EDITORIAL – Comunismo e surrealismo

Viento /Cantan las hojas,/ bailan las peras en el peral; /Gira la rosa, /rosa del viento, no del rosal. /Nubes y nubes /flotan dormidas, algas del aire;/ todo el espacio /gira con ellas, fuerza de nadie./ Todo es espacio;/ vibra la vara de la amapola/ y una desnuda /vuela en el viento lomo de ola./ Nada soy yo,/ cuerpo que flota, luz, oleaje;/ todo es del viento/ y el viento es aire/ siempre de viaje…

Libertad bajo palabra, Octavio Paz

logo editorialTeoricamente, comunismo e surrealismo eram movimentos que se complementavam – o comunismo procurando transformar o mundo, como preconizara Karl Marx e o surrealismo defendendo a transformação da vida como Jean-Arthur Rimbaud desejava. Na prática as coisas não correram bem. A rigidez estalinista com que o PCF defendia a transformação do mundo e o lirismo com que Breton afirmava direito do individuo a transformar a vida, levaram, em 1933, à expulsão de Breton do PCF, ao qual aderira em 1927 .

A ruptura formal entre os dois movimentos não impediu que ambos continuassem ligados como subsidiários da Liberdade e é justamente com o poema Liberté que Paul Èluard, o grande poeta comunista, restabeleceu a ponte que André Breton cortara (Estaline e a sua concepção autoritária da prática política em que a liberdade dos indivíduos era sacrificada em prol da liberdade colectiva relativamente ao poder do capitalismo, impedia qualquer ponte entre os dois movimentos – a tirania levada ao extremo do desprezo pela liberdade individual). Mas, sendo a face do comuNismo real, Estaline não era o comunismo preconizado por Marx – esse continuava a ser uma fonte de respeito pelos direitos dos cidadãos e pelo direito ao sonho de um futuro límpido e de liberdade. Houve quem, seguindo Breton, rasgasse o cartão do Partido; houve quem passasse a considerar o surrealismo como movimento reacionário.

Aqui, em Portugal, o eco da contenda provocou divisões – caricaturando, os neo-realistas consideravam os surrealistas uns mariconços e os surrealistas referiam os comunistas  como «essas bestas».Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Mário-Henrique Leiria, Egito Gonçalves, Daniel Filipe, António José Forte, Herberto Hélder, não alimentaram a contenda, tal como Éluard, Neruda e Octavio Paz.

Octavio Paz nasceu em 31 de Março de 1914, faz hoje 114 anos na Cidade do México (onde faleceu em 19 de Abril de 1998). Prémio Nobel da Literatura em 1990, foi dos grandes escritores que dariam lugar a uma literatura onde a função poética da linguagem é estar ao serviço do indivíduo e da sua liberdade.

Aliás, ao realismo maravilhoso, de García Márquez e de Vargas Llosa, com obras das mais esplendorosas que o século XX viu nascer, é indiferente a ortodoxia marxista do colombiano ou o deslizamento do peruano para posições reacionárias.

A grande literatura pode chegar-nos da esquerda ou da direita. Em todo o caso, para quem faz a anáilise de uma perspectiva esquerdista, os escritores estalinistas ou de direita que produxiram ou produzem grandes obras, fizeram-no em momentos em que o amor ao futuro se sobrepôs ao reacionarismo por que optaram no presente. Jorge Luis Borges era de direita? Talvez o não ter denunciado a miserável Junta de Videla, permita que o classifiquem como cúmplice. Conta-se que um dia, tacteando o chão com a sua bengala de cego numa rua de Buenos Aires, um transeunte lhe perguntou – O senhor é o poeta Jorge Luis Borges?, ele respondeu: «-Sim, há dias em que sou».

Hoje, homenageamos Octavio Paz que, quando escrevia, não se preocupava em ser comunista ou surrealista ortodoxo – apenas em escrever poesia.

1 Comment

  1. Hermandad

    soy hombre:duro poco
    y es enorme la noche.
    Pero miro hacia arriba:
    las estrellas escriben.
    Sin entender comprendo:
    tasmbién soy escritura
    y en este mismo instante
    alguien me deletrea.

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