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FÁTIMA E OUTROS MILAGRES – por Carlos Loures

 

Sou ateu, mas não anticlerical – a Igreja Católica e os seus meandros tortuosos, não entram à cabeça das minhas preocupações – não perco tempo a tentar provar que Deus não existe – quem diz que existe, que o mostre. Mas que não seja o Luís de Matos a fazer a prova…

 

Este artigo vem a propósito das “aparições” de Fátima, do artigo de Moisés Cayetano Rosado, da entrevista de Mário de Oliveira e, particularmente, do comentário de Pedro Godinho sobre a «guerra» com o santuário de Lourdes, que viu o seu comércio prejudicado por aparições tão credíveis como as suas. O carácter que o negócio de Fátima assumiu, cumprida a sua fugaz missão política, ajudando Sidónio Pais a subir ao Poder, mas não fazendo o milagre de evitar a sua morte, não é, portanto, coisa exclusiva – além de Lourdes e dos desenvolvidos comércios de Assis e de Pádua, a própria Praça de São Pedro no Vaticano, abriga numerosas lojas onde se vende desde excelentes reproduções de Miguel Ângelo a mãozinhas e pezinhos de ceral. Porém, Fátima parece-me invadida por um comércio tosco a fazer lembrar as lojas dos chineses. Em tempos, havia um restaurante onde se servia um “coelho à bruxa” que, esse sim, justificava peregrinações…

 

Aproxima-se o centenário das aparições – que terão de competir a nível internacional com a comemoração da Revolução de Outubro – oxalá não saiam do erário público as verbas para esses festejos e que não venham com os habituais argumentos de que desenvolve o turismo e de que projecta a imagem de Portugal no exterior… Estamos fartos de dar para esses peditórios. Somos um Estado laico – a Igreja que pague as suas festas! Mas voltemos ao tema.

No Natal de há dois anos, Bento XVI, durante a oração do Angelus na Praça de São Pedro, condenou a excessiva mercadização da quadra e apelou a um sentido mais religioso das festividades, dizendo que o Natal «é a resposta de Deus ao drama da humanidade em busca da verdadeira paz». A mensagem começara com uma expressão de pesar porque em «Belém, que é uma cidade símbolo da paz na Terra Santa e em todo o mundo, não reina a paz». Bento XVI explicou em seguida que o Natal «é profecia de paz para cada homem, compromete os cristãos na tomada de consciência de dramas, com frequência desconhecidos e escondidos, e dos conflitos do contexto em que se vive». Pela mesma altura, Ratzinger aprovara as «virtudes heróicas» de Pio XII, apenas faltando para ser beatificado  que se reconhecesse um milagre feito por sua intercessão para que Eugenio Pacelli. Desatento às coisas da Igreja, ignoro se o milagre já se produziu. Porém, é óbvio que os milagres cada vez estão mais difíceis – houvesse a TVI em 1917 e, passados momentos, lá estaria uma diligente equipa de  reportagem entrevistando tudo e todos, dos pastores às ovelhas – adeus milagre!

 

 

Voltando a Pacelli – os judeus protestaram e, desta vez, com razão. Durante a 2ª Guerra Mundial, Eugenio Pacelli foi tão isento que lhe chamavam «il Tedesco». Sabia-se que o cardeal Pacelli era germanófilo. Parte da sua formação académica decorrera em Munique e em 1929 vivia em Berlim. Foi neste ano que Pio XI o chamou ao Vaticano e o nomeou secretário de Estado. Negociou com Mussolini o Tratado de Latrão (a Igreja Católica recebeu 750 milhões de liras e reconheceu o regime fascista). Foi Pacelli quem, em 1933, quebrou o isolamento diplomático a que a comunidade internacional votara o novo governo alemão, aprovando a Concordata entre o Vaticano e o governo de Hitler.

 

Em 1939, Pacelli, sucedeu a Pio XI como nome de Pio XII. A sua relação com Mussolini e Hitler sempre foi cordial. Não podia deixar de saber da «solução final», que previa a eliminação dos 11 milhões de judeus da Europa. No Natal de 1942, referiu discretamente as «centenas ou milhares» de pessoas que, sem outra culpa que não a sua nacionalidade ou etnia, estavam «assinalados pela morte e por uma progressiva extinção». Sabia também que muitos dos que iam para as câmaras de gás não era pela sua etnia, mas sim pela sua opção política ou pela sua orientação sexual. Entre os esquerdistas e os homossexuais executados, havia numerosos católicos.

 

Quando do morticínio no Gueto de Roma, em Outubro de 1943, Pio XII permaneceu em silêncio. A Santa Sé mandou uns telegramas e fez uns telefonemas para o embaixador alemão, aceitando as justificações ladradas pelo diplomata. Quando a guerra terminou, Pio XII proporcionou passes, salvos condutos e passaportes a criminosos de guerra, fascistas e nazis, bem como a colaboracionistas italianos que estavam abrigados no Vaticano e assim puderam recomeçar as suas vidas no Paraguai, na Argentina ou em Espanha. E para cúmulo da severidade, deu-lhes pequenas quantias em dinheiro. Como é possível beatificar um homem destes?  

 

Acabo como comecei – não sou anticlerical – limito-me a ser ateu. Quero lá saber quem é que o Vaticano beatifica ou canoniza! Os católicos, sim, deveriam preocupar-se.

 

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