Tempos de pandemia, de disfuncionamento da justiça, de disfuncionamento dos mercados, de apostas selvagens em Wall Street – 3. ARCHEGOS E AS APOSTAS SELVAGENS DE WALL STREET: 3A – OS PRODUTOS DERIVADOS: “1. Os Swaps de Retorno Total “, por Júlio Marques Mota

 

 

 

3A. Os produtos derivados – 1. Os Swaps de Retorno Total

 Por Júlio Marques Mota

                                        Coimbra, 23 de Abril de 2021

 

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Este texto é uma composição que tem essencialmente por base o texto de  Janet Tavakoli, “Introdução sobre os Swaps de Retorno Total”, publicado por  em Janeiro de 2014 (ver aqui), e autora de Credit Derivatives & Synthetic Structures: A Guide to Instruments and Applications, 2ª edição, John Wiley & Sons, 1998, 2001 e de Structured Finance & Collateralized Debt Obligations, 2ª edição, John Wiley & Sons, 2001, 2008. Recorreu-se igualmente a outras várias fontes com origem nos meios bancários.

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Os derivados de crédito incluem swaps de retorno total. Embora este seja um tipo menos comum de derivados de crédito, é um importante instrumento extrapatrimonial, particularmente para os fundos de cobertura e para bancos que procuram rendimentos adicionais em comissões.

 

Swaps de Retorno Total (SRT): uma forma de financiamento e alavancagem

Os Swaps de Retorno Total, SRT, é simplesmente outra forma de financiamento. Um exemplo de uma forma modificada de um aluguer de automóveis ilustra o conceito. O investidor (um fundo de cobertura, companhia de seguros ou outro), é o recebedor do swap de retorno total e é o locatário, é quem aluga o automóvel. Neste aluguer particular, o investidor obtém todos os benefícios do carro sem qualquer das complicações que advêm da sua posse.

O investidor recebe o carro com condutor. O investidor não tem de se preocupar com o estacionamento do carro, em pôr gasolina no carro, em manter o carro ou fazer a manutenção do carro. O investidor não paga imposto de luxo uma vez que o investidor não é proprietário do carro. O investidor paga, por hipótese, um valor mensal, pelo usufruto do carro.

No final do contrato de aluguer, o investidor deve pagar ao locador qualquer depreciação no valor do carro. Se o carro não tiver sido depreciado no valor, o investidor não paga mais nada.

E mais, se por uma razão ou por outra o carro valorizar – porque de repente passou a haver uma enorme atração por aquele modelo, porque houve greve na fabricante e passou a haver escassez desse modelo – o investidor recebe a valorização do ativo, do carro, que lhe será paga pelo locador. Inversamente, se há uma avaria ou um acidente com o carro, são despesas que ficam a cargo do locatário. O locador recebe o carro exatamente com o mesmo valor que tinha na assinatura do contrato de aluguer. Alternativamente, o investidor pode ficar com o carro e pagar o valor original do carro ao locador.

Figura 1

Existem, pois, três hipóteses:

  1. No final, o valor do ativo subjacente ao swap mantém-se igual ao valor inicial.
  2. No final, o valor do ativo subjacente no swap aumenta de valor, ou seja, o seu valor é agora superior ao seu valor inicial.
  3. No final, o valor do ativo subjacente no swap diminui de valor, ou seja, o seu valor é agora inferior ao seu valor inicial.

Vejamos as três hipóteses em termos do swap, seja em termos do recebedor do swap, o locatário, seja em termos do seu pagador, o locador.

Na hipótese 1) não há nenhuma valorização do ativo subjacente. O recebedor ou locatário, quem usufruiu do ativo subjacente, pagou todos os seus compromissos no aluguer (vg. comissões) e não recebe nada porque o ativo não aumentou de valor nem paga mais nada porque o valor do carro não desceu.

Na hipótese 2) e no final, o valor do ativo subjacente aumentou de valor. Neste caso repare-se: o recebedor do swap pagou pela sua disposição do ativo que assumiu entregar o mesmo valor que tomou no início. Mas o valor do ativo subiu. Neste caso o pagador, o locador do carro, do ativo, deverá entregar ao locatário do automóvel, o recebedor do retorno total, a valorização havida. Tudo se passa como se o que o recebedor do swap pagou, é o direito do usufruto do ativo em dado intervalo de tempo, e tem a obrigação de entregar ao locador, o ativo com o mesmo valor. Mas o valor do ativo aumentou e tem, portanto direito a que o locador lhe pague essa diferença de valor.

Na hipótese 3) e no final, o valor do ativo subjacente diminuiu de valor. A lógica agora é o contrário da hipótese anterior. O recebedor do swap, o locatário do carro, ou seja, do ativo subjacente, pagou os encargos devidos pelo usufruto do ativo no período de vigência do swap. Usufruiu do ativo nesse intervalo de tempo, tem de entregar o ativo com o mesmo valor de quando o recebeu mas este ativo desceu de valor. Tem de pagar essa diferença ao locador.

Relativamente ao carro como ativo subjacente ao swap, a definição de “dano” e a determinação do valor do carro “danificado” são condições que o investidor e o locador negociam no início do contrato de locação. Em alguns casos, o contrato de aluguer pode permitir ao investidor comprar o carro pelo valor de mercado do carro no final do contrato de aluguer. O método de determinação do valor de mercado do carro é negociado pelo investidor e pelo locador antes de estes assinarem o contrato de aluguer.

Vejamos agora o mesmo exemplo tendo como subjacente um título, uma ação por exemplo, cujo valor de mercado é o que consta no contrato de swap no momento em que este é acordado.

Esquematicamente temos:

Figura 2

Na primeira linha da figura, a hipótese é que o valor da ação se mantém constante [stock unchanged] tal como o valor do carro na nossa hipótese 1) anterior. O banco cede o usufruto da ação ao investidor, e este tem direito aos dividendos acrescidos da variação do valor do ativo, positiva ou negativa. O banco titular da ação, o seu locador, recebe do investidor juros a uma taxa variável (libor+spread) sobre o valor do ativo naquele momento, representado pela seta marcada a azul. Em contrapartida, o banco (o locador) paga ao locatário do título, o investidor, apenas os dividendos porque a ação mantém o seu valor inicial, conforme assinalado pela seta a cinzento.

Na segunda linha da figura, a ação (ou o carro no exemplo anterior), sobe de valor. O recebedor do swap teve o usufruto da ação, o dividendo, e isto corresponde à utilização do carro no exemplo anterior, mas o valor da ação aumentou. O recebedor do swap tem direito ao ganho total e este é agora dado pelos dividendos mais a valorização do ativo (seta marcada a cinzento), enquanto que o pagador e que é neste caso o banco, o proprietário do ativo, o locador da ação, ou o proprietário do carro no caso anterior, recebe apenas os juros e outros encargos associados (seta marcada a azul).

Na terceira linha, a ação, ou o carro no exemplo anterior, diminui de valor entre o momento da assinatura do swap e o momento em que este expira. O investidor recebe os dividendos, o usufruto do ativo no período considerado, mas a valorização do ativo é agora negativa e o investidor (recebedor do SRT) está obrigado a entregar o mesmo valor. Assim, o investidor recebe os dividendos menos a depreciação do ativo, enquanto o banco recebe os juros (taxa libor+ spread) e encargos sobre o valor inicial mais a depreciação do ativo. De forma mais simples, o recebedor paga sempre juros sobre o valor do ativo, o valor imobilizado pelo pagador para ter esse ativo.

Na base da posse desse ativo detido pelo banco e dos juros acordados para serem pagos é então feito pelo recebedor do swap uma troca, a essência do swap: o recebedor (o investidor) fica com os dividendos ganhos e com a valorização do ativo se a houver e paga ao pagador do swap os juros mais os prejuízos da desvalorização do ativo se esta existir. Por outras palavras: sem ter a propriedade dos títulos, e pagando os juros ao pagador do swap (o banco), o investidor está a jogar na alta dos títulos posicionando-se em posição longa sobre os títulos. O banco por seu lado, recebe as comissões do swap e salvo incumprimento, tem sempre garantido o valor do título [1].

 Como assinala um analista de Bloomberg, Aaron Brown:

Há duas formas principais de os fundos de cobertura obterem alavancagem para comprar ações. A primeira é comprar as ações numa conta de corretagem de primeira linha e pedir uma parte do montante da compra emprestado ao corretor. A segunda é entrar num swap de retorno total no qual o corretor compra as ações e o fundo concorda em pagar uma perda na posição em troca de receber quaisquer ganhos. Estes são praticamente idênticos economicamente, e representam os mesmos riscos para o corretor principal. De facto, os fundos compram frequentemente ações, e só mais tarde instruem o corretor principal a deter as ações na conta de corretagem ou num swap. Em ambos os casos, o corretor detém a margem em dinheiro do fundo, assim como as ações. Se as ações diminuírem em valor, o fundo deve depositar mais margem, ou o corretor venderá as ações e manterá a margem para reembolsar o empréstimo”.

Sintetizando e embora com o risco de nos repetirmos: um SRT, um swap de retorno total, permite a um investidor usufruir de todos os benefícios do fluxo de caixa de um título sem ser realmente proprietário do título, sem ter de investir na sua aquisição. O investidor recebe a taxa de retorno total, ou seja, os rendimentos gerados pelo ativo e a sua valorização caso exista. No final do SRT (ou em períodos intermédios pré-fixados), o investidor, o recebedor do SRT, deve pagar ao pagador (ao banco) do SRT qualquer redução verificada no valor do ativo subjacente assim como os juros acordados. Se não houver variação no seu valor, o investidor não efetua um pagamento para além dos juros. Se o valor do título se tiver apreciado, o investidor recebe a diferença entre o preço original e o novo preço, mais elevado.

Por tudo isto, o investidor efetua pagamentos contínuos ao pagador do SRT. Os pagamentos são análogos aos pagamentos do arrendamento que discutimos anteriormente com o exemplo do carro. No mercado de derivados de crédito, este pagamento é referido como o pagamento de taxa flutuante, o custo da disponibilização do ativo durante o período de validade do contrato de swap pela parte do recebedor do swap e corresponde aos custos financeiros que o pagador do swap tem pela imobilização do valor do referido ativo.

 

Bens Sintéticos Fora do Balanço

Os SRT são transações extrapatrimoniais. Os mutuários com baixos custos na obtenção de fundos nos mercados globais e com grandes balanços globais são naturalmente favorecidos enquanto pagadores no SRT, porque obtêm os fundos que imobilizam a baixo custo. Os ativos sintéticos são criados no processo. Os mutuários com custos mais elevados, tais como os fundos de cobertura, desfrutam do financiamento e da alavancagem da transação de retorno total.

Assim, um SRT é um contrato financeiro bilateral entre um pagador de retorno total (o detentor dos títulos ou de um crédito para aquisição dos títulos) e um recebedor do retorno total. Este não é o detentor dos ativos ou alternativamente tem-nos mas sob hipoteca. O pagador do retorno total paga o retorno total de um título de referência e recebe uma forma de pagamento do recebedor do retorno total, normalmente uma taxa libor acrescida de um spread aplicada ao valor do ativo em questão naquele momento. Frequentemente o pagamento do “usufruto” do ativo é um pagamento de taxa flutuante, a Libor, mais um spread acordado. Os ativos de referência podem ser índices, obrigações (mercado emergente, soberano, dívida bancária, títulos garantidos por hipoteca, empresas), créditos (a prazo ou renováveis), ações, créditos imobiliários, créditos de arrendamento, ou mercadorias.

Os swaps de retorno total existem pelo menos desde 1987, quando a Salomon Brothers ofereceu o primeiro contrato de swap hipotecário (“MAS-Mortgage Swap Agreement”). A maioria dos swaps de retorno total oferecidos no mercado são mais simples do que um MSA. A transação básica de swaps de retorno total é a que foi mostrada no diagrama acima da figura 2.

 

O investidor não é o proprietário legal do ativo

O recebedor da taxa total de retorno do swap, o investidor, não é o proprietário legal do bem de referência, tal como o locatário não era o proprietário legal do veículo. O SRT é uma transação extrapatrimonial e o ativo de referência não aparece no balanço do recebedor. Apenas para o período da transação, o recebedor da taxa de retorno total tem uma posição longa sintética no risco de mercado (depreciação do ativo subjacente) e uma posição longa sintética no risco de crédito (“prejuízo”) pela eventual subida da taxa libor, aumentando o seu pagamento ao pagador do swap do ativo de referência. Na maturidade da transação, o recebedor pode escolher, mas não é obrigado, a adquirir o ativo de referência ao preço de mercado então vigente.

No caso de incumprimento do ativo de referência antes da maturidade do SRT, normalmente o SRT termina, mas não tem necessariamente de terminar. Veremos mais tarde o caso em que não termina dado que, na maioria dos casos, realmente termina. O recebedor do SRT assume o risco de incumprimento em qualquer circunstância. Se o SRT terminar por incumprimento, o investidor (ou recebedor do SRT) indemniza a outra parte (o pagador do SRT, o banco ou o corretor) pelos riscos de crédito e de mercado do ativo de referência.

Por outro lado, no momento do incumprimento o investidor pode fazer um pagamento líquido da diferença entre o preço do título de referência no início da transação e o preço do título de referência nesse momento. Em alternativa, o investidor pode concordar em receber o ativo de referência em falta e pagar o preço inicial do ativo de referência ao pagador da taxa total de retorno. Uma vez que isto tenha ocorrido, nem o pagador nem o recebedor têm qualquer obrigação adicional para com a outra parte, e o SRT termina.

 

Motivação do Recebedor do Retorno Total

Num sentido muito importante, os SRT não são derivados de crédito. Os SRT, considerados na sua forma mais básica, são arbitragens de custos de financiamento. Os SRT são aplicados de várias formas: gestão de balanços, gestão de carteiras, alavancagem de fundos de cobertura, e manipulação de maturidade de swaps de ativos. Embora o efeito global de um SRT possa ter implicações de crédito muito importantes tanto para o pagador como para o recebedor da taxa total de retorno de swap, a sua utilização é principalmente a de um financiamento.

Há muitas razões para que tanto o pagador como o recebedor (“o investidor”) entrem num swap de taxa de retorno total. Há, no entanto, uma razão maior que todas para o recebedor do swap de taxa de total de retorno: alavancagem. Muitos especialistas em derivados de crédito, que passam ao lado do que é essencial ou cedem às sensibilidades dos gestores de crédito e reguladores, citarão razões tais como as seguintes:

  • Os investidores podem criar novos ativos com uma maturidade específica não disponível atualmente no mercado.
  • Os investidores ganham uma exposição extrapatrimonial eficiente a uma classe de ativos desejada, tais como empréstimos sindicalizados, ou obrigações de alto rendimento a que de outra forma não teriam acesso.
  • Os investidores podem obter um maior rendimento do capital (ver também abaixo). Os SRT são frequentemente tratados como derivados, instrumentos extrapatrimoniais. A propriedade direta de ativos é um investimento financiado no balanço. Os investidores podem preencher as lacunas de crédito da sua carteira.
  • Os investidores podem reduzir os custos administrativos através de uma compra extrapatrimonial (em oposição à compra de créditos no balanço).
  • Os investidores podem aceder a todas as classes de ativos, recebendo o retorno total de um índice.

Assisti a apresentações em que estas são as únicas razões citadas para a motivação do recebedor de taxa de retorno total. As razões acima referidas são frequentemente verdadeiras. Mas isso é como dizer que a razão pela qual se está a conduzir um Porsche Targa à volta de uma pista de corrida é que circulamos à volta da pista mais depressa do que se andarmos a pé. Embora seja verdade, não é o objetivo do que se está a fazer. A principal razão pela qual os recebedores do swap de retorno total entram nesta transação é para tirar partido da alavancagem.

Os investidores não fazem qualquer pagamento inicial em dinheiro. Normalmente os fluxos de caixa são normalmente pagos numa base líquida. Os “pagamentos” do investidor-recebedor do swap são subtraídos antecipadamente dos fluxos de caixa dos títulos. O investidor não faz mais do que receber um pagamento líquido positivo. (Isto pressupõe que o custo de financiamento do investidor permanece inferior aos fluxos de caixa gerados com o usufruto total do título. Se o investidor receber um cupão fixo e fizer um pagamento flutuante, pode acontecer que, num ambiente de curva de rendimento invertida, o investidor esteja na posição de ter de fazer um pagamento líquido).

A alavancagem é a razão pela qual os fundos de cobertura são um alvo principal como contrapartes no SRT. Os fundos de cobertura são o recebedor do swap de retorno total. O motivo principal dos fundos de cobertura é explorar a alavancagem. A participação de fundos de cobertura e de outros créditos instáveis, embora parcialmente co lateralizados, é um desenvolvimento crítico, e não necessariamente bem-vindo, no mercado de derivados de crédito. Embora o motivo de contraparte destes swaps que são os fundos de cobertura seja a alavancagem, o motivo do pagador do swap de retorno total no SRT é obter lucros elevados. Para um banco solvente ou outro recebedor do swap de retorno total solvente, não é geralmente exigida qualquer garantia inicial. Neste caso é normal que o recebedor do swap não deposite dinheiro. O spread que está a ser ganho é puro rendimento de spread; é o rendimento de juros recebidos sobre o SRT menos o custo de financiamento do ativo subjacente cujo usufruto pertence ao recebedor do swap.

Vejamos o efeito da alavancagem para o recebedor do swap. Por hipótese dispõe de um milhão de dólares. Entra num swap onde lhe é exigido 10 por cento de colateral.

Admita-se então um swap de retorno total com duração de um ano entre duas partes: uma parte A, parte pagadora do retorno total, e uma parte B, a parte recebedora do swap. A Parte A recebe a LIBOR + margem fixa (2%) e a Parte B recebe o retorno total do S&P 500 sobre um montante principal de $1 milhão. Se a LIBOR for de 3,5% e o S&P 500 valorizar em 15%, a Parte A pagará 15% à Parte B e receberá 5,5% (3,5+2%). Admita-se que a compensação do swap entre as Partes A e B será apenas feita no final do ano. Neste caso a Parte A pagaria à Parte B a valorização do subjacente menos os juros, ou seja, $95.000 [$1 milhão x (15% – 5,5%)].

Figura 3

Inversamente, admitamos que o índice S&P 500 cai 15%. A Parte B, o recebedor, pagaria então ao pagador do swap, a Parte A, a valorização negativa do subjacente menos os juros, ou seja, pagaria $95.000 [$1 milhão x (15% – 5,5%)].

Imaginemos agora que o investidor detém um milhão mas que entra num swap com alavancagem de um para dez. A aposta agora sobe para 10 milhões e, no caso de ganhar, ganhará então 950.000 dólares. A taxa de retorno que no caso anterior era de 9,5% sobre agora para 95%! No caso de perda perderia praticamente tudo. Este é o perigo da alavancagem: dá muito quando corre bem, faz perder muito quando corre mal e quando acontece, financeiramente pode ser mortal.

Em síntese podemos caracterizar da seguinte forma as duas partes no swap ou, como também se diz, as duas pernas do swap:

O pagador do retorno total, parte A:

– Possui o(s) ativo(s) de referência

– Tem financiamento a custos mais baixos

– Paga o retorno total do(s) ativos (s)

– Recebe LIBOR + spread fixo

– Recebe pagamentos para compensar quaisquer perdas de capital

– Assume o risco da taxa de juro

– Transfere o risco de retorno do ativo

Parte B, o recebedor do swap:

– Não possui o(s) ativo(s) de referência – tem um balanço mais fraco ou usa alavancagem do balanço

– Tem um financiamento de custo mais elevado que a parte A

– Recebe o retorno total do(s) ativos(s)

– Paga LIBOR +/- spread

– Paga por quaisquer perdas de capital

– Assume o risco de retorno de ativos

– Assume o risco da taxa de juro

 

Motivação do Pagador do Retorno Total

O pagador num SRP cria uma cobertura tanto para o risco de mercado, o risco de descida do valor do ativo subjacente, como para o risco de crédito ou de incumprimento, sendo o pagador no SRT o proprietário legal do ativo de referência. Os investidores que não possam vender títulos em posição curta para se protegerem de tomadas de posição longas podem ser capazes de cobrir uma posição longa pagando a taxa total de retorno num SRT [ou seja, podem assumir-se como pagadores de um swap tanto quanto se querem proteger de uma eventual descida dos títulos que têm em posição longa].

Um investidor a longo prazo que considere que um ativo de referência em carteira pode aumentar em spread a curto prazo, mas depois recuperar, pode entrar num SRT de menor duração do que o prazo de vencimento do ativo. A estrutura é flexível e não requer uma venda do ativo. Desta forma, o investidor pode fixar um retorno, mas ter entretanto uma visão negativa temporária a curto prazo sobre um ativo. Um investidor, que tem uma perda não reconhecida numa posição obrigacionista, pode adiar a perda sem arriscar ainda mais perdas sobre o ativo. O investidor pode pagar a taxa total de retorno sobre o ativo durante o período de tempo necessário para adiar a perda. Na maturidade do swap de taxa de retorno total – se não for o mesmo que a maturidade do ativo – o investidor pode vender o ativo e reconhecer a perda. Um investidor com um ganho num título pode empregar o mesmo método para adiar um ganho, protegendo simultaneamente o valor do ativo de referência.

Dissemos atrás que um operador em bolsa que não possa vender a descoberto determinados ativos, cobrindo a sua posição longa nesses mesmos ativos pode entrar num swap de retorno total como pagador do retorno total.

Não nos podemos esquecer que em finança onde há um génio há como contraparte um tolo. Se alguém ganha é porque jogou no sentido inverso ao da sua contraparte. Diríamos que, se confinados pura e simplesmente ao mundo da finança, estaríamos perante um jogo de soma nula, o que ganham uns é o que perdem os outros. Daí algumas posições de esquerda para quem é irrelevante o que se passa na bolsa, porque o que lá se passa é apenas um jogo entre ricos. Visão profundamente errada como mostraram todas as crises até agora.

 

SRT entre duas instituições bancárias e o caso da Archegos Capital Management

Vejamos agora um swap de retorno total entre duas instituições bancárias. A explicação que foi dada anteriormente é exatamente a que serve para o caso de agora. Este esquema serve para ilustrar o movimento entre duas instituições bancárias.

Esquematicamente temos:

Figura 4

O banco B, o vendedor da proteção também chamado o garante entra num swap de retorno total com o banco A, o banco comprador da proteção aos títulos do swap. O esquema é igual aos anteriores já apresentados. Dessa maneira o banco A, através do swap, fica com a garantia de que na maturidade do swap, terá em carteira o mesmo valor em títulos. Foi essa segurança que comprou. Se os títulos descerem o Banco B paga o prejuízo, é o garante do valor dos títulos. Desta forma, o Banco A assume uma posição curta com o swap cobrindo os prejuízos que lhe podem advir da posição longa dos títulos que tem em carteira. Se os títulos sobem, o que ganha com a subida é uma das componentes do retorno total que tem de pagar ao Banco B e, portanto, do ponto de vista de variação dos ativos nem ganha nem perde com essa subida do valor dos ativos em carteira. A posição é inversa para o Banco B. Veja-se o esquema das setas. Se o título sobe, o Banco B ganha essa subida do valor do ativo subjacente ao swap e o seu ganho total é dado pela soma dos rendimentos gerados pelos títulos mais o valor da variação dos ativos a que se subtrai o que paga ao Banco A em termos de Libor + spread. Mas, e se o título desce? Se o título desce tem de pagar ao Banco A a segurança que este lhe comprou e esta tem como valor exatamente o montante da variação do ativo subjacente ao swap. Se o Banco B não tem esse dinheiro, há um apelo de margem não respondido e o Banco A fica automaticamente com o colateral dado por garantia pelo Banco B e pode desfazer-se das ações.

Foi isto que aconteceu com a Archegos que assume aqui o papel do banco B. Veja-se o seguinte: o que a Archegos fez com o banco A fez com C, com D, com F, com G, H etc. Fê-lo separadamente com cada um deles e, portanto, nenhum banco sabia o que a Archegos tinha feito com os concorrentes no mercado em Wall Street. As operações com estes bancos eram operações fora da bolsa, ditas operações de mercado de balcão (Over-the-counter). Cada banco tinha andado a comprar ações em seu próprio nome, mas para fazerem swaps de retorno total com Bill Hwang. E de repente todos eles ficaram com as suas posições longas na mão sem saber bem o que deveriam fazer, a andarem numa roda viva à procura de proteção para essas posições longas e descobriram a verdade das verdades: não havia proteção possível. E de entre estes bancos de mãos cheias de títulos comprados para os swaps de Bill Hwang contam-se Credit Suisse Group, UBS Group AG, Goldman Sachs Group Inc., Morgan Stanley, Deutsche Bank e Nomura Holdings além de outros.

Razão há para perguntar: não viram nada, não se questionaram em nada, nem sequer quanto ao disparar do valor de alguns dos títulos? Que fazem os seus analistas, então? Mais ainda, depois de GameStiop, a SEC também não se questionou em nada? Espantoso. Repete-se, embora a uma menor escala, o que se passou em 2008. Ninguém tinha visto nada até que as castanhas começaram a rebentar. Lembram-se da pergunta da rainha Isabel II na London School of Economics? Não viram nada? [2]

Na base de tudo isto que agora aconteceu dirão estes banqueiros, com profissionais pagos a peso de ouro, está o facto de as transações serem feitas em contratos não estandardizados, não sujeitos à supervisão, em suma não sujeitos a nenhuma divulgação, em contratos feitos por Bill Hwang banco a banco.

Tudo isto nos faz lembrar uma petição feita por um célebre gabinete de advogados de Nova Iorque, Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, dirigida à SEC e em que, que na sequência de uma petição por eles feita em 7 de março de 2011, escreviam em 15 de abril desse mesmo ano, e que passamos a citar  muito extensivamente porque nesse texto quase todos os problemas com que os reguladores se debatem hoje face à crise levantada por Archegos, ou seja exatamente 10 anos depois, estavam já bem presentes na Grande Crise Financeira que rebentou em 2008:

A Comissão de Valores Mobiliários precisa de ir mais além da readaptação da redação atual quanto a regras de informação sobre propriedade efetiva dos títulos, conforme proposto e adoptar uma definição ampla e flexível de propriedade efetiva. Tal definição deve reconhecer as variadas formas pelas quais um investidor pode adquirir influência e controlo sobre um emissor e colmatar as lacunas disponíveis para investidores activistas no âmbito do regime de informação existente. Para além dos swaps baseados em valores mobiliários que proporcionam poder de voto ou de investimento, os investidores podem e adquirem as características de propriedade efetiva de um amplo universo de títulos derivados, incluindo aqueles que são nominalmente “liquidados em dinheiro”. A definição de propriedade efetiva para efeitos da Secção 13 deve abranger a propriedade de qualquer instrumento derivado que inclui a oportunidade de, directa ou indirectamente, lucrar ou participar em qualquer lucro derivado de qualquer aumento no valor do ativo em questão. Os instrumentos derivados devem incluir, salvo certas excepções, qualquer instrumento ou direito “com privilégio de exercício ou conversão ou pagamento ou mecanismo de liquidação a um preço relacionado com um título de capital ou instrumento semelhante com um valor derivado, no todo ou em parte, do valor de um título de capital, quer tal instrumento ou direito esteja ou não sujeito a liquidação no título subjacente ou de outro modo. Além disso, deve ficar explicitamente claro que a definição abrange também a propriedade de posições a descoberto num título, uma vez que tais posições têm o mesmo potencial que as posições longas para influenciar a negociação do título em questão”.[3]

 

Dez anos depois nada mudou e Bill Hwang aí está a mostrar a extrema pertinência do documento acabado de citar.

Hwang diz-nos que para cada “investimento” que fazia tinha o pensamento em Deus mas pelos vistos, ao contrário do que ele pensava, que Deus gostaria, ele um homem profundamente religioso, Deus escreveu direito por linhas tortas punindo os homens gananciosos de Wall Street e entre os quais, ele próprio, Bill Hwang.

Há muitas perguntas a fazer sobre o comportamento destes bancos: como é possível que se tenha alavancado até na ordem das várias dezenas de milhares de milhões e ninguém se questionava sobre o disparar do valor das ações em questão. Dito de forma sarcástica: ao Robinhood da GameStop, uma mecânica que foi criada pelos pequenos investidores de retalho, os operadores pobres em bolsa, nos primeiros meses de 2021 juntando milhares de milhões, sucedeu o Robinhood dos ricos, com operadores em bolsa pagos a milhões em operações de milhares de milhões a partir do final de Março e de um pequeno mas poderoso conjunto de grandes bancos, os verdadeiros donos disto tudo. A ganância terá movimentado estes grandes bancos a fazerem swaps de retorno total para ganharem as comissões e os spreads de juros, uma vez que o valor dos títulos estaria “sempre” assegurado por Bill Hwang, ou seja este seria o “segurador” do valor dos próprios títulos. De repente os grandes bancos acordaram, e perceberam que os títulos estavam com alta cotação porque os bancos os andavam a comprar para ganharem Bill Hwang como seu cliente. O seu segurador, a Archegos Capital Management de Bill Hwang falhou e de repente cada um deles procurou proteção num outro banco e cada um deles descobriu então que não havia proteção possível: estavam todos à procura do mesmo, não havia ninguém disponível para ser vendedor de proteção. Esta é uma história muito violenta, à boa maneira de Wall Street, a versão financeira e atual do Far-West americano de outrora.

Uma das ferramentas no processo de crise que rebentou em final de Março de 2021 foram os swaps de retorno total e uma curiosidade relativamente à crise de 2008: também esta começou com uma chamada de margem sem resposta e também ela assentou numa enorme alavancagem dos operadores em Wall Street. Por esta razão regressemos à análise dos swaps de retorno total.

 

Fundos de cobertura e alavancagem

Embora o SRT abra a distribuição no mercado de empréstimos, o recebedor de retorno total continua a ser um elemento importante na estrutura. Quando um banco deixa de assumir o risco de crédito de um empréstimo pagando a taxa total de retorno a um fundo de cobertura, qual é o risco que o banco reduz? Os gestores de crédito enfrentam um dilema. Os bancos estão no negócio de fornecer financiamento e geralmente querem reduzir o risco de uma forma eficaz. Os operadores de derivados de crédito, impacientes por contabilizar os seus rendimentos, querem emprestar dinheiro aos fundos de cobertura uma vez que estes pagarão custos de financiamento elevados, muito superiores aos que os bancos podem obter de outras contrapartes, tais como bancos, companhias de seguros, ou bancos de investimento. No entanto, há uma razão para o elevado custo de financiamento exigido aos fundos especulativos. Os fundos de cobertura não divulgam outros ativos nos seus balanços. O gestor de crédito que avalia o crédito de um fundo de investimento especulativo não tem nada para se apoiar em termos da sua decisão. Não há forma de saber quantas destas transações foram feitas pelo fundo de cobertura.

Por um lado, mais transações implicam uma maior diversificação. Por outro lado, o gestor de crédito não tem forma de determinar o grau de alavancagem que o fundo de cobertura emprega. Alguns fundos especulativos são apenas obrigados a constituir 5% de garantias iniciais. Os bancos que exigem 20% de garantias iniciais descobrem frequentemente que os fundos de cobertura farão o SRT com outro banco que dará condições de garantia mais favoráveis. Os bancos exigirão frequentemente uma avaliação diária aos valores de mercado do ativo subjacente, e muitas vezes existe um período de “cura” que permite ao fundo de cobertura ganhar tempo para apresentar garantias adicionais. Nem todos os bancos necessitam de uma avaliação diária aos valores de mercado. Se um banco realiza uma transação de derivados de crédito com um fundo de cobertura, que benefício, se algum benefício existe, obtém o banco da redução da probabilidade conjunta de incumprimento? Existe uma probabilidade reduzida de incumprimento? A garantia inicial será ela suficiente para melhorar a qualidade de crédito da contraparte que é o fundo de cobertura para compensar o banco em caso de incumprimento? Se se verifica o incumprimento dos ativos subjacentes, a volatilidade do preço de mercado é suficientemente baixa para que a garantia inicial cubra a diminuição do valor?

Uma contraparte como sendo um fundo de cobertura parece ser uma perversão do conceito de derivados de crédito. Será que se pode ver o fundo de cobertura com uma notação de um único A? A maioria dos bancos diria enfaticamente que não. Será que encaro o fundo de cobertura com uma notação BB+? O problema é que ninguém realmente sabe. Os fundos de cobertura não revelam informação suficiente para fazer esta avaliação. O facto de os bancos estarem dispostos a fazer este negócio com fundos especulativos ilustra como é difícil para os bancos gerar rendimentos do seu negócio tradicional de empréstimos de grau de investimento. Os empréstimos de grau de investimento mostram um retorno do capital extremamente baixo. O principal objetivo dos bancos não é uma maior distribuição. O principal objetivo é registar um rendimento mais elevado através do spread. Resta saber se o aumento do rendimento de spread que os fundos de cobertura estão dispostos a pagar como custo de financiamento é suficiente para compensar os bancos pelo risco de crédito.

Creio que não há benefício de uma classificação apoiada conjuntamente quando um fundo de cobertura é o “fiador”. A proteção proporcionada pelo fundo especulativo é uma proteção fantasma. O único benefício é da garantia inicial, que pode reduzir a exposição do pagador do swap em caso de incumprimento do ativo subjacente. Se um fundo de cobertura colocar apenas 5% de garantia, isto não reduz em muito a exposição global do pagador do swap. Infelizmente, em caso de incumprimento do ativo de referência, não sei se o fundo de cobertura estará em condições de me fornecer o dinheiro adicional, ou seja, as perdas sobre o ativo subjacente.

 

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NOTAS

[1] Poder-se-ia admitir, como uma outra via do swap, que o investidor pede emprestado ao corretor o dinheiro para comprar o título e negoceia com o corretor receber os ganhos se os houver ou pagar os prejuízos sobre o valor do título se os houver. Haveria aqui um empréstimo e um “swap”, uma troca dos resultados, em que o recebedor, o investidor, recebe os rendimentos gerados e a sua valorização, assumindo em contrapartida pagar ao pagador do swap qualquer desvalorização que haja sobre o ativo, além dos juros correspondentes a um empréstimo. Económica, mas não juridicamente, os dois swaps são equivalentes. Juridicamente são diferentes porque num caso os títulos são propriedade do pagador do swap e registados em seu nome e no outro são propriedade do recebedor do swap e são registados em seu nome. Na ausência de incumprimento, o banco nunca perde com a variação, positiva ou negativa, do ativo subjacente e note-se que o ativo nunca está a ser negociado no swap mas sim os fluxos e variações geradas.

[2] Vd. Daily Telegraph de 5 de Novembro de 2008, The Queen asks why no one saw the credit crunch coming.

[3] Vejam-se os seguintes documentos da firma de advogados, especialistas nos mercados financeiros, Wachtell, Lipton, Rosen & Katz:

  1. Petition for Rulemaking Under Section 13 of the Securities Exchange Act of 1934: https://www.wlrk.com/docs/Letter_to_the_SEC_re_%2013(d)(final%20version).pdf
  1. Call for Modernization of the Section 13 Beneficial Ownership Reporting Rules: https://www.wlrk.com/webdocs/wlrknew/ClientMemos/WLRK/WLRK.18403.11.pdf
  2. SEC Releases Proposed Rules Preserving “Status Quo” for Beneficial Ownership Reporting of Security-Based Swaps: https://www.wlrk.com/webdocs/wlrknew/ClientMemos/WLRK/WLRK.18470.11.pdf
  1. Comments on Release No. 34-64087; File No. S7-10-11: https://www.sec.gov/comments/s7-10-11/s71011-2.pdf

 

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Janet Tavakoli é a Presidente da Tavakoli Structured Finance, Inc., uma empresa de consultoria sediada em Chicago. Tem três livros publicados sobre derivados de crédito, finanças estruturadas, e a crise financeira global de 2008. Publicou também um romance “Archangels: The Rise of Jesuits” (2013). É licenciada em Engenharia Química pelo Instituto de Tecnologia de Illinois. Tem um MBA em Finanças pela Universidade de Chicago.

 

 

 

 

 

 

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