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A ESTUPIDEZ É UM CÃO FIEL – 39 – por Sérgio Madeira

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Capítulo trinte e nove

A Estrela do Norte estava  com poucas mesas  ocupadas. Só em Junho a afluência de clientes seria grande. Tantas mesas livres, fizeram-nos hesitar na escolha do lugar.  Sentaram-se junto de uma janela contígua ao alpendre sob o qual no tempo mais quente era agradável comer.  A cozinha típica da ilha e da região tinham-na já António e Cecília experimentado  amplamente – pão de caco, espetadas, picado…Pediram um bacalhau à lagareiro com batatas a murro. Feito o pedido, quando a empregada se afastou, houve um silêncio incómodo. Alfredo sabia que esperavam que ele fizesse  o prometido esclarecimento. Pareceu querer ganhar tempo, perguntando se não queriam um aperitivo. Disseram que não e quando o médico ia a falar, tocou o seu telemóvel, os acordes do “ser benfiquista” – Alfredo, desculpando-se,  fez uma expressão cómica, Cecília e António riram. O médico respondeu por monossílabos, despachando o telefonema em menos de um minuto. Iniciou então a tão aguardada explicação:

– Tudo começou em Moçambique, vai fazer quarenta anos. – fez uma pausa – Ouviram falar nos massacres de populações civis na província de Tete? – Cecília e António assentiram – E na Operação Sheltox?

– Li, na altura 1972 ou 73,  um artigo no Le Monde  e ainda há meses o El Pais recordava que na aldeia… como é o nome?

– Xuvalu – esclareceu Alfredo.

– Isso, na aldeia de Xuvalu, havia um padre espanhol, um frade da Ordem de São Domingos. E transcreviam uma carta, um relatório, que o padre distribuiu pelos órgãos de comunicação social descrevendo os horrores cometidos…

– É a esse caso que me refiro…

– O El País tentou entrevistar o padre, mas os dominicanos informaram que o irmão Manuel abandonara Ordem e nada sabiam sobre  o seu paradeiro…. – A empregada, com as entradas e uma garrafa do vinho tinto alentejano pedido por Alfredo, interrompeu a conversa. Quando voltaram a ficar sós, Alfredo confirmou, repetindo:

– Exactamente, é esse o caso.

– O que terá acontecido ao padre ? – inquiriu Cecília – Se calhar mataram-no.

Um carro, um pequeno Smart, estacionou junto à entrada. Alfredo, olhando pelo vidro, respondeu:

– Bem o quiseram silenciar.  Mas está vivo. Ei-lo!

Cecília e António viraram as cabeças na direcção da porta.

O pianista entrou e dirigiu-se sorridente para eles.

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