com a interpretação de Judy Garland e realizado por Victor Fleming.

[5] (N.T.) Oscar Wilde, “A Importância de Ser Earnest” in Oscar Wilde, A Importância de Ser Earnest e Outras Peças, Lisboa, Relógio d’Água, 2003, p. 310.

[6] (N.T.) Com o objetivo da reconstrução do sistema económico, financeiro e monetário internacional, 730 delegados das 44 nações aliadas reuniram-se no Hotel Mount Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas. Os delegados reuniram-se entre 1 e 22 de julho de 1944, tendo assinado, no último dia, os Acordos de Bretton Woods que estabeleceram os princípios fundamentais de um novo sistema monetário internacional.

[7] (N. T.) A referência exata que Keynes faz é a seguinte: “ Na verdade, o padrão-ouro já é uma relíquia bárbara”. John Maynard Keynes, “A Tract on Monetary Reform”, The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. IV, Londres, Macmillan Press, 1971, p. 138.

[8] (N.T.) George Bernard Shaw, The Intelligent Woman’s Guide to Socialism and Capitalism, Nova Iorque, Brentano’s, 1928, p. 263.

[9](N.T.) Lyndon Johnson foi o 36º Presidente dos Estados Unidos (1963 a 1969).

[10](N.T.) Richard Nixon foi o 37º Presidente dos Estados Unidos (1969 a 1974).

[11](N.T.) Franklin D. Roosevelt foi o 32º Presidente dos Estados Unidos (1933 a 1945).

[12] (N.T.) L. Frank Baum, The Marvelous Land of Oz, Reilly & Britton, 1904.

[13] (N.T.) Os Silverites são os membros do partido populista que defendiam o uso da prata como padrão monetário, juntamente com o ouro. Silverites deriva de silver (prata). Gold Bug era o nome dado aos democratas que defendiam o padrão‑ouro como o padrão monetário nos Estados Unidos.

[14] (N.T.) Este poema, poderia ser assim traduzido:

“Os nossos comerciantes não tremerão

Os silverites farão a sua dissimulação

Quando para a presidência McKinley for”.

[15] (N.T.) A Era Dourada refere-se ao período que vai do pós-Guerra Civil até ao início do século XX, marcado por um período de forte desenvolvimento industrial e crescimento económico.

[16] (N.T.) Gale é o nome dado a ventos com velocidades entre 51 e 102 quilómetros por hora.

[17] (N.T.) Stephen Grover Cleveland foi o 22º (1885–1889) e o 24º(1893–1897) Presidente dos Estados Unidos.

[18] Bryan rima com “lyon” (leão), homónimo próximo de “lying” (mentir).

[19] (N.T.) O autor utiliza a expressão “hot-air oratory”, que numa tradução direta seria “oratória de ar quente”. Dado que esta expressão não existe em português optou-se por “oratória calorosa mas de conteúdo oco”.

[20] (N.T.) Balão de ar quente em inglês é hot-air balloon.

[21] (N.T.) O nome também dado ao dólar por ele ser verde (green).

[22] (N.T.) Este capítulo é a introdução ao livro Ellen Hodgson Brown, Web of Debt: The Shocking Truth About Our Money System and How We Can Break Free, Baton Rouge, LA, Third Millennium Press, 5ª ed., 2012.Ver http://www.webofdebt.com/

[23] (N.T.) Andrew Jackson foi o 7º Presidente dos Estados Unidos (1829 a 1837).

[24] (N.T.) Bill Clinton foi o 42º Presidente dos Estados Unidos (1993 a 2001).

[25] (N.T.) Abraham Lincoln foi o 16º Presidente dos Estados Unidos (1861 a 1865), Thomas Jefferson foi o 3º Presidente dos Estados Unidos (1801 a 1809) e Benjamin Franklin foi um dos pais fundadores dos Estados Unidos.

[26](N.T.) Andrew Jackson foi o 7º Presidente dos Estados Unidos (1829-1837).

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