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BISCATES – Germanófilos – por Carlos de Matos Gomes

  1. biscates

    Deutschland, Deutschland über alles, Über alles in der Welt… – Alemanha, Alemanha acima de todas as coisas, acima de tudo no mundo…

    O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, disse na quarta-feira, 18 de fevereiro, em Berlim, que “Portugal é a melhor prova de que os programas de ajustamento funcionam…”A ministra Maria Luís Albuquerque, sua convidada de honra, sorriu e agradeceu com um aceno de cabeça  em nome dos mais de 400 mil desempregados, dos 300 mil emigrantes, do quarto da população na pobreza, dos despojados de todas as grandes empresas que foram privatizadas para diminuir um défice que subiu de 90% para 130% do PIB durante os anos de sucesso do programa.

    A sociedade portuguesa sempre teve uma componente germanófila ao longo da sua história. A sociedade portuguesa, que por razões várias não criou uma burguesia liberal económica e culturalmente, que ficou cristalizada pelo medieval temor a Deus e ao respeito aos seus representantes terrenos, o clero e os nobres, manteve sempre uma fracção herdeira dos valores absolutos da ordem, da disciplina e das verdades reveladas das tribos teutónicas. Uma parte significativa da sociedade portuguesa, ainda orgânica e culturalmente muito próxima da ruralidade, do seja como Deus Nosso Senhor quiser, da vontade divina, da certeza do prémio e do castigo e de que o castigo é sempre devido, porque somos pecadores e a recompensa é sempre uma dádiva, hipervaloriza a ordem e a segurança. É avessa à dúvida e ao risco. Necessita de um chefe, de um catecismo, de um confessor, de alguém que lhe abençoe os pensamentos e ritualize os seus atos. Essa parte da sociedade de raiz senhorial, com senhores e servos, é a base dos germanófilos, a mesma dos salazaristas, dos integralistas, dos absolutistas, dos ultramontanos.

    Esta componente da sociedade portuguesa sobre a qual a Igreja Católica exerceu um forte domínio na ordem dos costumes e do pensamento, esteve sempre em conflito e em tensão com a fracção tradicionalmente ligada à frágil burguesia nacional que os ingleses criaram, com a fracção urbana que foi crescendo, com uma certa intelectualidade afrancesada, um certo desenvolvimentismo induzido por industriais ingleses e capitais judaicos.

    Em tempos de crise emergem sempre uns exemplares de germanófilos a promoverem a insuperável organização alemã e a acolherem-se debaixo das asas da águia imperial, disponíveis para servirem alguém que lhes dê ordens aos berros. A figura de Maria Luís Albuquerque aninhada ao lado do ministro alemão é a prova de que é esse grupo fechado, obediente, disciplinado, egoísta, temeroso, de vistas curtas que está no poder em Portugal. Os alemães apreciaram a imagem de criança bem comportada que a ministra lhes deu.

    A Alemanha é, apesar do brilho de alguns dos seus filósofos, uma sociedade de horizontes baixos, reacionária. Uma sociedade de proprietários. De patrões. De funcionários. Racista. Mais belicista do que guerreira. Com soldados e generais, mas não com guerreiros, uma sociedade de formações compactas nos corpos e no pensamento. Uma sociedade sem epopeias nem aventuras. Uma sociedade perigosa, porque esconde a imprevisibilidade das acções instintivas debaixo de uma falsa capa de grande seriedade, prudência e respeitabilidade.

    Os grandes e disciplinados alemães embebedam-se com a sua força e os instintos transformam-nos em manada, se forem animados, ou em panzerregiment, se forem máquinas em tempo de guerra. Se os alemães tivessem uma forma geométrica, seriam um cilindro. As duas grandes guerras do século passado são o resultado da embriaguez da grande besta que os alemães têm dentro de si.

    Há portugueses que ciclicamente gostam da protecção desta enorme caldeira cujas válvulas avariam com regularidade por sobrepressão. Há hoje portugueses que passaram do fascínio das SS e da Wehrmacht para o fascínio do ministério das finanças alemão.

    Sempre tivemos germanófilos no poder quando a Alemanha provocou crises na Europa. Sidónio Pais na primeira grande guerra, Caeiro da Mata, Mário de Figueiredo e Santos Costa na segunda. Salazar, que embora tenha visto os seus discursos editados na Alemanha por Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, não era tão sorridente para com eles quanto a contentinha Maria Luís Albuquerque e explicou ao embaixador alemão em Lisboa as razões para as suas cautelas: «Caro ministro, a diferença entre os franceses e os alemães é que os franceses amam a vida e vós, os alemães, amais a morte.» Ao contrário da ministra de Passos Coelho e sua antiga professora, Salazar preferia os franceses. Marcelo Caetano os ingleses. O actual governo é mais para o lado do provérbio alemão de que não há lar sem lágrimas. Temos de sofrer. A paga de tanto amor poderia ser a resposta de Schäuble: «Faremos daquela colónia de mestiços e ignorantes uma nova Alemanha», a mesma que Hitler utilizou.

    De facto, sabemos onde as crises provocadas pela Alemanha levam a Europa. Também sabemos que tipo de gente foram os germanófilos em Portugal e a falta de carácter com que, sempre que vencidos pelas certezas, viraram as casacas. Os alemães também não primam pela gentileza e a gratidão.

    Ter uma ministra das finanças germanófila não é uma novidade. É um prenúncio de desgraça. Ter um ministro alemão que causa desgraças não é uma novidade, é uma recorrência. Que o ministro alemão se ria da desgraça dos que a Alemanha trata como os sub-homens é mais uma prática habitual. Schäuble não ficará na História da Alemanha nem da Europa por isso. Que uma ministra portuguesa se preste a servir-lhe de acompanhante é uma vergonha.

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