Vindicação do lagarto curimpãpã
por Isabel Rei
Foi com o bacororô e o cucuicogue que o lagarto curimpãpã fugiu tremelicando, subindo jirau de paxiúba e carandá, assustando os pacus, só parando no pé de aninga, a muita distância do bater de pés e tambores daqueles barulhentos cucoecamecrãs.
Ali, na segurança, o lagarto sonhou com uma vida anterior, noutro país de suave sumaúma a pendurar dos ramos, e com jambos e maboques no cabaz da quimbanda. Na sua muxima de lagarto pairava um cacimbo de esfarelar os ossos quando se reencarnava naquele xamavu e temia mais o marimbondo do que o mundele.
Ontiagora naquele sonho também sonhava, e ainda achumbrado viajava a outro país e retomava o lambarão com a cara abuinha. Mas estava mesmo sem vagatura, sabendo que o sonho acabaria logo, então olhou o astro e viu o charimbelho que se achegava perigosamente. Aí o lagarto decidiu despedir-se com muitas adécoras antes de tudo virar um fadinho serrano.
Mas não era o final do sonho do sonho, e tornou a viajar, bulideiro, até ao celme varudo e fachendoso da sua primeira morada. No meio de bertorelhas, olhomoles e rapantes, muito antes dos tempos de adormecer na solaina e devecer pelas larpeiradas e resólios que deixavam cair os chuchameles, muito antes de andar de troula e saber dar-lhe ao peteiro, naquela água, verde como leituga fresca, o lagarto sonhava que nascia ali daquele ovo primeiro.
E assim é como em 25 de abril Manoel de Barros e os outros convidados chegam às terras galegas, depois de longo percurso e sem perder -nem sequer no seu nome- um dedo de genuinidade. Pois dessa maneira é como se cresce nas viagens: Em cada porto uma joia, uma riqueza sem igual que se aprende e vira própria, como as vidas sonhadas pelo nosso amigo, o lagarto curimpãpã.
Uma preciosa saga(rana)… da Isabel Rei(nha)… parabéns é pouco para esta virtuosidade exótica: cada parágrafo uma pátria, um continente, um estilo, uma terra…
abraço, poeta!
Tenho de o machigar lentamente. E direi. Entrementes, vou ver que palavras têm as filha da Eva…
Com o curimpãpã na ponta da língua
Obrigada pelas leituras e comentários.
Para entender o texto há que ir ao dicionário várias vezes (é o que tem). O primeiro parágrafo está baseado em vocabulário indígena do Brasil. O segundo, em vocabulário indígena da Angola, o terceiro em vocabulário indígena do Alentejo e o quarto em vocabulário indígena da Galiza, o último mistura um pouco daqui e dali. Essa é a nossa língua, é imensa, e todas essas palavras, sotaques e caracteres fazem parte de nós. Só a consciência disso, e o reconhecimento em pé de igualdade de todas as variantes, de todas as palavras, de todas as características, nos hão de levar a uma autêntica COMUNIDADE LUSÓFONA.
E dizer que a Maruja Malho é uma inspiradíssima pintora galega, na sua mão cores e formas parecem palavras. Não acham?