SE EU NÃO EXISTISSE
Não me importa morrer,
Fisicamente,
Morrer,
Não faz mal,
É assim, é natural,
O que me chateia, claramente,
É deixar de viver,
Facto que é para mim, vital,
E, como é evidente,
Um assunto letal.
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Se eu não existisse
Que falta faria?
Onde estaria?
Para onde iria?
Na verdade não sei, já o disse.
Não me interessa ser famoso
Conhecido, prestigioso,
Isso é coisa efémera, passageira,
Que em toda a existência
Não é mais que brincadeira.
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Quero ser sempiterno!
Não quero ir,
Desistir de viver, falir,
Quero ficar,
Montar no cavalo da lembrança, e cavalgar,
Não quero morrer
Para os que me amam,
Emudecer,
Nem quero ser esquecido,
Iria sentir-me mal, perdido…
Quero ser importante,
Quero fazer falta,
Como se existisse para sempre,
Ser recordado em cada instante,
Sem pena, nem repente,
Como se me mantivesse na ribalta.
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Olhem para mim, e vejam!
Os adjectivos sobejam.
Não sou morno,
Nem amorfo,
Não sou nem quente nem frio,
Nem quem não cheira e quem não pede,
Serei como a corrente de um rio
Que trás o bom e o mau, mas que o não mede.
Não sou gente que não presta
Não sou inútil
Nem economizo afectos.
Dou tudo o que me resta
Sem ser fútil
Ou de falsa modéstia.
Quero estar presente em quem me quer bem.
Em quem me aprecia o nada
Que tenho e que sou
E de onde tudo vem.
Que do meu nada sai tudo.
Do meu vazio, crio a estrutura
Que provoca as ideias que depois eu estudo
Umas vezes mal, outras por vezes também,
E que criam em mim uma cultura
Que dá frutos com pele de veludo
E faziam sorrir a minha mãe.
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Se eu não existisse, que falta faria?
Nenhuma, por certo,
Assim eu o ouviria.
E da minha existência e do meu caminho errante e incerto,
Do meu meridiano, e do meu amado caderno
Ninguém saberia.
Nem a quem eu, para sempre, amaria
Nem tão pouco a quem jurei ser eterno!
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