CHAMARAM-LHE PORTUGAL – 18 – por José Brandão

Um casamento régio bem sucedido.

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Foi no ano da graça de 1386 que na nobre e vetusta terra do Minho se encontraram pela primeira vez frente a frente o Mestre de Avis e o duque de Lencastre. Era o Mestre já ao tempo, como é sabido, rei de Portugal. Mercê de uma conspiração de circunstâncias particularmente feliz e que relatámos aqui, havia sido aclamado rei no ano anterior pelas Cortes de Coimbra e havia alcançado já, também, sobre D. João de Castela, a vitória decisiva de Aljubarrota.

Faltava-lhe ainda, no entanto, o prestígio suficiente para se consolidar no reino, a força política e militar necessárias para se impor como monarca novo, cabeça de uma dinastia nova, em muitos aspectos diversa da anterior. E daí a aliança de reforço e amizade que esperava alcançar do dito encontro.

Pelo que toca ao duque de Lencastre, era também ele um príncipe: filho legítimo (embora não primogénito) de Eduardo III, rei de Inglaterra, tinha vindo o duque à Península com grosso exército para se fazer coroar a si próprio rei: reclamava, com efeito, a coroa de Castela e Leão, em virtude de se ter casado em segundas núpcias com D. Constança, herdeira esbulhada que fora destes reinos. Mas não podia fazer tal empresa sozinho: precisava do auxílio do rei de Portugal. De onde a recíproca vantagem que também ele vislumbrava naquela coligação.

Deu-se o encontro entre os dois magnates na ponte do Rio de Mouro, perto de Monção, junto à fronteira setentrional com a Galiza. Aí se viram e se conheceram, fizeram cortesias e entraram logo depois a discutir as cláusulas e condições de um pacto de amizade e aliança contra D. João de Castela.

Nos termos do mesmo, D. João I comprometeu-se a reconhecer imediatamente a Lencastre o título de rei e a ampará-lo na guerra de conquista militar do país vizinho. Em troca, o duque comprometeu-se a ajudar a defender Portugal em caso de agressão externa e, uma vez obtida a coroa de Castela (que nunca, aliás, conseguiu) a ceder ao monarca português uma larga faixa de territórios do seu novo reino.

Ali se decidiu também um outro pacto que estipulava o casamento do rei português com uma das duas filhas que o duque trouxera consigo, na sua frota, para a Península. Se os textos não enganam, foi o Lencastre magnânimo neste gesto, foi liberal nele: ofereceu ao futuro genro as duas, para que este escolhesse, livremente, a que quisesse. Não lhe opôs reparos nem objecções. Rezam as crónicas que, após ter reflectido brevemente – e muito embora nunca antes a tivesse visto – D. João I veio a optar pela primeira, que era a mais velha. Havia nascido ela em 1359 e chamava-se Filipa. Três meses mais tarde, era rainha de Portugal.Imagem4

Foi no dia 2 de Fevereiro de 1387 que se celebrou o casamento solene de D. João I e D. Filipa de Lencastre, Teve lugar o evento na Sé do Porto em meio a grandes folguedos e festanças, que durante duas semanas agitaram o burgo da capital do Norte. No dia do enlace, pela manhã, apresentava-se D. João I, acompanhado do Condestável D. Nuno, à porta do Paço do bispo, onde ficara pousando a noiva, para a trazer, logo se organizando ali o cortejo nupcial.

Fernão Lopes descreve na Crónica de D. João I o trajecto do cortejo e a alegria sentida e vivida pelo povo, que comungou dele e a postura dos noivos na manhã da boda régia. Quando, na data acima mencionada, se realizou o consórcio contava D. João I, ao que tudo indica, 29 anos de idade e D. Filipa de Lencastre menos dois, apenas 27.

O noivo tinha presença: era composto e bem ornado de feições. Todavia, importa perguntar agora: e a rainha? Como eram o seu porte e as suas feições? Seria mulher formosa? Teria presença elegante, agradável, apetecível?

É hoje difícil afirmá-lo. Na verdade, ninguém o deve saber ao certo. O único retrato que se conhece de D. Filipa de Lencastre é o que figura na estátua situada do Mosteiro da Batalha, o qual poderá muito bem não ser fidedigno. Peças de escultura tumular não constituem fontes imparciais. Em todo o caso, e a crer nos vagos indícios que ficaram, talvez se possa deduzir que D. Filipa não tenha sido mulher elegante, nem formosa.

Fernão Lopes, que nasceu por volta de 1380 e sem dúvida a conheceu pessoalmente, nada nos diz nas suas crónicas a respeito do assunto. Omite, o que não faria sentido se a rainha fosse bela. O conde de Vila-Franca, escritor e historiador diplomático, considerou-a mesmo feia.

Seja como for, e pense-se o que se pensar, um ponto existe em que todos os cronistas se encontram ou parecem cruzar-se: é o das virtudes espirituais e morais da rainha.

Exercendo sobre o meio em que viveu uma acção civilizadora e moralizadora, possuindo qualidades que em muito superavam o seu aspecto físico, D. Filipa de Lencastre desempenhou papel de relevo na transição do século X1V para o século XV, e o seu casamento com D. João I foi, sem dúvida, um dos mais frutuosos e bem sucedidos matrimónios régios de quantos entre nós se realizaram.

Viveram D. João I e D. Filipa de Lencastre em estado matrimonial durante quase três décadas.

Da ligação régia entre D. João I e D. Filipa de Lencastre nasceram oito filhos e vingaram seis. Foram os seguintes: D. Branca, que faleceu em tenra idade e jaz na Sé de Lisboa; D. Afonso, que faleceu também novo e se encontra sepultado em Braga; D. Duarte, futuro rei de Portugal, filósofo e erudito; D. Pedro, foi regente do reino e veio a morrer em Alfarrobeira; D. Henrique, a quem se deve o impulso decisivo da expansão ultramarina: D. Isabel, princesa notável, que veio a casar com Filipe, o Bom, duque de Borgonha, e jaz no convento da Cartuxa de Dijon; D. João, que foi Condestável do reino e administrador da Ordem de Santiago; D. Fernando, o infante Santo, que morre encarcerado em Marrocos (Fez) em meio aos maiores tormentos.

Para além destes filhos que lhe nasceram do casamento, tivera D. João I quando ainda solteiro e Mestre de Avis, outros rebentos.

A castidade não o cativara. Entre os 10 e os 20 anos, no decorrer das suas montarias, perdeu-se de amores por Inês Pires, filha do Alentejano Barbadão. Amou-a, seduziu-a e, sem querer por fim à relação, trouxe-a para o convento de Santos, na altura refúgio de muitas paixões. Da ligação nasceu um filho, Afonso, que veio a ser conde de Barcelos e o primeiro duque de Bragança.

Este bastardo real nasceu em 1377, quando D. João tinha 20 anos. Ao que tudo indica teve ainda, de Inês Pires, uma filha, D. Beatriz. Ia assim vivendo a sua mocidade folgada e privilegiada da corte.

 

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