A CRISE AUSTERITÁRIA E A QUADRATURA DO CÍRCULO – REFLEXÕES SOBRE A CRISE DA ECONOMIA, DO PENSAMENTO ECONÓMICO E DA DEMOCRACIA – TEXTOS DE REFERÊNCIA PARA ENTENDER A REALIDADE PRESENTE – A) SATYAJIT DAS – A CORRIDA AO COLAPSO: PARTE 4. QUANTITATIVE EASING PARA SEMPRE
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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A Corrida ao Colapso. Parte 4: Quantitative Easing para sempre
Enfrentando os problemas da ineficácia e os efeitos colaterais tóxicos, as políticas atuais não podem ser revertidas facilmente, se é que o podem ser .
A retirada dos estímulos orçamentais conduziria a um acentuado abrandamento da actividade económica. A redução dos serviços públicos e ou o aumento de impostos acelera a contração no rendimento disponível, especialmente quando se está num ambiente de estagnação dos rendimentos e de grande incerteza de emprego. Por sua vez, isto leva a uma contração acentuada no consumo. O crescimento mais lento, agravado por multiplicadores fiscais elevados, torna difícil de corrigir os défices orçamentais e controlar os níveis de dívida pública.
Isso restringe a capacidade de reverter uma política orçamental expansionista, corroborando a observação sarcástica de Milton Friedman: “Nada é tão permanente como um programa de governo temporário”.
Como a dívida pública a crescer, as dificuldades de financiamento desencadeiam uma crise financeira ou força-as a dependerem do Banco Central para financiamento pela monetarização da sua respectiva dívida.
Políticas ZIRP e QE também são difíceis de mudar. A normalização das taxas de juro, a redução das compras de títulos da dívida pública e a redução da aquisição de títulos pelo banco central aumentam o risco de uma ruptura financeira.
Os bancos centrais podem ter dificuldade em aumentar as taxas de juros. A redução de compras de títulos pelo Banco central também corre o risco de taxas mais elevadas e reduzir o financiamento disponível. As baixas taxas permitem um leque mais alargado de empresas e nações a manterem ou a aumentarem o pedido de empréstimos, ao invés de reduzir os níveis de dívida. Os níveis da dívida incentivados por baixas taxas tornam‑se rapidamente insustentáveis com taxas mais elevadas.
Os bancos centrais também não podem vender títulos da dívida pública e outros valores mobiliários da sua carteira de activos. O volume da sua carteira significa que a sua venda conduziria a taxas mais elevadas, resultando em grandes perdas para o banco central, bem como para os bancos e investidores. A redução de liquidez exacerbaria esta situação apertando fortemente a oferta de crédito e assim desestabilizando um sistema financeiro frágil.
Se for sustentado, o acréscimo de 1% nas taxas aumentaria a manutenção dos custos do governo dos EUA no serviço da dívida em aproximadamente US$ 170 mil milhões de dólares. Um aumento de 1% nas taxas de juros do G7 aumenta a despesa dos países do G7 em aproximadamente US$ 1,4 milhão de milhões .
As altas taxas de juros também afetariam as empresas e os consumidores endividados. Nos EUA, um aumento de 1% nas taxas de juros, de acordo com um estudo do Instituto McKinsey, aumentaria os pagamentos domésticos da dívida de US$ 822 mil milhões para US$ 876 mil milhões, um aumento de 7%. No Reino Unido, um aumento de 1% aumentaria os pagamentos internos de 96 mil milhões para 113 mil milhões, um aumento de 19%.
De acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais, um aumento de 3% nas taxas de títulos da dívida pública poderia resultar numa mudança no valor destes mesmo títulos do seu valor que vai desde uma perda de cerca de 8% do PIB para os EUA a cerca de 35% para o Japão.
Os preços dos ativos, impulsionados por taxas baixas, cairiam acentuadamente em resposta a redução potencial do apoio monetário. Com efeito, as políticas praticadas têm agravado os problemas existentes, tornando-os cada vez mais intratáveis.
Com efeito, as políticas têm agravado os problemas existentes, tornando os problemas cada vez mais intratáveis.
Os bancos centrais convenceram-se que as políticas de taxas vizinhas de zero (as políticas ZIRP) e a política dita da flexibilização quantitativa, a QE , são temporárias. Eles acreditam que vão ser capazes de sair de uma política de taxas baixas quando for apropriado. É uma reminiscência de definição do Lorenzana Ashly sobre a adição no seu diário Sex, Drugs & Being an Escort: “Quando pode dar alguma coisa em qualquer momento do tempo, tal como na próxima terça-feira”.
A questão central é saber para que período e em que extensão temporal as atuais políticas podem ser continuadas.
A contribuição das poupanças do setor privado interno limita o montante da dívida pública, ignorando-se aqui os empréstimos estrangeiros e a monetarização da dívida pelo banco central. Se uma nação acumulou grandes investimentos estrangeiros, então o seu rendimento e o capital destes podem financiar o governo durante algum tempo.
Em última análise, a dependência desloca-se para a capacidade dos bancos centrais em monetarizarem a dívida e financiarem o governo. Mas pode haver limites ao alcance da monetarização da dívida.
A expansão do balanço exigida pelos programas QE expõem os bancos centrais ao risco de perdas sobre o valor da sua carteira de títulos por incumprimento dos seus devedores ou (mais realista) sobre os seus elevados resultados, (higher yields), ironicamente se a economia se recupera e as taxas estão a subir. Em teoria, não há nenhum limite para a dimensão das perdas em que pode incorrer um banco central. Mas pode haver restrições de ordem prática.
Uma restrição pode ser a perda potencial dos investimentos para um determinado aumento de taxas consistentes com a posição do banco central em querer manter a sua capacidade operacional e credibilidade.
A Reserva Federal dos EUA tem US$ 54 mil milhões em capital suportando aproximadamente US$ 4 milhões de milhões. O BCE tem Euro 10 mil milhões em capital de apoio a activos em euros de 3 milhões de milhões. O BoJ tem em ienes cerca de 2,7 milhões de milhões em capitais de apoio a ativos em ienes no valor de 160 milhões de milhões. O banco da Inglaterra tem 3,3 mil milhões de libras esterlinas em capital de apoio a ativos em libras esterlinas de 397 mil milhões.
Com efeito, uma pequena alteração nos valores destes ativos prejudicaria significativamente a base de capital destas instituições.
As receitas de senhoriagem constituem um outro limite possível para a dívida. A Senhoriagem é pois a diferença entre o valor do dinheiro e o custo de o produzir; a diferença entre juros recebidos provenientes de títulos adquiridos em troca de dinheiro (notas e reservas) criado pelos bancos centrais e o custo de produção e distribuição de dinheiro. Um banco central é considerado solvente, enquanto o valor esperado atualizado dos rendimentos de senhoriagem for maior do que os seus outros compromissos a longo prazo.
Uma restrição adicional é o risco de níveis de inflação excessivos. Num gráfico que relacione estabilidade financeira e a estabilidade dos preços, a monetarização da dívida pode ser restringida por pressões sobre os preços superiores aos níveis que sejam politica, económica e socialmente aceitáveis.
A restrição final continua a ser a preservação do status da moeda como um meio de troca ou aceite como reserva de valor. Os bancos centrais não arriscariam que a sua moeda se torne inaceitável para as transacções comerciais normais, como no Zimbabwe e noutros casos semelhantes.
Enquanto os bancos centrais não atingirem os limites de sua capacidade de ação e a inflação permanecer baixa, eles conservam o seu campo de ação. Mas a política existente não aborda os problemas reais e pode não ser capaz de restaurar a saúde económica. Mas viciado em morfina monetária, os bancos centrais e os participantes no mercado acreditam que não há alternativa.
Satyajit Das, EconoMonitor, QE Forever? Texto disponível em: