Dos conhecimentos básicos em finança à opacidade e complexidade do mundo financeirizado – Uma exposição e uma análise crítica. Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança – 5. Representação do interesse público no sistema bancário  (5ª parte). Por Finance Watch

Jan Brueghel the Younger Satire on Tulip Mania c 1640
Jan Brueghel the Younger, Satire on Tulip Mania, c. 1640

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança.

5. Representação do interesse público no sistema bancário  (5ª parte)

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Por Finance Watch com o apoio da Fundação Hans-Böckler, dezembro de 2016

Autores: Duncan Lindo e Aline Fares

Editores: Greg Ford e Christophe Njdam

 

 

 

 

(5ª parte)

4. Os bancos

Os gestores dos grandes bancos têm interesses alinhados…

Um grupo das partes interessadas, os altos quadros da gestão bancária, goza de vantagens consideráveis no que diz respeito aos bloqueios principais à representação do interesse público discutido no último capítulo. Têm interesses relativamente melhor alinhados e menos problemas da coordenação. De forma importante, a estrutura do sector bancário europeu agrava ainda mais a sua vantagem inerente.

…e menos problemas de coordenação que outras partes interessadas

Em primeiro lugar, os altos quadros da banca no seu conjunto têm, em grande medida, interesses alinhados no sentido de poderem garantir as condições e o quadro em que operam e competem. Em segundo lugar, eles são um grupo muito pequeno e coeso e podem facilmente coordenar as suas ações. Isso é verdade dentro da hierarquia de um único banco e em todo o setor bancário europeu de forma mais geral. Os altos quadros bancários beneficiam igualmente de numerosas maneiras para coordenar a sua representação de interesses. Os dispositivos explícitos incluem associações bancárias nacionais e europeias e os bancos são muitas vezes a força motriz por trás de outras associações comerciais, como a International Swaps and Derivatives Association (ISDA). Dispositivos de coordenação mais subtis incluem uma homogeneidade em termos de educação e cultura (para já não falar da homogeneidade de género [39] ). Por exemplo, um relatório recente realçava quão importante era o encaixe cultural nas perspetivas de emprego na banca de investimento e como “o conceito de encaixe” é determinado frequentemente pelo facto de os aspirantes a bancários partilharem ou não uma base social ou educacional comum aos atuais empregadores” [40]. O resultado global é um grupo de partes interessadas que é consideravelmente mais fácil de coordenar do que outros grupos.

Este capítulo:

  • primeiro, mostra que a estrutura atual do setor bancário europeu reforça e exacerba essas vantagens dos altos quadros da banca; e
  • segundo, examina os modelos de governança bancária para ver como eles influenciam a participação pública e a representação de interesses.

 

Anatomia dos bancos da Europa e domínio dos bancos demasiado grandes para poderem falir (TBTF)

Dimensão dos bancos

Os grandes bancos são 1% dos bancos europeus mas representam 72% do total de ativos

O setor bancário da Europa é dominado por cerca de 35 grandes bancos que são qualitativamente maiores do que o resto do setor (cerca de 45 vezes maiores que os bancos de tamanho médio e 1.740 vezes o tamanho médio de milhares de bancos pequenos). Como mostra a Tabela 1, os grandes bancos são os 1% dos bancos da Europa – apenas 1% das instituições nacionais em número, representam 72% dos ativos totais bancários nacionais. Os bancos pequenos e médios são os 99%, ou seja, mais de 3.000 bancos são responsáveis pelo restante. Estas estatísticas consolidadas são confirmadas quando se examinam os balanços individuais de quase 400 dos maiores bancos da UE. A Figura 3 mostra o gráfico de seus ativos totais ordenados por volume e é evidente que os grandes bancos são qualitativamente diferentes da longa cauda dos bancos de tamanho médio [41]. Além disso, desde 2008, a desalavancagem reduziu o tamanho geral do setor bancário, mas o tamanho médio dos grandes bancos nacionais cresceu de quase 600 mil milhões de euros para quase 700 mil milhões de euros (ver quadro 1).

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Atividades dos grandes bancos

Modelos de negócio alinhados

O modelo de negócio dos maiores bancos também é diferente do modelo seguido pelos bancos de tamanho médio. Os dados consolidados para todo o sector mostram que 33% dos ativos dos grandes bancos são classificados como “numerário, negociação em títulos e disponíveis para venda”, em comparação com 20% para os bancos de tamanho médio (ver Figura 4). Mais importante ainda, os grandes bancos envolvem-se em transações de derivados, uma atividade quase totalmente ausente nos pequenos e médios bancos [42]. Os grandes bancos domésticos têm 3,2 milhões de milhões de euros de ativos derivados nos seus balanços (combinados com aproximadamente a mesma quantidade de passivos derivados, o que deve ser sublinhado). Os grandes bancos, dada a sua dimensão muito maior dimensão e a sua maior quota de derivados por banco, representam 95% de todos os ativos derivados entre os bancos nacionais da UE (ver Figura 5) [43]. Há estudos que nos mostram que os bancos que negoceiam com títulos da dívida pública constituem o núcleo central dos mercados de produtos derivados [44]. Significa isto que este mercado extremamente grande é dominado por apenas um punhado de bancos muito grandes, realidade esta que os torna altamente interligados uns com os outros e com o resto do sistema financeiro.

Embora o BCE não divulgue quais são os bancos que ele classifica como grandes bancos, a análise dos balanços bancários individuais mostra que a maior parte dos maiores bancos são “bancos de investimento”[45] . Ayadi et al (2016) identificam o “banco de investimento” como tipicamente o maior dos cinco modelos de negócios no seu estudo, com ativos de negociação acima da média (representando 60% do total de ativos no seu estudo), com recursos em depósito inferiores à média e com passivos de dívida acima da média. Por outro lado, os vários tipos de bancos de retalho identificam-nos de forma geral como o mapa dos pequenos e médios bancos [46].

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Os bancos demasiados grandes para falirem ainda representam uma ameaça sistémica

A Europa é o lar de 13 dos 30 bancos que o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) considerou serem bancos globais sistemicamente importantes, bancos (G-SIBs), bem como é o lar de outros, tais como Lloyds e Dexia que estavam anteriormente na lista [47]. Dado isto, a enorme e crescente dimensão média dos grandes bancos e a diferença qualitativa entre grandes e médios bancos, parece correto continuar a rotular os maiores bancos da Europa de “demasiado-grandes-para-falirem”. O termo, usado pela primeira vez na década de 1980, engloba mais do que o tamanho, tendo em conta outras caraterísticas em que o colapso de um tal banco pode representar uma ameaça sistémica mais ampla para o sistema bancário, financeiro ou económico [48]. Os maiores bancos também são muitas vezes demasiado complexos para gerir e mesmo para serem resgatados, assim como são demasiado interligados para falirem. As suas elevadas quantidades de atividades de mercado financeiro, em particular, vinculam-nas ao resto do sistema financeiro; por exemplo, as estatísticas do BIS mostram de forma consistente que as empresas não financeiras compõem menos de 10% das contrapartes de derivados de OTC dos bancos [49].

Bloqueios estruturais

Estas características do sector bancário europeu exacerbam os problemas de representação do interesse público identificados no início do capítulo. Em particular, os altos quadros dos maiores bancos têm acesso privilegiado aos canais de participação e de representação de interesses em relação a outras partes interessadas (muito mais ainda que a gestão de milhares de pequenos e médios bancos).

Os grandes bancos são um pequeno e coeso grupo

Primeiro, eles são pequenos em número, 30-40 grandes bancos, o que significa que a coordenação é relativamente fácil em comparação com grupos de partes interessadas com circunscrições muito maiores. Em segundo lugar, os seus modelos de negócios estão amplamente alinhados com os “bancos de investimento” dominantes e, por conseguinte, os interesses dos altos quadros estão também amplamente alinhados quando se trata de definir o quadro das condições de concorrência. Além disso, cada um dos grandes bancos é, por si mesmo, um lobista formidável; por exemplo, vimos no capítulo 3 que um só banco facilmente declara muito mais gastos em lóbi do que Finance Watch gasta em todo o seu orçamento (e, claro, isso exclui as vias mais difusas utilizadas pelos bancos para mover influências no seu meio ambiente, a inovação financeira, conferências, investigação, associações bancárias e publicidade).

Os altos quadros dos bancos demasiado-grandes-para-falirem podem exercer o poder estrutural para promoverem os seus próprios interesses e obstruir a representação de interesses de outras partes interessadas. A própria noção de demasiado-grande-para-falir deriva da crença de que a sociedade é obrigada a socorrer os maiores bancos por causa do risco sistémico que eles colocam sem qualquer possibilidade para a maioria das partes interessadas participarem no processo de tomada de decisão. Como temos testemunhado nos últimos anos, tais resgates geralmente envolvem medidas com grandes e duradouras consequências.

Desde 2008 que os bancos beneficiaram de uma ampla e imaginativa gama de medidas, incluindo aquisições de capital pelo Estado, provisão de liquidez contínua e sem precedentes, garantias governamentais sobre as dívidas bancárias, restrições extraordinárias sobre a utilização do dinheiro de crédito bancário em áreas específicas da zona euro (ou seja, Chipre e Grécia) e assim por diante. A maioria das partes interessadas ficou a perder na medida em que os preços das ações perderam mais de metade do seu valor (ver Figura 6 abaixo); os mutuários perderam na medida em que a possibilidade de obterem crédito foi “esmagada”; o emprego em toda a economia caiu, e o emprego nos sistema bancário caiu devido à falência dos bancos e à redução dos custos que levaram ao fecho de agências ou filiais enquanto os bancos de retalho se moveram para as operações on-line; as condições para os depositantes não melhoraram e, ocasionalmente, foram severamente restringidas; e, claro, o público no sentido mais geral, também perdeu através do custo dos resgates e das escolhas de austeridade que se seguiram à crise do sistema bancário e ao consequente processo de redução drástica do crédito. Estas partes interessadas parecem ter pouca probabilidade de representar os seus interesses. Entretanto os altos quadros da banca terão por vezes perdido os seus empregos mas mantiveram-se geralmente ilesos com os pagamentos dos seus bónus sobre as operações passadas garantidos e com poucas ou nenhumas outras consequências (apesar da lista sempre crescente de delitos bancários) [50].

“Quando o FMI empresta dinheiro à Grécia ou outros países, tem bastante empenho em impor duras condições. Assim, quando um governo vende um banco resgatado, deveria também impor condições. Em contrapartida do resgate temos o direito de fazer ouvir a nossa voz quanto ao futuro do banco” – participante nas workshops

Finalmente, a análise mostra que os maiores bancos são também os mais internacionais e esta é uma fonte adicional de poder estrutural. Os investigadores, comparando os EUA com o Reino Unido, descobriram que os bancos internacionais no Reino Unido alcançaram um melhor “acordo” do que os bancos americanos centrados no seu mercado interno durante a gestão de crises de 2007-2009 [51]. A New Economics Foundation argumentou que a mesma prática foi repetida no Reino Unido em 2015 [52]. Ao ser assim feito, os altos quadros dos maiores bancos mais uma vez demonstraram a sua posição privilegiada na participação e representação de interesses em relação a outros grupos de partes interessadas.

(continua)

Texto disponível em http://www.finance-watch.org/our-work/events/1284-public-interest-banking

 

Notas

[39] http://www.ifre.com/more-action-needed-on-gender-diversity/21260460.fullarticle

[40]  Social Mobility Commission, 2016

[41]  Note-se que o BCE não divulga quais os bancos que compõem os 35 grandes bancos nacionais dos dados bancários consolidados como no final 2015. A fonte utilizada aqui para os balanços individuais dos 397 bancos examinados é o banco de dados SNL (http://www.SNL.com/). Além disso, os dados do BCE dividem os bancos entre nacionais e estrangeiros enquanto que a fonte SNL não o faz.

[42]  Os produtos derivados reepresentam quase t 13% dos ativos dos grandes bancos mas somente 4% nos bancosde média dimensão. (os pequenos bancos têm menos de 1%). Fonte: ECB, Consolidated Banking Data (http://sdw.ecb.europa.eu/browse.do?node=9689685)

[43]  Deve-se notar que os bancos europeus registam os produtos derivados diferentemente dos bancos americanos. O registo IFRS não permite que os bancos se apresentem apenas com os contratos líquidos mesmo aqueles que estão dentro dos acordos ISDA, ou seja, entre as mesmas contrapartes, enquanto o US GAAP o permite. Isto pode ser considerado como estando a exagerar a exposição ao risco com os produtos derivados nos balanços europeus, como geralmente os acordos ISDA pareceram funcionar no caso de falha da contraparte. Por outro lado, a contabilidade bruta destaca a natureza fundamental das carteiras de derivados como pilhas acumuladas de contratos individuais que os bancos esperam compensar. O relatório de balanço de derivados é geralmente baseado no justo valor , uma tentativa de medir o valor de mercado (os valores nocionais são registados em anexos). Os valores de mercado dos derivados podem ser particularmente voláteis, o que pode resultar em mudanças rápidas na composição dos balanços bancários, uma vez que aparentemente os ativos e passivos compensadores aumentam e diminuem.

[44]  Lindo, 2013

[45]  A análise sugere que há um número menor de bancos de retalho largamente “diversificados” entre os 30-40 maiores bancos com menos ativos de negociação do que bancos de investimento puros, mas, no entanto, com um financiamento baseado no mercado superior à média.

[46]  Observamos que o exame dos balanços bancários individuais de cerca de 400 bancos parece indicar um pequeno número de bancos de investimento de tamanho médio com níveis extremamente elevados de caixa, negociação e ativos disponíveis para venda.

[47]  Financial Stability Board, 2015

[48]  A frase foi utilizada pela primeira vez na década de 1980: ‘ [Em] Setembro de 1984 o Comptroller of the Currency testemunhou perante o Congresso que alguns bancos eram simplesmente “muito grandes para falir” e que para aqueles bancos deveria ser fornecido o seguro sobre o total de cada depósito. (O’ Hara e Shaw, 1990:1587).

[49]  https://www.bis.org/statistics/about_derivatives_stats.htm

[50]  Ver Robert Jenkins’ lista parcial das práticas incorretas dos bancos, Finance Watch blog, 26 Outubro 2016, http://www.financewatch.org/hot-topics/blog/1186

[51]  Culpepper and Reinke, 2014

[52]  Berry et al, 2016

 

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