EDITORIAL – Resistir ao medo

Imagem2Não, o país não vive uma crise;
não, a economia não está em recessão;
não, o desemprego não é alarmante;
não, a justiça não é um  problema;
não, a política não está corrupta.
O que importa mesmo é lembrar que o respeitinho é muito bonito. 

Em maio, tivemos a notícia de que a Presidência da República solicitou à Procuradoria-Geral da República que analisasse as declarações do jornalista e escritor Miguel de Sousa Tavares em entrevista de promoção do seu último livro, em que, respondendo a uma pergunta do Jornal de Negócios sobre o fenómeno italiano do político-comediante Beppe Grillo, disse que em Portugal “já temos um palhaço. Chama-se Cavaco Silva. Muito pior do que isso é difícil”.

Agora, foi noticiada a condenação, em processo sumário, a multa de 1300 euros pelo crime de difamação, dum jovem que nas comemorações do 10 de junho, em Elvas, à passagem de Cavaco Silva lhe teria dito “vai trabalhar mas é. Sinto-me roubado todos os dias” (como admitiu em tribunal) e, de acordo com o testemunho policial, chamado de “chulo” e “malandro”.

Lê-se e pasma-se.

Afinal ainda há matérias, de suma importância como é evidente, em que o nosso sistema judicial, contrariando os vários estudos e a experiência de todos os dias, é expedito e decidido

Afinal as grandes questões que preocupam Cavaco Silva e a Presidência da República (as acções judiciais só avançam porque esta assim o quer) não são a economia, a dívida, o desemprego, a desigualdade ou a injustiça, mas desabafos ou dichotes, que nem verdadeiros insultos são e não ofendem uma honra que é preciso merecer.

Incapazes de se afirmarem pela positiva e convencerem da boa vontade das suas opções e políticas, Governo e Presidente tendem a tratar qualquer crítica, qualquer oposição, como ilegítima e “criminosa”. A má consciência parece ser tal que vêem um potencial inimigo em cada português e antecipam violência em cada gesto ou protesto.

Talvez por isso, como também foi noticiado, tenham sentido a necessidade de pedir à polícia espanhola (!) que colaborasse na segurança das cerimónias do dia de Portugal (!), com Olivença à vista, sem pudor nem pingo de soberania ou sentimento de orgulho nacional.

 

Um Governo, uma maioria, um Presidente. Não ao serviço de Portugal. Hipotecados e a mando de potências externas.

 

 

 

Uma democracia séria e a sério dispensaria leis como esta, mais própria de estados autoritários.

 

O crime de ofensa ao Presidente da República está previsto pelo artigo 328.º do Código Penal:

1.”Quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

2.“Se a injúria ou difamação forem feitas por meio de palavras proferidas publicamente, de publicação de escrito ou de desenho, ou por qualquer meio técnico de comunicação com o público, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias”.

 

4 Comments

  1. A frontalidade nas afirmações só fica bem a quem as proferir.Bravo.
    A famosa celeridade da Justiça só existe para tratar das mexericadas.CLV

  2. A julgar:
    pela detenção, numa manifestação semelhante de desagrado, de um dirigente de uma associação de reformados, cuja acusação (creio que ainda não houve julgamento) inclui a posse de uma “arma branca” (talvez o canivete para a broa), igualmente interpelado e detido por polícias à paisana;
    pelas declarações do jovem desta notícia, que referem um “aconselhamento à calma” por parte de um polícia à paisana, que depois lhe pediu a identificação e o deteve e cuja palavra, pelos vistos, é suficiente para a condenação do jovem em julgamento sumário (e sê-lo-á noutro a que, eventualmente, seja submetido?!);
    creio que estamos muito próximo de acções de bufaria à antiga e de procedimentos arbitrários e intimidatórios, que se assemelham preocupantemente aos de uma famigerada polícia política que por cá houve – não sei se PR, Governo, procuradores e instituições policiais se recordam -… antes do 25 de Abril.
    Em causa está, sem dúvida, um ataque à liberdade de expressão, pela pressão policial (claramente “aleatória”, como nota este jovem) e pela intimidação judiciária, como a que, vinda de outra área, um professor universitário francês referia há pouco tempo, num artigo publicado neste blogue: tal como os ricaços, que não se preocupam com o dinheiro que gastam, também agentes políticos que ocupam instituições do Estado que deveriam dignificar, mas a quem a liberdade de expressão assusta (porque não terão a consciência tranquila?), usam o dinheiro dos nossos impostos para recorrerem a novos agentes secretos, que espiam o seu próprio povo, e para levantarem processos que, mesmo perdidos, não se traduzem em gastos saídos do próprio bolso, enquanto um vulgar cidadão nem dinheiro terá para recorrer a um advogado (e não me falem na lotaria dos “patrocínios gratuitos”…) e ficará preocupado – como o jovem deste triste episódio – com eventuais multas e gastos judiciais. Não é descabido concluir, destes factos, que se pretende evitar que os cidadãos se manifestem, manietados pela acção policial persecutória e clandestina, bem como pela incapacidade de enfrentarem tais gastos, agravada por uma política governamental de desenfreada roubalheira de salários e pensões, que lhes saem das curtas bolsas para irem desaguar nos vastos cofres dos oligarcas internacionais, para quem tão diligentemente trabalha quem finge governar.
    Trata-se, sem sofismas, de mais um ataque – e gravíssimo – à Democracia.
    Creio que está na altura de a própria Ordem dos Advogados analisar o assunto; de o Tribunal Constitucional se debruçar sobre estes “incidentes”, que se multiplicam; de os deputados da AR – não apenas os da oposição, mas também os que preservam alguma dignidade que lhes permita ultrapassarem a mera submissão partidária – interpelarem o Governo sobre estas atitudes policiais (curiosamente tão favoráveis, objectivamente, à acção governamental, quando uma estrita neutralidade deve orientar as intervenções destas forças militarizadas); talvez, mesmo, de grupos de juristas que prezam a Democracia se interessarem por estes casos e agirem claramente na defesa das vítimas destes comportamentos, que fazem lembrar demasiado os dos tempos fascistas.. Atenção!, não estou a ofender ninguém, estou a expor a minha opinião, fundamentada na minha análise de factos irrefutáveis, e das duas uma: ou a Constituição ainda vale alguma coisa e nela se apoia o meu direito de expressar o que penso sobre o que afecta a pátria de que sou cidadão, ou alguns senhores que pairam por diversos poderes se consideram acima dela, protegidos por leis que a contrariam e… diria que estão a afastar-se perigosamente da legalidade do Estado de Direito – a que todos, por igual, devem submeter-se, a começar pelo acatamento da Lei Fundamental. Se é este o caso, então talvez já esteja na altura de tirarmos dos baús os métodos de resistência que, depois do 25 de Abril, pareciam por lá poder repousar definitivamente.

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